Existe alguma possibilidade da população negra e pobre paulistana não ser a principal vítima fatal do Covid-19?

FONTEPor Fabiana Luz, enviado para o Portal Geledés 
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Nas últimas semanas temos visto uma série de debates e reflexões acerca dos dados de contaminação e óbitos, em decorrência do Covid-19, da população negra dos Estados Unidos. No Brasil, país extremamente racializado, e no qual a população negra além de ser a maioria (56%, de acordo com dados do IBGE) é também, a que mais sofre com a negação dos direitos, não se verifica notícias e discussões que incorporam a dimensão racial, como um elemento estrutural, para a compreensão dos casos de Covid-19.

 

Não há abordagens, pelos mais conhecidos meio de comunicação (jornais e programas de televisão), sobre a alta probalidade, de mulheres negras e homens negros, se tornarem as principais vítimas fatais do vírus também em nosso país. 

Nesse momento, começam a surgir algumas reportagens e apontamentos acerca do aumento de óbitos na periferia, entretanto, não há referências sobre um fato importante: a periferia de São Paulo é o local de moradia da população pobre, mas também e especialmente da população negra. 

Faixa de renda e porcentagem de residentes negros (as) por Prefeitura Regional

Portanto, a negação do direito à cidade é demarcada pela renda, mas também pela raça/cor. Para ilustrar essa questão podemos refletir sobre o acesso aos hospitais públicos em São Paulo. Dentre os 53 hospitais, estaduais e municipais, que existem na cidade, apenas 28% estão localizados nos territórios nos quais mais de 40% da população é negra. Na prefeitura regional de Cidade Ademar, onde 52,1% das (dos) residentes são negras e negros, não há nenhum hospital público.

A ausência de equipamentos de saúde, bem como a precariedade e densidade habitacional, atrelada a ausência de estabilidade financeira dos e das chefes de família das regiões com maior percentual de negros e negras, nos leva a uma indagação: Existe alguma possibilidade da população negra e pobre paulistana não ser a principal vítima fatal do Covid-19? 

Antes de apresentar dados que nos ajude a refletir sobre essa questão. É necessário ressaltar que:

  • A população negra não constitui, de acordo com o IBGE, a maioria dos habitantes da cidade de São Paulo, em 2010, 37% se autodeclarava como pretos e pardos (negros). Mas apesar disso, pode se tornar o grupo mais atingido pelo Covid-19 na cidade.
  • Alguns dados já demonstram uma maior letalidade do vírus nas regiões periféricas, onde há maior concentração de pobres e negros, ou seja, não existe um equilíbrio entre número de contaminados e número de mortos.
  • Por fim, não há, até o momento, uma divulgação transparente, pelo Poder Público, das informações sobre raça/cor das pessoas que faleceram em decorrência do Covid-19.

Entretanto, apesar da ausência desses dados, é possível, a partir da análise territorial, refletir sobre como, negras e negros, moradores da periferia, estão sendo atingidos pela pandemia do Coronavírus.

No dia 13 de Abril, a Prefeitura divulgou dados de óbitos (confirmados e suspeitos) por Covid-19, desagregados para as 32 prefeituras regionais. Naquele momento, dentre as 16 regiões com mais de 40 óbitos, cinco possuíam uma alta concentração de moradores negros: Itaquera (60 óbitos), Frequesia do Ó/Brasilândia (55 óbitos), Capela do Socorro (42 óbitos), São Mateus (41 óbitos) e São Miguel (40 óbitos).

No dia 17 de Abril, a Prefeitura atualizou os dados e disponibilizou, para a imprensa, um mapa com o número de óbitos (confirmados e suspeitos) por Covid-19, desagregado por distritos administrativos, que são uma subdivisão interna das prefeituras regionais, atualmente há 96 distritos na cidade.

Nessa atualização foi possível constatar que, em quatros dias, houve um aumento de 60% do número de óbitos, passamos de 1.201 casos para 1.919.

Esse aumento, como demonstra o mapa abaixo, ocorreu principalmente nas regiões onde há uma grande presença da população negra. Assim, entre as 16 prefeituras regionais, cujo aumento do número de óbitos foi igual ou superior a 60%, onze (o que representa cerca de 70%) são territórios nos quais mais de 40% dos residentes são negros e negras.

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do Censo 2010 e de informações disponibilizadas pela PMSP.

 

Os dados demonstram uma tendência, em crescimento contínuo, de aumento de vítimas fatais por Covid-19, nas regiões periféricas e nas quais a maioria dos moradores são negros e negras.

Portanto, é necessário e urgente refletir seriamente sobre a dimensão racial da contaminaçao e dos óbitos pelo vírus. É fundamental que tenhamos acesso a informações transparentes e contínuas, sobre quem são e em quais territórios residem as principais vítimas dessa pandemia.

É a partir dessas informações que o Poder Público deve agir, com o objetivo de garantir o direito à vida da população negra, pobre e periférica e preta. Só assim, será possível reverter e/ou mitigar o trágico quadro que se anuncia, no qual essa população figura como a principal vítima fatal do Covid-19.

 

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** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.
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