Escolhidos no trainee para negros estavam em postos abaixo de suas capacidades, diz presidente do Magalu

FONTEpor Joana Cunha no Folha de São Paulo
O presidente do Magalu, Frederico Trajano - Mastrangelo Reino - 11.dez.2017/Folhapress

Após entrevistar os candidatos para a última etapa do processo seletivo de trainees do Magalu, exclusivo para negros, Frederico Trajano, presidente da empresa, diz que saiu com uma triste constatação: quase todos os profissionais estavam em postos abaixo de suas capacidades.

Segundo o empresário, que conversou com a Folha poucos minutos depois de revelar o resultado aos selecionados, a empresa “nivelou por cima”.

Qual é a sua conclusão após o processo? Estou radiante, contagiado com as histórias das pessoas. Há mais de 15 anos, eu sempre faço a fase de entrevistas com os finalistas. Esta foi a que mais me emocionou. Sobre o sucesso do programa ou não, só veremos mais para a frente. Por mais brilhantes que sejam esses aprovados, ainda é só um primeiro passo. O objetivo final é que eles virem gerentes, diretores e presidentes da companhia ou de subsidiárias. É aí que queremos chegar. Mas o que eu posso dizer é que temos uma safra de grande potencial e probabilidade de sucesso no plano de carreira no Magalu.

Teve uma polêmica, uma discussão de que estaríamos nivelando por baixo. Eu posso afirmar, pelas minhas entrevistas, que foi a turma mais difícil de eliminar. Geralmente, nós ficamos com 10 a 13 pessoas. Às vezes, até forçando um pouco porque pode ter desistência. Mas neste ano eu tive dificuldade. Eles têm talento incrível, capacidade de expressão verbal fantástica, história de vida de superação.

Estamos nivelando por cima. Tenho várias constatações, mas uma delas é mais dolorosa. É que em vários programas de trainee as empresas disputam os profissionais. Estes dessa safra são, no mínimo, tão talentosos ou mais do que as safras anteriores. Mas a grande maioria estava desempregada ou em um emprego aquém do talento deles.

Pelo menos no primeiro momento já comprova a tese de que há condições diferentes para essas pessoas. As oportunidades são mais escassas, e o crescimento de carreira, mais difícil. Não vou comemorar ainda, só quando eles se formarem gerentes e diretores.

Como a história de vida reforça o perfil para esses cargos?
Tem a ver com a cultura e os valores da empresa. O Magalu sempre valorizou pessoas que têm histórias de vitórias na adversidade, superação. Nas minhas entrevistas eu enfatizo a biografia. E são pessoas que tiveram de trabalhar para custear o estudo. Muitos são de universidade federal e estadual, mas para viver na cidade onde estudavam, tinham que vender brigadeiro, trabalhar aos fins de semana. Têm perseverança.

O único traço curricular inferior ao de anos anteriores é o inglês, mas tudo isso mais do que compensa a falta do inglês. Afinal, nosso cliente é brasileiro. Mais determinante para o sucesso deles e da companhia é a resiliência. O Brasil é volátil, e a capacidade de aguentar é superimportante. Nós temos um valor que é a mão na massa. Minha tia teve esse histórico. Ela veio de origem humilde e trabalhava de vendedora, montou uma primeira loja, carregava caixa. Na infância eu trabalhava nas férias nas lojas.
Varejo tem carga operacional grande. E todos esses trainees têm educação excepcional, mas também se viraram na vida, ralaram, tiveram emprego operacional.

Uma coisa que me chamou a atenção nas entrevistas foi que, para eles, o fracasso, a pequena derrota, não é motivo de vergonha. Faz parte do processo evolutivo. Ninguém escondeu se não passou no primeiro ano da faculdade, se foi demitido. Todos foram brutalmente honestos. Não é aquele que diz “eu sou muito perfeccionista”, que doura a pílula. Essa sinceridade tem a ver com os nossos valores.

Você tem sido procurado por empresários interessados em reproduzir a ideia?
Ninguém chegou para mim e disse que não concorda. Só rede social. Colegas empresários parabenizaram, mas não querendo fazer benchmarking [estudo para replicar], até porque não tínhamos concluído o processo. Acredito que venha mais para a frente.

Quando você sai com uma ação como essa, tem que ter lastro, convicção, parceiros sólidos, desde o cara que dá opinião legal até o que treina os entrevistadores. Mas eu não tenho dúvida de que mais empresas farão igual ou parecido. Pela qualidade das pessoas que eu não aprovei, posso dizer que essas empresas teriam talentos fantásticos. Eu não tinha vaga para todos, mas ficou muita gente boa.

Quando dizem que foi jogada de marketing, o que você pensa?
Quem fala isso não conhece o Magalu. As empresas hoje são restaurantes com cozinha aberta. Se está suja, não tem como esconder. Tem rede social. As empresas que fizeram lacração racial nos EUA sofreram reveses porque os funcionários falaram que não era nada daquilo.

Foi um programa de trainee como os outros, com a diferença de que priorizou candidatos negros, e isso gerou repercussão. Não seria um marketing inteligente. Seria antimarketing, porque no começo a gente só tomou porrada. Acho que o Brasil ainda é muito racista, pelo que percebi nessa repercussão.

Não é marketing. É um reconhecimento público de que temos um problema e precisamos melhorar. Temos defeitos e qualidades. Um de nossos defeitos é que, infelizmente, no passado, não conseguimos formar líderes negros. E é isso que, pragmaticamente, queremos resolver.

E o depois? Como vai ser dentro da empresa?
Todos os líderes da companhia tiveram treinamento para elevar o nível de consciência em relação a raça. Vamos continuar olhando se estamos tendo viés nas promoções futuras, salariais, de cargo e nos comitês de avaliação de desempenho.

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