Estilista Negro

FONTEDo Catraca Livre
Foto: Juliana Knobel/ FFW

POR MUITO pouco -quatro meses de atraso na mensalidade- que Wilson Ranieri não abandonou os estudos de moda na Faculdade Santa Marcelina. Isso significa que ele não seria, nesta semana, o único estilista negro a apresentar suas criações na SPFW (São Paulo Fashion Week).

Professores e colegas se comoveram e fizeram uma “vaquinha” para ajudá-lo a saldar a dívida. “Estava disposto a desistir, não tinha a quem pedir ajuda.” Diante dos apelos, a direção da escola concordou que ele assinasse uma promissória facilitando o pagamento. “Naquela época, eu nem mesmo tinha clareza se queria fazer carreira na moda.”

Neste ano, pela primeira vez, a questão de raça entrou nos desfiles, após o Ministério Público pedir que uma cota de modelos fosse negra -fato que ganhou ainda mais repercussão com a informação, publicada ontem por Mônica Bergamo, de que Paulo Borges, diretor do SPFW, quis proibir as agências de modelos de falarem no assunto com a imprensa.

Se já é difícil para um negro ganhar espaço nas passarelas, mais difícil ainda é entrar no seleto grupo dos estilistas, devido a um funil educacional misturado com o preconceito crônico da sociedade brasileira. “Nunca me inspirei em um estilista negro pela simples razão de que não existia nenhum.”

Desde menino, Wilson desenhava roupas. Demorou muito até que imaginasse que essa habilidade seria uma profissão. No final do colegial, desenhou os modelos para os vestidos de formatura de algumas colegas. “Naquela época, estava indeciso sobre qual faculdade deveria escolher, mas estava propenso a estudar artes plásticas.”

Uma professora de história aconselhou-o a entrar num curso de moda. “Achei que não ia perder nada em pelo menos tentar.”

Filho de uma família com poucos recursos, Wilson sentiu o peso da mensalidade. “Eu não era pobre o suficiente para ter uma bolsa nem tinha dinheiro o suficiente para bancar os estudos.” Esse dilema acabou ajudando: foi obrigado a conseguir rapidamente algum estágio para assumir a mensalidade.

Mas, quando estava no terceiro ano, a situação apertou e veio o buraco em suas contas -e, aí, como estava indeciso sobre o futuro, pensou em desistir. Mas acabou tocado pela iniciativa dos colegas e professores.

Hesitante, entrou numa seleção de jovens talentos, conhecida como Hot Spot -uma espécie de incubadora de estilistas. Deu certo. Em pouco tempo, Wilson abriria um ateliê e criaria sua própria grife.

Vieram os clientes e o convite, em 2007, para mostrar suas roupas na São Paulo Fashion Week, que o projetou nacionalmente e deixou para trás os tempos em que tinha dificuldade de pagar a mensalidade escolar.

Wilson não se sente um ativista negro. Em seus desfiles, usa modelos negras como usa índias, albinas e japonesas, desde que valorizem suas criações. Acredita, porém, que, se jovens negros se inspirarem nele para abrir mais espaço nesse mercado de trabalho, já terá valido a pena.

PS – A dificuldade com que a SPFW tratou a questão dos negros, inclusive com a lei do silêncio, é esteticamente inversa às criações que desfilam na passarela -é preconceituosa, provinciana e incivilizada.

Eticamente, ficaram muito distantes das passarelas de Paris, Roma ou Nova York. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) algumas das criações de Ranieri.

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