Exposição sobre Sueli Carneiro no Itaú Cultural retrata luta contra racismo

Mostra traz memórias e textos sobre as diversas fases e faces da intelectual, além de poemas e depoimentos em sua homenagem

FONTEPor Djamila Ribeiro, da Folha de S.Paulo
Djamila Ribeiro. (Foto: DIVULGAÇÃO/MAARTEN VAN HAAFF)

Nesse último domingo, pelo fim da manhã, fui à avenida Paulista. Queria passear, visitar as feirinhas, sentir o aroma dos incensos. Antes de tudo isso, quis começar pelo número 149 da avenida, no Itaú Cultural, para a visita à exposição sobre a vida de uma mulher que merece todas as celebrações. Estou falando da “Ocupação Sueli Carneiro”.

A exposição vai até o próximo dia 31, e quem, como eu, gosta de passear pela avenida Paulista aos finais de semana, tem mais dois motivos para conferir —a entrada é gratuita e os aprendizados são inestimáveis.

Representações positivas de mulheres negras são de valor tão necessário e belo que é difícil descrever. Quem vai à exposição enxerga um grande exemplo de bom caminho desbravado, mas mais do que isso. Enxerga a história sendo feita. Isso porque, para além da representação positiva, há justiça ancestral em todas as homenagens feitas a Sueli Carneiro, uma mulher criadora de ferramentais que empoderam a comunidade descendente de povos africanos escravizados no Brasil.

O Núcleo de Comunicação e Relacionamento da Enciclopédia Itaú Cultural e a jornalista e escritora Bianca Santana são cocuradores. Bianca também lançou neste ano a biografia sobre Sueli Carneiro, “Continuo Preta: A Vida de Sueli Carneiro“, repleta de pesquisa, memórias históricas e afeto. O livro saiu pela Companhia das Letras.

Baba Diba de Iyemonja assina a consultoria religiosa. Já Isabel Xavier, com assistência de Danilo Arantes, criou o projeto expográfico.

Foto: André Seiti

Além de um ótimo começo de passeio pela Paulista, a “Ocupação Sueli Carneiro” também pode ser visitada online. A ocupação virtual traz memórias e textos sobre as diversas fases e faces de Sueli Carneiro. Depoimentos especiais de seus companheiros e companheiras de sua gloriosa caminhada se somam a poemas, registros históricos e artigos em sua homenagem. Assinam textos na ocupação
virtual Jurema Werneck, griô do movimento de mulheres negras, Mara Viveiros Vigoya, da Universidade Nacional da Colômbia, Thula Pires, professora de direito na PUC-Rio, entre outras.

Com muita honra, assinei um dos textos dessa ocupação virtual, em que escrevo sobre minha relação com Sueli, em especial conto sobre minha ida ousada à sua casa para pedir as bênçãos para criar o Selo Sueli Carneiro, iniciativa editorial voltada à publicação de pessoas negras, em especial mulheres.

No texto, conto um pouco mais da história. Encontrei Sueli na companhia de sua filha, Luanda Carneiro Jacoel, e o encontro foi um sucesso. Luanda assina um belíssimo texto na exposição virtual e está também na mostra. Além de tudo, Sueli é uma mãe amorosa e amada. O livro que inaugurou o selo foi “Escritos de uma Vida”, da própria Sueli.

A obra reúne textos da pensadora ao longo do tempo, traçando uma linha histórica de lutas do movimento feminista negro, como a criminalização do racismo na Constituição de 1988, a defesa de ações afirmativas, a luta contra a representação estereotipada da população negra nas novelas, contra a discriminação no mercado de trabalho, entre muitas outras.

A história de Sueli é uma lupa na trajetória do povo negro brasileiro e latino-americano. Ela participou de momentos históricos e plantou raízes que cresceram fundo. Como uma das fundadoras da organização Geledés – Instituto da Mulher Negra, presidente dessa instituição por anos, bem como conselheira em diversas instituições, a pensadora desenvolve um trabalho que possibilita novos sonhos.

Conforme escrevi no texto da ocupação virtual: “Tenho certeza de que, nesta justa homenagem feita pelo Itaú Cultural, contribuições de Sueli Carneiro para o país são exaltadas e, ainda assim, falta espaço para tudo o que ela conquistou. A guerra, nos anos 1980, no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo merece alguns capítulos à parte. Quem sabe um filme? Volto àqueles tempos em que eu era apenas uma jovem de 20 anos e via Sueli de longe. Assistia aos seminários anteriores e posteriores à Conferência de Durban, em 2001, na qual o movimento de mulheres negras brasileiras deu um show, movendo as bases do debate racial numa perspectiva global. Na tradição de Lélia Gonzalez, feministas negras brasileiras já mostraram estar alguns passos à frente no debate, posto que é preciso muita sofisticação para erguer a espada em um país que nega o racismo, sob o mito da democracia racial, e tranca oportunidades para mais da metade da população. Minha geração, que bebeu dessa fonte pioneira, teve todas as condições de entrar com tudo na guerra narrativa, de compartilhar a rota desbravada e seguir adiante”.

Beneficiadas, inspiradas e reverentes em honrar seus passos, muitas seguem firmes na luta com fé sob as bênçãos de Ogum, cuja dileta filha recebeu uma linda homenagem nesta exposição. Viva Sueli Carneiro!​

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