Estudo diz que 86% dos mortos em ações policiais no RJ são negros, apesar de grupo representar 51,7% da população

Levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou os dados de sete estados brasileiros durante o ano de 2020. O trabalho também mostrou que o RJ é o estado que mais produziu mortes em ações e intervenções das polícias, com 1.245 registros no ano passado.

FONTEPor Raoni Alves, do G1
Moradores do Complexo do Alemão transportam corpos após operação policial, no Rio de Janeiro (Imagem de arquivo, maio de 2020) (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Com 1.245 óbitos, o Rio de Janeiro foi o estado que mais produziu mortes durante ações policiais no ano de 2020, entre os sete estados brasileiros analisados pela Rede de Observatórios da Segurança. Desse total, 86% das mortes foram de pessoas negras.

O número de negros mortos durante operações das policias no Rio de Janeiro chama atenção pela diferença em relação ao total da população negra no estado. Segundo o levantamento, apenas 51,7% da sociedade fluminense se declara negra.

Só na capital do estado, foram registradas 415 mortes em intervenções policiais, e 90% desses mortos foram de pessoas negras.

“Esses números do RJ se explicam muito por conta do comportamento da polícia. A gente tem um cenário que não tem paralelo com nenhum outro estado do país. A polícia do Rio mata muito”, comentou Pablo Nunes, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança.

Com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, o levantamento, batizado de “Pele alvo: a cor da violência policial”, será divulgado nesta terça-feira (14). O novo estudo fala de um racismo declarado, “que se pratica com a anuência de autoridades e a naturalização de boa parte da sociedade”.

86% dos mortos em ações policiais no RJ são negros — Foto: Arte G1

Na opinião de Pablo, a diferença entre a população negra (51,7%) e o número de negros mortos em operações das polícias (86%) no Rio se dá pela mentalidade do governo que comanda a política de segurança pública do estado. Pablo Nunes lembrou os casos de chacina, como no Salgueiro, em São Gonçalo, e no Jacarezinho, na Zona Norte da capital.

“Fora as chacinas, também temos os expedientes das troias, que estão sendo alvo de discussões e projetos de lei na Alerj para proibição dos mesmos. A Kathlen (jovem grávida morta no Lins durante operação policial) e tantas outras foram vítimas dessas operações”, comentou Pablo.

O estudo desenvolvido pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou dados de sete estados brasileiros: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão.

“Em todos os estados analisados, eles (negros) estão mais representados entre o total de pessoas mortas do que na população geral. Isso evidencia uma estrutura brasileira de reprodução do racismo e de certa aceitação dessas mortes por meio da sociedade”, acrescentou Pablo.

Principais números do estudo:

  • O RJ é o estado que mais produz mortes em ações e intervenções das polícias
  • O Rio de Janeiro teve 1.245 mortes em 2020 durante ações policiais
  • Esse é o terceiro maior registro de toda a série histórica da Rede de Observatórios da Segurança
  • Entre os mortos pela polícia, 86% são pessoas negras
  • A população negra no RJ representa 51,7% da população do estado
  • A capital carioca também é a que registrou o maior número total de mortes, com 415 registros
  • No município do Rio, 90% dos mortos em ações policiais são negros

Especialista avalia o trabalho do MP

Segundo o levantamento, o Rio de Janeiro é o estado que mais mata pessoas negras em ações policiais com 939 registros entre os 1.092 mortos que tiveram a cor/raça informada.

No entendimento do pesquisador Pablo Nunes, o racismo revelado pelo número de negros mortos em ações policiais também pode ser encontrado na atuação do Ministério Público. Segundo ele, falta investimento e vontade dos procuradores para investigar as mortes durante operações das polícias.

“O Ministério Público presta pouquíssima atenção para algo que deveria ser o principal sentido de suas atribuições. O que a gente vê é que há uma falta de vontade dos procuradores com o controle externo da polícia. Isso de maneira muito clara colabora para a manutenção desse estado de coisas”, comentou.

“Não estamos afirmando que todas essas mortes ocorrem sem conformidade com a lei, a gente sabe que a lei garante determinados momentos para que os policias atirem e se defendam de injustas agressões. Mas o que a gente tem visto é que muitas vezes as policias não cumprem esse requisito e acabam executando pessoas fora da lei”, disse Pablo.

Importância da Secretaria de Segurança Pública

Além de cobrar mais fiscalização das atividades policiais no Rio de Janeiro, o pesquisador da Rede de Observatórios também questionou o fim da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Em 2019, no início da gestão do atual governo – ainda sob o comando do ex-governador Wilson Wtzel – o Rio de janeiro passou a ter a Secretaria de Polícia Militar e a Secretaria de Polícia Civil no lugar da antiga pasta da segurança.

“O que a gente tinha com a Secretaria de Segurança Pública era uma instância de articulação e de controle dessas policias. O que temos visto hoje é que cada uma das policias tem perseguido metas próprias e objetivos próprios, sem nenhum diálogo ou participação de outra agência”, pontuou Pablo Nunes.

Racismo na pandemia

De acordo com a pesquisa, a cada quatro horas, uma pessoa negra é morta em ações policiais em seis dos sete estados monitorados pela Rede: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. O governo do Maranhão não informa a cor das vítimas da violência, o que para os pesquisadores é mais uma forma de racismo institucional.

Levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou os dados de sete estados brasileiros durante o ano de 2020 (Foto: Imagem retirada do site G1)

Para os especialistas, nem mesmo a crise sanitária mundial foi capaz de conter a letalidade policial nos estados avaliados pela pesquisa. Foram 2.653 mortes provocadas pela polícia com informação racial nos seis estados analisados pela Rede, onde 82,7% das mortes foram de pessoas negras.

Ao avaliar as capitais dos sete estados pesquisados, a Rede de Observatórios concluiu que todos os mortos pela polícia em Recife, Fortaleza e Salvador eram pessoas negras. Teresina e Rio de Janeiro chegaram perto dessa marca, registrando respectivamente 94% e 90% de negros mortos pelas polícias.

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