Ex-detenta que ganhou processo por parto com algemas fala pela primeira vez

Carta enviada por mãe de ex-detenta deu origem a processo judicial

Na reportagem “Maternidade Condenada”, a Pública mostrou, em primeira mão, o processo que condenou o Estado de São Paulo a pagar indenização a uma ex-detenta obrigada a dar à luz algemada pelos pés e pelas mãos em setembro de 2011.

Ainda cabe recurso mas a decisão deve ter desdobramentos, já que muitas mulheres sofreram a mesma violação de direitos como destaca o juiz na sentença: “(…) apurou-se que até a edição do decreto n. 57.783/2012 era usual o uso de algemas nas custodiadas durante o trabalho de parto” e que são “inegáveis, por outro lado, as sensações negativas de humilhação, aflição e desconforto, entre outras, a que foi submetida a autora diante da cruel, desumana e degradante manutenção de algemas durante seu trabalho de parto. São danos morais indenizáveis e guardam nexo com a ação estatal, de modo que avulta o dever de ressarcimento almejado”.

Leia aqui entrevista com a parturiente e sua mãe – autora de uma carta de 40 páginas denunciando as violações de direitos da filha que levou a Defensoria Pública de São Paulo a entrar com a ação. As duas pediram para não serem identificadas. Chamaremos a filha de Clara e a mãe de Maria. Entre uma resposta e outra, trechos da carta de Maria.

Clara, quantos anos você tem e o que aconteceu?

Eu tenho 22 anos, fui presa com 19 e levada para a Penitenciária de Franco da Rocha (SP). No dia 25 de setembro [de 2011] comecei a sentir as dores do parto, umas seis e meia, sete da manhã. Fui tomar banho, fiquei na enfermaria da cadeia, e fui de ambulância para o hospital. Chegando no hospital de Caieiras (SP), eles já me algemaram pelas mãos

Reprodução de carta de uma mãe de detenta que fez o parto algemada

Você chegou no hospital e eles já te algemaram as mãos?

Isso. Aí quando eu entrei, eles me deram aquela roupa de hospital, me mandaram deitar na maca e já me algemaram pelos pés.

E você passou todo o parto algemada pelos pés e pelas mãos?

Sim. Foi muito ruim. Eu estava sozinha. Tinha uma moça na cama do lado, pedi pra ela ligar para a minha mãe,. Minha mãe foi até o hospital, mas não liberaram a entrada dela. Tive minha filha de parto normal.

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Reprodução
Reprodução de carta de uma mãe de detenta que fez o parto algemada

 

 

 

 Maria, você escreveu a carta que deu origem ao processo. Como foi isso?

Eu fiquei três dias escrevendo uma carta de 40 páginas porque comecei a ler as leis e comparar com o que estava acontecendo com a gente e não batia. Minha filha foi presa com oito meses de gestação, porque se envolveu com um rapaz que mexia com droga e pagou um preço muito alto por isso. Mas algumas coisas iam contra as leis, os tratados internacionais, tudo. Eu não sou advogada mas sou mãe e estava muito indignada. Então mandei a carta pra todo mundo, presidente, governador, Defensoria Pública. Assim conheci o Patrick Cacicedo e o Bruno Shimizu, que me ajudaram com esse processo.

Você chegou a visitar ela na cadeia depois do parto?

Não me deixaram entrar no hospital quando ela teve o bebê. Uma assistente social me ligou pedindo pra levar comida porque eles só davam almoço e jantar, mas como ela estava amamentando tinha muita fome. Aí juntei dinheiro, arrumei a comida, levei e não me deixaram entrar. No COC era um pouco melhor, tinha mais conforto e comida. Lá ela ficou seis meses. Ela ter parido algemada foi meu limite. Essa carta virou um processo administrativo e a sentença concluiu que era uma prática mesmo. Eu tentei buscar as progressões dela, porque ela tinha uma criança pequena fora e um bebê lá dentro e eu não tenho marido, estava sozinha aqui fora. Mas eles deixaram ela até o último dia. Progressão é pra rico, não é pra pobre.

E como você se sente com essa primeira vitória?

Ainda cabe recurso, mas eu fico feliz. E só tenho a agradecer à Defensoria Pública. Quando ela foi presa, me passaram uma lista de coisas que eu precisava mandar pra ela, eu fui obrigada a mandar fazer uniforme da cadeia, eu que mandava papel higiênico e absorvente pra ela. Eu adoraria receber o dinheiro do papel higiênico de volta. E ouvir o juiz dizer pro Estado: “Vocês vão ter que devolver o dinheiro do papel higiênico”. Essa seria minha grande satisfação.

Fonte: Ultimo Segundo

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