Falar de aborto como questão de saúde é falar de democracia

O acesso seguro ao aborto é a verdadeira política pró-vida

FONTEFolha de São Paulo, por Thiago Amparo
Thiago Amparo (Foto: Arquivo Pessoal)

“A mulher pobre fica cutucando seu útero com agulha de crochê, tomando chá de qualquer coisa. Enquanto isso, a madame pode fazer aborto em Paris, ela pode ir para Berlim, encontrar uma boa clínica e fazer um aborto“, disse Lula ao defender a legalização do aborto nesta terça (5). Nos idos de 1998, ele se dizia contrário ao aborto e até ao casamento LGBT. Mudou de posição, felizmente.

Não é a primeira vez que Lula tem uma fala pró-aborto: em 2021, em entrevista ao rapper Mano Brown em seu podcast, Lula defendeu ser pessoalmente contra aborto, mas a favor, enquanto chefe de Estado, do aborto como “direito da mulher” e “política pública”. Em 2009, como presidente, defendeu o mesmo.

Retórica é uma coisa, política pública é outra: Lula e Dilma, na Presidência, foram ambivalentes na retórica e omissos em intentar mudar a política pública sobre o tema. Engana-se quem pensa que o flerte de Lula com o aborto seja ir longe demais –pensar assim implica naturalizar a política nacional, ditada por homens (85% no Congresso).

Falar de aborto como questão de saúde é falar de democracia, aquela que vai além dos umbigos dos homens. A tentativa hoje de Lula parece ser a busca de uma forma menos divisiva de tratar de um dos temas mais divisivos da política nacional: foco na desigualdade, na violência e na saúde pública. À direita, o debate fica empobrecido entre pró-vida, de um lado, e pró-morte, de outro.

Primeiro, foco na desigualdade. Criminalizar aborto mata mulheres negras (5 óbitos por aborto inseguro a cada 100 mil nascidos vivos; entre brancas são 3) e pobres (índice vai para 8,5 óbitos). Segundo, foco na violência. O aborto legal em caso de estupro é defendido por 87% dos brasileiros; apenas 16% dos evangélicos são a favor de proibição total do aborto. Terceiro, foco na saúde pública. Acesso seguro a aborto é a verdadeira política pró-vida: sua disponibilidade no sistema de saúde protege mães da morte por aborto inseguro e tende até a diminuir o número total de abortos realizados.

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