Ministra Nilcéa Freire, reitora da UERJ quando as cotas foram votadas lá

– Fonte: Em Dia com a Cidadania –

 

 Nilcéa Freire (Foto: Elza Fiuza/ABr)

  • Ministra, ninguém fala nisso, mas a senhora era reitora da UERJ, em 2000, quando as cotas foram votadas lá, na Conferência Nacional Contra a Intolerância e o Racismo. Hoje, quase 10 anos depois, como a senhora vê a questão, que virou uma polêmica?

É claro que tenho enorme satisfação em presenciar a disseminação do sistema de cotas por cerca de 60 universidades públicas, em menos de uma década. Somente nos últimos cinco anos mais de 10 mil jovens – que de outra forma jamais estariam na universidade – foram beneficiados. Estão diplomados e iniciando uma ascensão escolar, profissional e social que lhes era interditada. Obviamente, tenho muito orgulho de que a minha universidade – a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – tenha sido pioneira na implantação do sistema de cotas, durante o período em que fui reitora.

  • A senhora concorda que as cotas devam ser só para negros e afrodescendentes, ou que deveriam contemplar a população mais pobre, independente da cor do aluno?

Eu entendo que a adoção de critérios raciais associados a critérios sociais traz um equilíbrio bastante razoável, especialmente se não tivermos sobreposição de uma reserva sobre a outra. Mas uma questão que acho central na discussão sobre cotas é que o Estado deve prover os recursos necessários para a manutenção e permanência desses estudantes na universidade.

 

  • E as cotas, quais sejam, não deveriam ser temporárias, uma ação afirmativa, até que a União ofereça uma Educação decente na rede pública, como já foi, um dia?

Toda ação afirmativa é baseada num cenário de desvantagens históricas de um segmento da sociedade cuja resultante – a desigualdade de gênero, raça, social, etc. – se quer reduzir ou eliminar. Sabemos, por exemplo, que vem caindo de forma consistente a desigualdade salarial entre homens e mulheres, a cada nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Porém, se projetarmos os dados da Pnad para o futuro, veremos que levaríamos 87 anos para superarmos essa desigualdade salarial entre homens e mulheres, no Brasil. Em resumo, é fundamental acelerar a redução dessas desigualdades, que uma vez erradicadas tornarão desnecessárias as ações afirmativas.

  • Há um grupo de antropólogos Demétrio Magnoli e Yvone Maggi, especialmente) que insiste que as cotas estào racializando um problema e dividindo o país em raças. O que a senhora acha disso? Já, hoje, n’O Globo, o jornalista Elio Gaspari prova que o mito de que as cotas desvalorizariam as nossas universidades, não procede.

O primeiro ingresso de estudantes cotistas na UERJ foi em 2003. Existia naquele momento uma enorme expectativa quanto ao que iria acontecer nos primeiros dias de aula. Suposições eram feitas na linha do conflito racial provocado pelas cotas. O que se viu para nossa alegria foi uma semana de calouros preparada com muito cuidado pelos veteranos para acolher os novos colegas. O que constatamos em unidades acadêmicas como a Fac. De medicina, aonde fui pessoalmente assistir à aula inaugural, foi o brilho nos olhos daqueles jovens que chegavam aonde seus pais não puderam chegar. Estes alunos, os cotistas, aportaram às suas unidades acadêmicas e à seus colegas, saberes e experiências que estavam à margem daquele ambiente e que faziam falta à formação. Falar que a diversidade agrega valor ao processo pedagógico não é uma abstração! Os dados de evasão e desempenho de nossos alunos estão aí para serem examinados e para derrubarem os mitos que se tenta construir.

  • O TJ do Rio cassou as cotas e elas foram reabilitadas este ano, devendo ser proibidas no vestibular do ano que vem. Um retrocesso?

Não há dúvida de que, confirmada a decisão para o ano que vem, estaremos diante de um gigantesco retrocesso. E o pior de tudo é que será um recuo artificial, contra todos os êxitos obtidos pela experiência até aqui. Na contramão da disseminação dessa experiência por todo o país, justamente naquele estado e naquela universidade que liderou esse processo, orgulhosamente.

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