Exposição ‘Histórias Mestiças’ é inaugurada

 O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão, em 1888. O País recebeu nada menos que 40% dos africanos trazidos à força para a região. Foram 3,8 milhões de vítimas do tráfico negreiro, mais do que os 2,5 milhões dos colonizadores portugueses estabelecidos na colônia no século 16, dos quais só 10% eram mulheres. O resultado foi a criação de um Brasil africanizado – e miscigenado. Por falta de mulheres, os colonizadores violentaram escravas negras e ameríndias, gerando descendentes mestiços e estigmatizados. A arte africana não teve melhor sorte por aqui. Muito menos a arte dos índios. A exposição Histórias Mestiças, que será aberta nesta sexta-feira, 15, no Instituto Tomie Ohtake, busca corrigir essa distorção, ao mostrar como essas manifestações – tanto a dos africanos como a dos aborígines – marcam o imaginário artístico brasileiro.

Com curadoria do crítico Adriano Pedrosa e da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, a exposição, segundo seus organizadores, não veio, porém, para explicar, mas para “friccionar”. Histórias coloniais, justifica a antropóloga, “são sempre histórias mestiças, híbridas”. Mas a mostra não dá trégua para uma história em que o nativo é sempre tratado como “portador de uma ?falta? fundamental” e o africano é invariavelmente descrito como “ingovernável”, como observa Lilia Schwarcz.

No mundo contemporâneo, que vê ressurgir teorias racistas, a mostra é uma provocação, admite o curador Adriano Pedrosa. “A própria noção de mestiçagem, definida como o cruzamento de raças e culturas, pode transformar-se numa perigosa ideologia, ao nomear todos os indivíduos como mestiços, apagando diferenças e mascarando, assim, preconceitos de raça, sobretudo no Brasil”, argumenta, lembrando que a exposição – uma soma de objetos de diferentes origens – deriva de outra mostra, Ficciones, que organizou com o crítico Ivo Mesquita mo Museu Nacional Reina Sofia, em Madri, em 1999.

Ficciones, no entanto, era um projeto embrionário sobre o labirinto (antropológico, sociológico) latino. “Esta é uma exposição mais focada no Brasil, em que avançamos além do resgate dos ritos canibais dos tupinambás por Oswald de Andrade.” No novo manifesto antropofágico de Adriano Pedrosa e Lilia Schwarcz, a dupla propõe devorar histórias africanas e ameríndias, seguindo a tendência de descolonização da arte contemporânea, que coloca em segundo plano a narrativa eurocêntrica na arte para incorporar histórias marginais, mestiças.

Assim, já na primeira das sete salas da exposição, o visitante vai encontrar um novo mapa em que a América do Norte não aparece ligada à América do Sul, mas ao continente africano, na versão do artista contemporâneo afro-americano Hank Willis Thomas, de 38 anos, ao lado de uma escultura do baiano Emanoel Araújo, que retrata um navio negreiro, e um mapa com o castelo da Mina em Gana, primeira fortificação portuguesa na África. A “fricção” continua na segunda sala da mostra, em que o esboço da tela A Negra (1923), da modernista Tarsila do Amaral, convive com uma máscara africana, o desenho de um velho escravo de Lasar Segall e as representações fantasiosas do primeiro homem americano e de uma mameluca pelo holandês Albert Eckhout (1610-1666).

A exemplo desses dois últimos retratos, pertencentes ao Museu Nacional da Dinamarca, há obras na exposição provenientes de instituições estrangeiras raramente vistas por aqui. E também brasileiras. O Museu Imperial cedeu um retrato da princesa Isabel que, na mostra, teve de se resignar a ficar a alguns centímetros do chão, bem abaixo de uma série de fotos de escravos – uma pequena perversidade do curador Pedrosa. Entre as raridades estão duas pinturas de negras por Volpi e Iberê Camargo. Domina a sala o autorretrato da contemporânea Adriana Varejão, em que a artista pintou o rosto com grafismos indígenas.

Outro contemporâneo selecionado pelos curadores é o performer mineiro Paulo Nazareth, ex-faxineiro, guardador de carro e muambeiro. Mestiço, ele levou índios para a sua sala na Bienal de Veneza (2013) que relatavam para os visitantes a violência sofrida por suas etnias, tema desenvolvido na terceira sala pela fotógrafa Claudia Andujar, ao retratar ianomâmis com números no pescoço (da série Marcados), que remetem às vítimas do nazismo.

“A porta da exposição mostra que nossas histórias mestiças são violentas, marcadas antes pela discriminação do que pela harmonia”, diz Lilia Schwarcz, questionando a nossa “democracia racial”, em que “a possibilidade de inclusão é exclusão”. Apontando para uma gravura do francês Debret, que traz o sofisticado grafismo indígena, ela conclui que um dos grandes desafios da mostra é justamente provocar o público a deixar de lado conceitos consagrados – o construtivismo como herança europeia, por exemplo – para abraçar a arte mestiça. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Dgabc

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