Eu estou preocupada

Estamos no meio de uma pandemia de transtornos mentais que para a maioria das pessoas não permite isolamento, tempo de descanso e cura

FONTEO Globo, por Ana Paula Lisboa
A escritora e ativista Ana Paula Lisboa (Foto: Ana Branco / Agência O Globo)

Quem diria que décadas de descaso, opressão, jornadas de trabalho exaustivas revezadas com o desemprego, negação de direitos básicos, insegurança alimentar, estresse, incentivo ao consumo de álcool e outras drogas e horas e horas de redes sociais com perfis de perfeição inalcançável criaria uma geração de pessoas com transtornos mentais? Quem diria?

Eu estou realmente preocupada com meus amigos. Eu estou realmente preocupada com a minha geração. Eu estou preocupada contigo. Eu me preocupo comigo também.

A gente sabe que não é só setembro o mês de se falar sobre a prevenção do suicídio, sobre a importância dos cuidados com a saúde mental, mas, quando vemos os números, tudo fica ainda mais alarmante.

Transtornos mentais atingem toda uma geração — Foto: Pexels

Segundo a OMS, em 2019 o suicídio foi a maior causa de morte no mundo, superando os homicídios e doenças como o câncer. O Brasil está em oitavo lugar na lista dos países com maiores índices e a Associação Brasileira de Psiquiatria tem uma estimativa de que 96,8% dos casos têm relação com transtornos mentais, sendo a depressão a maior causa.

Confesso que até fiquei na dúvida se os casos estão aumentando ou se estão sendo mais noticiados, mas a verdade é que aumentaram 43% na última década e, em 2019, a média no Brasil foi de 38 por dia.

Falar disso é tão delicado quanto não falar. Se os números chocam, quando os números recebem nome e rosto, apavoram. No Brasil, jovens negros do sexo masculino têm mais 45% de chances de cometerem suicídio que brancos da mesma faixa etária.

O suicídio entre a população negra já foi considerado atitude de coragem e resistência contra a escravização de seus corpos, mente e espírito. Por isso, o recorte de gênero, classe e raça é tão importante quando falamos de saúde mental, já que o racismo continua limitando o acesso dessas populações ao cuidado e à cura.

Depois da morte do influenciador baiano Rodrigo Amendoim, no último sábado, a também influenciadora Jojo Toddynho veio prontamente a público fazer um vídeo importante sobre saúde mental e sobre cuidados.

Jojo me lembrou bell hooks e sua escrita no livro que tem me ensinado tanto sobre sobrecarga: “Irmãs do Inhame — mulheres negras e autorrecuperação”, onde ela fala em como nos “acostumamos” com o estresse que muitas vezes vem do trabalho excessivo e do sistema opressor, e que é preciso saber parar e se cuidar.

“Saber quando parar é reconhecer o seu próprio valor. Se nós, mulheres negras, não aprendemos a valorizar nossos corpos, então não podemos responder totalmente quando nossos corpos estão sendo postos em perigo pelo estresse excessivo”.

Hoje me inscrevi na academia. A última vez que entrei numa academia foi há pelo menos dez anos. Senhoras e senhores, este é o meu estado mental, o de uma pessoa que se inscreve na academia.

Na minha inscrição, o personal trainer me perguntou qual era o meu objetivo e eu respondi que precisava suar pra colocar pra fora meus problemas e meus demônios. Eu sou do tipo que pensa tanto que às vezes até esquece que tem corpo.

Eu continuo preocupada porque não quero perder mais ninguém, porque estamos no meio de uma pandemia de transtornos mentais, que pra maioria das pessoas não permite isolamento, tempo de respiro, descanso e cura.

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