Favelados do Rio, uni-vos, propõe Marielle Franco, vereadora eleita do PSOL

FONTEDo Brasil247
(Foto: Valter Lima)

O ano de 2017 será de grandes lutas para os movimentos sociais, principalmente para aqueles que atuam com foco nas favelas de nossa cidade. Na Câmara dos Vereadorxs do Rio, por exemplo, estão em tramitação dois Projetos de Lei (PL) polêmicos de autoria do vereador Célio Lupparelli (DEM). O primeiro deles, PL 1452/2015, publicado em 01/09/2015, cria a modalidade denominada “Turismo em Favela na Cidade do Rio de Janeiro”. O segundo é o PL 1599/2015, publicado em 05/11/2015 – que já conta com parecer pela sua constitucionalidade, cria “Áreas de Especial Interesse Turístico na Cidade do Rio de Janeiro”, que contemplaria 21 favelas. A pergunta que não quer calar: Houve participação e debate popular sobre o assunto? O que esperar do turismo na favela?

Essas iniciativas previstas na Câmara são complementares, mas é importante uma análise sobre seu conteúdo. De acordo com o autor das propostas, as “Áreas de Especial Interesse Turístico (AEIT) que, na prática, submeteria estas localidades a um regime específico de urbanização, além de regularização da atividade turística”. Ora, percebe-se que a regularização da atividade turística está restrita a uma série de intenções e generalidades, como verificamos no Art. 2° – “ I – criação de roteiros históricos, culturais, gastronômicos e ecológicos, reunindo os principais ativos turísticos locais;”. Quem vive na favela sabe que os roteiros históricos, a cultura e a gastronomia não necessitam ser consumidos, mas sim partilhados. Na favela, mérito é sinônimo de partilha. O resgate histórico é essencial para o fortalecimento de sua identidade local, porque a sua existência é inspiradora. Cada favela é um lugar com um conjunto de afetos e ancestralidades construídas. Isso é cultura, e não mercadoria.

A favela precisa da gastronomia para ter o que comer, e não para oferecer o que comer.
Já sobre o tal “regime específico de urbanização”, não há uma única citação no PL que remeta a um projeto de urbanização, nem na justificativa da proposta. Talvez, como sugere a jornalista Berenice Seara, o PL tenha seu maior motivador os interesses do FMI (Fundo Monetário Internacional), que na figura de sua presidente, Christine Lagarde, fez a seguinte declaração ao utilizar o teleférico do Complexo do Alemão: “me senti numa estação de esqui”. Ou seja, trata-se de um “regime específico de elitização”, só falta nevar.

O assunto é sério e extremamente complexo, pois há uma parte da população que trabalha nos setores citados e que precisa ser ouvida. A proposta deve ser esgotada no seu entendimento, para que a população possa dimensionar as consequências destas possíveis mudanças. Ainda mais tendo em vista a atual situação em que grande parte da população favelada se encontra após a estagnação das intervenções urbanísticas destinadas às Áreas de Especial Interesse Social. Vale lembra que não há nada pós PAC Favelas e Morar Carioca, uma queixa recorrente dos moradores das favelas do Rio de Janeiro.

Como se já não bastasse todo o conteúdo duvidoso dessas propostas, a Secretaria Especial de Turismo foi extinta. Em seu lugar, Crivella criou o Conselho de Políticas de Turismo, composto pelos empresários Ricardo Amaral, conhecido como o “Rei da Noite Carioca”; José Bonifácio, o Boni dispensa apresentações; Roberto Medina, aquele do Rock in Rio; e Paulo Manoel Protasio, empresário do ramo do comércio. Enfim, todos grandes conhecedores das demandas das favelas por conta de suas experiências. Papo furado, né?

Outra questão a ser debatida são os critérios para a escolha destas 21 favelas. É de conhecimento geral o histórico caráter provisório e precário que esse tipo de projeto é pensado e executado nas favelas. Quando começam a ser ampliados, sem o devido diálogo com a população, tendem a não responder as expectativas.

Esses projetos de lei convidam os moradores de favelas a outras reflexões. Somos 30% da população carioca, porque apenas 21 favelas serão reconhecidas como Áreas de Especial Interesse Turístico? Será a implementação dos méritos pessoais e individuais que deixam de lado as experiências coletivas dos favelados? Querem pregar divisão para que os favelados tomem como prática o velho ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”? Será uma pavimentação ao empreendedorismo nas favelas para criar castas sociais, no espírito “vamos dividi-los para dominá-los”? Outra coisa perturbadora, até quando a favela vai ser encarada como o lugar exótico que precisa ser explorada por forasteiros?

Os interesses que vêm de fora da favela são evidentes, mas alguém se disponibilizou a perguntar quais seriam os interesses daqueles que estão dentro da favela? Não cabe mais acessar meia dúzia de pessoas e achar que está dando conta da complexidade que é uma favela. Ainda mais com a emergência de coletivos e grupos que produzem ações e tecnologias que incidem de maneira prática na vida da favela e de seus habitantes.

Temos uma pauta importante nesse assunto que vai atravessar a estagnação dos projetos urbanísticos para as nossas favelas, a situação atual das moradias em risco, do aluguel social, dos museus de favela e das culturas oprimidas na e da favela. A favela e os favelados do século XXI não podem e não devem mais ser vistos da mesma maneira que há 20 anos atrás. É condição sine qua non que os gestores e gestoras públicos sejam sensíveis a essa situação. Aos grupos, instituições, empreendedores, moradores e moradoras das favelas do Rio de Janeiro, é preciso estar atentos, unidos e fortes.

Favela é cidade.

*Marielle Franco é socióloga, mestra em Administração Pública, cria da Maré e recém eleita vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo PSOL.

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