Escritor Gabriel Ambrósio em entrevista ao Jet7 Angola

Jet7 Angola – Quem é o Gabriel Ambrósio?

R- Um jovem angolano, responsável e humilde, mas sem vergonha de ser ele mesmo, apesar de respeitar todos.

Do Jet7 Angola

Jet7 Angola – Quando é que começou a sentir interesse pela escrita?

R-O meu interesse pela escrita começou exatamente quando estudava no ensino médio no Soyo/ Zaire. Escrevia frases reflexivas, líricas e inquietações sobre as emoções socioculturais.

Jet7 Angola – Quas são os temas que o Gabriel gosta de abordar nos seus livros?

R- Os temas que mais abordos são sobre valores culturais, com cunho filosófico, antropológico, simbólico artístico e sociopolítico. E também reflito bastante sobre o nosso comportamento como jovens angolanos e africanos no geral.

Jet7 Angola – Muitos escritores e personalidades ligadas à cultura reclamam da falta de apoios do ministério da cultura. A literatura, ainda é o parente pobre das artes em Angola?

R-Bem, eu penso que o ministério da cultura não tem o controlo dos artistas, ou agentes que se envolvem com a cultura, principalmente aqueles que começam a literatura dentro e fora de Angola (poetas, dramáticos e escritores entre muitos). É preciso que se invista na divulgação da cultura angolana no exterior, não quero aqui dizer que, a cultura angolana não seja conhecida, mas tem um limite que o mundo conhece, por exemplo, conhecesse-se mais a música Kuduru, do que o semba… E mais, em termos literários me parece não termos muitos escritores dentro e fora de Angola, porque, inclusive eu, só tenho visto em algumas bibliotecas brasileiras os mesmos nomes ( Luandino Vieira, Pepetela, Uanhenga Xitu, Ondjaki, José Eduardo Agualusa,  José Mena Abrantes) e escritoras como Paula Tavares, Isabel Ferreira, como se existissem apenas esses escritores. Eu me lembro a quando ministrava os minicursos sobre literatura angolana, perguntava aos estudantes sobre os escritores angolanos e me respondiam que conheciam, apenas alguns desses nomes supracitados.

Jet7 Angola – Como olha para o papel da mulher angolana na literatura?

R-O papel da mulher na literatura é preponderante, mas nem sempre são vistas mulheres na literatura, o tradicionalismo patriarcal faz com que “muitos homens” não gostem de ver mulheres autoras da sua própria história. Isabel Ferreira em uma entrevista realizada no Brasil, dizia bem e criticava a posição “machista dos angolanos”, eu penso diferente, aliás, as mulheres devem se imponderar não só na literatura, mas em todas as esferas socioculturais e económico-políticas.

Jet7 Angola – Muitos escritores angolanos reclamam da falta de divulgação das suas obras por parte dos meios de comunicação; mas nota-se uma fraca presença dos escritores nas redes sociais, nomeadamente no Facebook. Não seria também eficaz que os escritores procurassem estar mais próximos dos leitores interagindo com eles nas redes sociais?

R- Bem, eu não conheço muito essa realidade, mas eu tenho a dizer em primeiro, que os serviços da internet em Angola são ainda muito caros; e muitos escritores talvez não tenham redes sociais como meios divulgação. Pois a realidade das redes sociais ou esses meios de comunicação são recentes, e nós temos alguns escritores do tempo em que não se vivia a nossa atual realidade. Eu conheço alguns escritores angolanos nas redes sociais, só que a maioria são jovens, essa é uma questão meio relativa até porque eu tenho vários amigos de Angola que conheço apenas no Facebook, e alguns não vivem em Angola, mas também escrevem também.

Jet7 Angola – Lançou recentemente o livro “Áfricas Ocultas”, na universidade Católica de Góias, no Brasil. Pode falar-nos um pouco sobre este livro e as razões que o motivaram a escrevê-lo?

R-O livro é um conjunto de várias experiências vividas em Angola, mas também há questões que descobri no Brasil, sobre o continente africano no geral e especificamente Angola. Áfricas Ocultas é tão plural, pois não fala apenas de “Áfricas”, mas também reflexos da realidade sócio histórica do mundo, nela, por exemplo, quando falo da Língua como instrumento da dominação, e a resistência do próprio povo angolano em não valorizar as línguas angolanas/ Africanas em detrimento das línguas europeias. Fala-se também do comportamento dos jovens e das jovens angolanos/as, que se desvirtuam pelo segmento cultural de povos ocidentais (Brasil, Estados Unidos) entre outros. A complexidade e um pouco da ignorância da nossa história angolana e africana, a luta da crença e não crença, a diferença entre cultos nativos e religiões de cunho colonial, ou seja, as religiões estrangeiras e mais atualmente as várias “igrejas e seitas”, o que se pode pensar sobre isso? A consciência cultural dos africanos e dos Angolanos em geral, o que se pensamos na Educação do século XXI, se há ou não investimentos o que faremos em educarmos, principalmente as novas gerações. A civilização pós-moderna e os valores angolanos ou africanas, como pensamos? Os grandes pensadores pan-africanas dentro e fora do continente, entre outros temas como o sentido da paz, no mundo ou em Angola em particular… E muito mais coisas sobre a pobreza espiritual ou económica?

R- As motivações são coletivas, primeiro o povo angolano e o africano, a descaracterização da história criada fora e dada pelos “historiadores eurocêntricos”, que nos deixaram sem entendimento. A importância das mulheres angolanas e africanas na história e na cultura é uma das partes que se encontra na obra. Penso eu, não podemos omitir-mos sobre o silenciamento das mulheres em Angola, em África e no mundo diaspórico em fim. Outra motivação é demonstrar ao mundo que nós jovens temos a capacidade de ajudar o nosso continente, os nossos sentimentos reflexivos e as nossas angustias devem ser ouvidas pelos nossos mais velhos e pelos anciões.  E também o gosto pela literatura como arte não só da escrita, mas também a oral. Aliás, tenho capitulo que foram inspiradas na oralidade dos Kotas, ou seja, o que me contaram nos “ kotas da banda”. E por último, as pesquisas e o meu envolvimento sobre africanidades e os vários enigmas que nos assolam, bem como o que nos foi escondido.

Jet7 Angola – Algumas pessoas consideram que em Angola escrevem-se mais livros de poesia do que outros géneros literário. Concorda com esta ideia?

R- Eu não posso afirmar sobre essa questão, pois ela é relativa e depende dos críticos literários que avaliam as mesmas obras. O que eu penso não é somente os gêneros literários, mas a arte da escrita em si, porque cada gênro literário traz consigo conteúdo em forma diversa. Então, o que nós temos de nos preocupar se a poesia dará contribuição a cultura, a reflexão sócio-política ou sóciohistórica. No meu caso particularmente, faço uma mistura de quase todos os gêneros entre a  poesia e a prosa.

Eu concordaria se talvez pensássemos na história da literatura angolana, em que a maioria dos escritores e escritoras começavam em textos poéticos, mas nós, não podemos esquecer o contexto em que áqueles que escreviam qual era a sua função. A literatura é como qualquer arte, ela se desenvolve de acordos os próprios contextos mundiais e de cada Nação.

Jet7 Angola – Em Angola é possível um escritor viver apenas da venda das suas obras?

R- Eu sou novo na praça, mas uma coisa tenho a certeza é que os/ as Angolanos/as não lêem quase nada, posso estar errado, mas a realidade angolana não me desmente. A diversão no país, é feita pela dança e música preferencialmente.  Mas deve ser díficil viver das vendas dos livros, e mais muitos começam a ler e desistem por simples facto de, por exemplo, encontrar alguma questão que não se simpatiza, isso é mais absurdo. Toda a leitura exigem paciência e tolerância. E digo mais, estou quase a vivenciar essa realidade “viver como escritor”. Não sei, é possível mesmo.

Jet7 Angola – Os angolanos não gostam de ler ou não existem condições favoráveis para que as pessoas desenvolvam hábitos de leitura?

R- Na resposta acima quase está essa questão, eu repito dizendo que, A diversão no país, é feita pela dança e música preferencialmente. Os meios de comunicação principalmente, a Televisão, Rádio e agora as redes sociais devem promover o hábito pela leitura, lembrei me de um artigo de opinião que eu tinha escrito, que falava justamente  “  Um convite: o  vício pela Leitura”, que penso que os jovens precisam escolher vícios benéficos e não somente as prejudiciais. O vício pela leitura em minha humilde opinião é benéfica.  As TPAs ou TV Zimbo, deviam fazer concurso de leituras nos seus programas e não simples diversão de dançarinos, músicos que nem falam de coisas para o povo pensar, apenas demonstração de que quer ser mais “ famoso/a”  que as outras pessoas. Eu só tenho a lamentar na questão da leitura em Angola, embora ainda, há esperança quando as instituições como editoras publicarem mais livros e com preços acessíveis, e o próprio Ministério da Cultura se involver ou criar projetos de incentivos nas escolas que “Clube de Leitores/as”, talvez até lá, as coisas melhorem…

Jet7 Angola – Ultimamente discute-se muito a questão do feminismo radical em África. Algumas mulheres são da opinião de que este tipo de feminismo não serve aos interesses das mulheres de países pobres, nomeadamente das mulheres negras. Como homem, qual é a sua opinião sobre o assunto?

R-  Primeiro gostaria dizer que, eu já conheço muitas mulheres  feministas( brancas e negras), e o feminismo é questionado, porque o movimento feminismo é extramente ocidental, e no princípio não tratava nada das mulheres negras, Bell Hooks é uma que escreveu essas afirmações que aqui reproduzo. E Segundo,  eu sou de opinião que as feministas  africanas deviam conhecer o modelo afrocêntrica que se denomina “ Mulherismo”, que se baseiam nas pensadoras africanas e diaspóricos. E terceiro  e último o feminismo deve existir para cutucar os homens, pois nem todos nós sabemos se eestamos reprduzindo o discurso machista, logo, a extrema importância do  movimento, e também não podemos ter medo das vozes que desde o passado sempre foram omissas e silenciadas, alías, é um assunto que falo no meu livro Áfricas Ocultas, não sou eespecialista, mas compartilho  e dabeto com mulheres ativas no movimento, principalmente (as negras). E uma outra opinião sobre as mulheres negras no movimento feminino, acredito que a nossa cultura teve influência ocidental, mas o tratamento das mulheres não é sempre o mesmo, pois Cheikh Anta Diop, um grande  intelectual do século XX, escreveu uma obra que na qual  problematiza a questão patriarcal e matriarcal, e ele chega a conclusão de que, no passado em África as mulheres tiveram posíções semelhantes aos homens. Mas isso no ocidente não assim não, por isso, as mulheres negras precisam contextualizar e pensar sobre a história das rainhas africanas e também as mulheres afro-descendentes nas Áméricas principalmente.

Jet7 Angola – África ainda é um continente demasiado machista?

R- Sim, a África é machista. Mas, é preciso compreender um pouco da história tradicional, e se por ventura perguntarmos nas próprias mulheres o que pensam sobre o machismo de alguns homens africanos. Álias, eu generalizei na resposta em dizer sim. Hoje as coisas estão mudando, porque nós homens também estamos pensando sobre a nossa forma de estar e de nos comportar perante as nossas rainhas “Mulheres”,  porém neste caso, é preciso policiamento de nossas acções quando estamos como elas. Esse assunto é meio polêmico, mas eu coloquei as minhas ideias sobre o assunto.

Jet7 Angola – Num mundo cada vez mais globalizado; é possível os africanos resgatarem os seus valores culturais e civilizacionais, sem que para isso tenham também que trazer para junto de si, valores do mundo ocidental?

R- Uma pergunta interessante, mas relativa também, porque nem todos os africanos têm a consciência de si, temos muitos que negam primeiro a sua identidade, negam o tom da sua pele, seu nariz, seu corpo em fim.  Hum, respeirando ainda… É possível sim, com o envolvimento não de nós jovens, mas também os líderes africanos. Com o apoio incondicional dos professores/as nos nossos países,  os escritores, os músicos, os artistas plásticos devem estar envolvidos nessa luta de resgate dos valores africanos. O povo africano devia  começar pelo resgate espiritual, como muitos jovens que escrevem no grupo “africanos de pensamento livre”, sempre tocamos na mesma tecla, a questão espiritual do africano. É outra temática fortemente colocada no meu livro, e inclusive para os não religiosos negros ou negras têm que saber questionar os movimentos ocidentais, reconheço que o próprio ocidente inspirou-se em muitas coisas nos valores civilizatórios africanos, mas infelizmente não deram crédito ou não referenciaram em nada. Théophile Obenga, Cheikh Anta Diop, Achille Mbembe, V . Mudimbe, Jacques Delphin, Munanga, Carlos Moore, Frantz Fanon,  Boubacar Keita, entre vários intelectuais africanos e diáspóricos tratam essa questão. Actualmente a nova geração africana que têm evidenciado e gasto as energias para esse tão sonhado resgate de valores civilizatórios africanos, e que existem, mas não muito conhecidos por africanos. É preciso questionarmos tudo que é do ocidente, bem como também devemos questionar os nossos próprios valores. Mas lutar pelo que é nosso é um direito enalienável. Somos resistentes e precisamos resistir mais e mais… Para o resgate temos que dar a relevância dos nossos e nossas rainhas e reis que dirigiam impérios e inventaram ciências, que o ocidente desenvolveu e escondeu as fontes africanas. A África é o berço civilizacional, é isso que os próprios africanos/as precisam saber.

Jet7 Angola – O que vai no seu coração?

R- O meu coração as vezes encontra o ódio da ignorância de nós próprios filhos da mãe África, e Angola especificamente que está sem muitos dos seus filhos e filhas.

Jet7 Angola – Que mensagem gostaria de deixar para a sociedade angolana?

R- Mensagem seria ; Preservemos os nossos valores no sentido geral, e que leiamos mais sobre a nossa literatura, a literatura africana e a mundial. Pois um país sem leitores/as não é país, é apenas um conjunto de homens e mulheres, crianças e adultos, dirigentes e seus dirigidos. Que diambolam “zungam” de um lado para outro, pois sem a cultura crítica e reflexíva , ou sem consciência de nós mesmos não vale nada.  E, não nos iludamos com as riquezas no subsolo, temos que saber explorar as mesmas, senão é mera ilusão de que “temos”.  Pensemos mais e menos fanatismo em tudo que vem de fora e desprezamos o interno, e aprendamos a criticar mais e elogiar menos, pois na crítica que detectamos as nossas falhas, e quem nos critica não significa nosso inimigo. Aos professores/as autoridade não autoritarismo, por isso concedamos a voz aos nossos alunos/ estudantes.  O Ministério da Educação deviam ser bons aliados com o do ministério da Cultura. Respeitemos as diferenças e vivamos a tolerância em todos os nossos relacionamentos quer sejam na política, na cultura, na educação etc.  Vou deixar uma frase que está no livro Áfricas Ocultas, “Não adianta conservar as nossas mentes, porque elas são como seres humanos, nascem, crescem e morrem ou desaparecem”. Gabriel Ambrósio

Perfil:

Nome Completo: Gabriel Ambrósio, como pseudônimo literáriode “Mavenda Nuni yÁfrika”
Data de Nascimento: 02 de Agosto de 1986
Nacionalidade: Angolana
Natural de: Tomboco/ Zaire
Estado Civil: Solteiro
Filhos: Ainda não tenho
Divertimento (s): Ouvindo músicas africanas, preferencialmente e leituras
Filme Favorito: Zeitgeist e A vida de David Gale
Músico Favorito: Teta Lando
Livro Favorito: Não livro favorito, pois são vários (Malcolm X, um dos que gosto).
Eu sou viciado em: Livros

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