À espera da geração de mulheres que não se importam com o que os homens querem

À espera da geração de mulheres que não se importam com o que os homens querem

A leitura do texto de Ruth Manus em seu blog do jornal O Estado de São Paulo na última quarta-feira (18/06) expôs as angústias de uma mulher em meio às transformações nos padrões de feminilidade das últimas gerações. A colunista em certa altura do texto relata como sua educação familiar priorizou suas conquistas nos campos públicos da sociedade, como educação e mercado de trabalho, em contrapartida aos papéis tradicionalmente vistos como femininos. Conta dos olhos de sua mãe que brilhavam mais com suas “notas 10” do que as receitas de bolos acertadas. E do orgulho dos pais com o curso na Sorbonne enquanto deixavam de lado o curso de corte e costura, a arte de preparar um arroz ou de rechear um lagarto. Ruth aprendeu a dirigir, aprendeu inglês, a gostar de esportes, construir um bom currículo e ganhar seu próprio dinheiro, assim como os meninos.

Texto de Michele Escoura.

Pertencente a esta nova geração de mulheres “criadas para ganhar o mundo”, a colunista destaca o desafio: estaríamos criando um mundo de mulheres que chegam à vida adulta seguras de si, porém sozinhas. Segundo ela, os novos voos alçados pelas mulheres nos estariam deixando alheias àquilo que os homens, em contrapartida, teriam aprendido sobre o que é a mulher ideal para desejarem. Neste imbróglio de transformações sobre a feminilidade, Ruth se vê parte de uma “incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem NÃO quer”. Afinal, em seus próprios termos, “quem foi educado para nos querer?”.

O grande mérito de seu texto é evidenciar que, afinal, décadas de intenso debate feminista não foram em vão. Enfim as mulheres estão conquistando novos e inesperados espaços. E é justo que mudanças nos tragam dúvidas e incertezas. Mas o angustiado relato de Ruth, entretanto, poderia colocar uma outra questão: por que, mesmo com todo o frescor de liberdade que nos está sendo ensinado pelas últimas gerações, ainda nos ensinam que devemos tanto nos preocupar em estar acompanhadas? Por que ser desejada por algum homem é tão necessário, ou, ainda, por que casar é ainda tão importante para as mulheres?

Durante alguns anos realizei pesquisas com crianças pequenas sobre os contornos de feminidade e certa vez ouvi de uma garota de cinco anos que ser Princesa, para ela, “era ter um príncipe, porque se não casar não é princesa, é solteira”, ao mesmo tempo em que me contava que sua mãe sempre dizia que “tem que casar, porque não tem como ser feliz sozinha”. Parece que Ruth também aprendeu isso.

Nas últimas décadas tomamos as ruas com nossos carros, tomamos os cargos de chefias e tomamos nossas cervejas em mesas sujas de botecos, para o horror de muitas bisavós. Mas quando nós, mulheres, vamos tomar a coragem para mudar também o que entendemos por “felicidade”? Quando deixaremos de ensinar às nossas meninas que elas só serão felizes e completas quando encontrarem o homem de suas vidas? Sim, Ruth, quando deixaremos de nos preocupar em sermos as mulheres que os homens querem? Conquistamos os bancos escolares, o mercado de trabalho e os assentos de aviões para rodarmos o mundo. Mas quando conquistaremos a independência de nossos corpos e desejos? Quando conquistaremos a liberdade de sermos o que quisermos independente da expectativa dos outros sobre nós mesmas?

Não vamos aqui duvidar do valor das relações e da importância de termos parcerias em nossas vidas. Mas questionemos, Ruth, essa obrigação de sermos sempre a princesa de alguém. Nós podemos alçar sonhos muito maiores do que aqueles que nos foram ensinados e, Ruth, não aceite essa conexão entre as ideias de “estar solteira” e culpa. Deixaram de nos ensinar a diferença entre alvejante e água sanitária, mas continuam nos ensinando que não ter um homem para dormir sobre o peito é, necessariamente, estar em falta.

Cara Ruth, compadeço com suas palavras e me reconheço na máxima de que “não vamos andar para trás”. Mas nosso primeiro próximo passo, talvez, seja reconhecer que liberdade para as mulheres é muito mais que pagar nossas contas. Liberdade é, inclusive, emancipar-se daquela velha e já batida ideia de que uma mulher só se completa com o amor verdadeiro e de que o sonho de todas nós deve ser um dia se vestir de noiva. Deixa disso, Ruth. Sejamos mais do que a sociedade espera da gente e comecemos retirando o “ser tudo o que um homem NÃO quer” do título de seu texto e de nossas preocupações.

Autora

Michele Escoura é antropóloga, pesquisadora do NUMAS – Núcleo de estudos sobre os marcadores sociais da diferença da USP e assessora da ONG Ação Educativa, onde realiza trabalhos sobre gênero e educação.

 

Fonte: Blogueiras Feministas

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