Ex-recrutas mulheres processam FBI por ser ‘clube exclusivo para meninos’

Elas denunciam discriminação, assédio e racismo no centro de treinamento da agência

Por Adam Goldman, Do O Globo

Brasão do FBI
(Foto: Mark Wilson / Getty Images)

Dezesseis mulheres ex-recrutas doDepartamento de Investigação Federal (FBI, na sigla em inglês), estão processando a agência sob a alegação de que sua academia de treinamento funciona como “um clube exclusivo para meninos”. Além de discriminação de gênero , em alguns casos, elas também acusam a organização de racismo e de discriminar pessoas com deficiência, não possibilitando seu sucesso.

De acordo com o processo, no início de 2015, instrutores homens no centro de treinamento em Quantico, na Virginia, expuseram mulheres a um ambiente de trabalho hostil, assédio sexual e comentários inapropriados.

Uma mulher afirmou que um de seus treinadores se referia a uma colega negra como “cabeça de espaguete”, em referência às tranças que ela tinha no cabelo. O relato também afirma que os instrutores constantemente realizavam avanços sexuais em suas alunas.

A ação judicial é focada especialmente nos treinamentos técnicos que acontecem em Hogan’s Alley, cidade falsa da escola de treinamento, onde atores são contratados para interpretar terroristas e criminosos. Lá, alunos praticam realizar prisões perigosas, onde armas são usadas. Várias recrutas mulheres foram expulsas da academia nesta fase, mais rapidamente e com maior frequência do que os homens.

— A intenção real deste processo é mudar a cultura do FBI — disse David J. Shaffer, advogado que representa o grupo.

A ação cita nominalmente o ex-diretor do FBI James B. Comey, acusado por uma das ex-recrutas de ignorar suas queixas. O nome de Mark Morgan, indicado da Casa Branca para liderar o Serviço de Imigração e Controle Alfandegário, também consta nos autos. Morgan, na época um oficial sênior do FBI, era supervisor da academia e estava envolvido nas dispensas. Comey se recusou a falar sobre o assunto e Morgan não respondeu ao pedido de comentário.

Das 16 mulheres incluídas no processo, sete continuam a trabalhar no FBI. Algumas delas não utilizaram seus nomes completos por medo de retaliação. Elas pedem uma revisão do processo de treinamento, US$ 300.000 cada pelo estresse e mais instrutoras mulheres.

O Departamento Federal de Investigação disse que não iria comentar sobre o processo, mas declarou em comunicado que está “comprometido a criar um ambiente de trabalho onde todos os funcionários se sintam valorizados e respeitados”.

Números internos divulgados pelo FBI mostram que os esforços da organização para aumentar a presença feminina ganham força. A agência disse que o número de mulheres que se candidatam para entrar na organização aumentou para 36% neste ano, em comparação com 22% em 2017, ultrapassando o objetivo de 33% que o departamento havia estipulado para 2019.

O procurador-geral de Trump, William P. Barr, disse no mês passado que havia instruído o Departamento de Justiça a investigar as acusações de discriminação, incluindo alegações de que a academia do FBI havia forçado a saída de recrutas homens por não serem “suficientemente masculinos”.

O processo vem à público conforme o FBI, agência historicamente dominada por homens, tenta aumentar o número de oficiais mulheres. Em outubro de 2018, elas eram apenas um quinto dos 13.500 agentes. A representação feminina é ainda menor nos cargos mais altos.

No processo, a maior parte das mulheres reclama de uma série de aspectos do programa para o treinamento de agentes. O curso geralmente dura 20 semanas e envolve armas de fogo, material acadêmico, táticas defensivas e aulas de comportamento durante situações de risco.

Segundo a ação judicial, os instrutores que supervisionavam o treinamento, majoritariamente do gênero masculino, penalizavam e dispensavam recrutas mulheres em uma “taxa significante e desproporcionalmente maior que recrutas homens”. Eles também podiam refazer testes táticos, oportunidade negada às mulheres.

Quando elas tentavam defender suas decisões ou atitudes, os treinadores as repreendiam por falta de integridade e imaturidade emocional, afirmam os autos.

O grupo também acusa os treinadores de usar dois pesos e duas medidas quando homens tomavam atitudes similares. “Quando recrutas do gênero masculino fazem as mesmas coisas, são elogiados por sua ‘postura de comando'”, diz o processo.

Uma das acusadoras, Clare Coetzer, foi dispensada do treinamento em junho de 2018, após ser aprovada em todas as outras etapas obrigatórias. Durante a prática, ela levou quatro advertências e recebeu um comunicado que o FBI chama de “notificação de compatibilidade”, que coloca os recrutas em risco de expulsão do programa.

Entretanto, Coetzer disse que um instrutor revogou duas notificações recebidas por seus colegas homens. Ela disse que teve bons resultados nas outras provas, mas ainda assim foi dispensada do treinamento.

Erika Wesley, que trabalhou para o FBI por cinco anos, chegando a ser enviada para Bagdá antes de sair da agência em 2010, quando teve seu primeiro filho. Wesley ingressou na academia em 2018, buscando uma vaga como analista. Ela alega ter sido alvo de “comentários inaprópriados de teor sexual” por parte de seus instrutores — alguns deles, ela afirma, disseram que as mulheres precisam de tratamento anticoncepcional para controlar suas emoções.

Em 2015, quando Lauren Rose, que trabalha no escritório do FBI de Miami, queixou-se de práticas discriminatórias em um email enviado a Comey, ela foi repudiada. De acordo com o processo, Comey sugeriu que Rose utilizasse sua “dor” para refletir sobre pontos fortes e fracos.

O processo diz que Morgan estava envolvido na demissão de Rose da academia, em 2015, e que, na época, contestou o comportamento da mulher. Nos autos, Rose diz que tinha um “histórico exemplar de avaliações” antes de seu treinamento e posteriormente, já como funcionária do FBI.

Outros empregos dentro do FBI eram ocasionalmente oferecidas a recrutas femininas dispensadas do programa, mas elas eram “forçadas a aceitar cargos bastante inferiores aos correspondentes às experiências e rankings que possuiam”.

No ano passado, algumas das mulheres fizeram uma reclamação formal à Comissão para Oportunidades Iguais de Emprego, acusando o FBI de realizar práticas discriminatórias. Shaffer disse que suas clientes decidiram iniciar um processo após a agência ignorar a queixa.

— Eu pedi para conversar com o FBI duas vezes antes deste processo e o FBI não me respondeu — disse Shaffer. — Isso é muito incomum.

Em duas ações coletivas anteriores, Shaffer disse, o FBI foi responsivo.

As mulheres têm apoio do Fundo de Defesa Legal Time’s Up, que luta contra assédio no ambiente de trabalho e discriminação.

 

 

 

 

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