Favelas vão à luta: Maré faz vaquinha e Paraisópolis cria área para isolar infectados

Ao todo, R$ 34 mil já foram arrecadados na Maré, para comprar cestas básicas, botijões de gás e galões de água mineral

FONTEPor Flavio Freire e David Barbosa, do O Globo
Ruas movimentadas da comunidade de Paraisópolis, em SP Foto: Agência O Globo

Numa iniciativa para tentar frear a disseminação do novo coronavírus em Paraisópolis, líderes comunitários que atuam numa das maiores favelas de São Paulo decidiram reservar duas escolas públicas para acolher pessoas que estejam com sintomas leves da doença e que preferem ficar isoladas a ter que dividir a casa com outros parentes, muitos deles idosos. Por meio de doações, estão sendo preparadas cerca de 500 vagas, com camas, chuveiros e produtos de higiene pessoal, além de equipamentos para atender os pacientes.

Os locais não terão atendimento ambulatorial. Como a favela tem mais de cem mil pessoas vivendo em cerca de de 21 mil domicílios, associações locais já preveem a necessidade de aproveitar outras escolas para dar conta de uma demanda que pode crescer nas próximas semanas.

— A ideia é que as pessoas com sintomas tenham um local seguro, com atendimento, e principalmente sem o risco de contaminar seus parentes dentro de casa — diz Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.

Empresas estão ajudando a montar as instalações dando camas, colchões, material de cozinha, máscaras, alimentos e outros produtos. Para conseguir uma vaga, o paciente terá de passar por um exame na Unidade Básica de Saúde (UBS) da comunidade.

No Complexo da Maré, no Rio, a Frente de Mobilização também está agindo sem o apoio de autoridades. Foram lançadas duas “vaquinhas” para comprar cestas básicas, botijões de gás e galões de água mineral, que serão doados aos moradores. Ao todo, R$ 34 mil já foram arrecadados. A jornalista Gizele Martins, que faz parte do movimento, conta que uma outra campanha visa ao compartilhamento de água entre vizinhos.

— Nas mensagens que divulgamos trabalhamos muito a questão da solidariedade. Pedimos para aqueles que têm água que dividam com os vizinhos que não têm— diz Gizele. — Desde a semana passada, quando confirmaram o primeiro óbito na Maré, as pessoas vêm sentindo mais medo de estar nas ruas.

O isolamento social tem sido uma das medidas a curto prazo apontadas por especialistas para conter o avanço da doença em comunidades carentes. Professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Eliseu Waldman ressalta a importância de transferir moradores de favelas que estão infectados para locais mais reservados.

— Iniciativas como a da prefeitura do Rio, que disponibilizou vagas em hotéis para idosos, devem ser ampliadas para toda a população que pertence ao grupo de risco. Alguém que apresenta uma manifestação leve da doença e que, por isso, não pode ser internado, tampouco deve ficar na comunidade para cumprir a quarentena, já que os espaços apertados e a grande densidade de pessoas favorecem a transmissão do vírus — explica Waldman.

Casas mais ventiladas

Para Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio, as comunidades precisam suspender eventos. Ela ressalta ainda a necessidade de melhorar a circulação de ar nas casas:

— Infelizmente, problemas crônicos não serão milagrosamente solucionados agora. Nem todos os moradores têm janelas, mas os que as tiverem devem mantê-las abertas, assim como as portas. O que não pode é manter a rotina que se tinha antes, saindo para fazer visitas, participando de festas. Os líderes comunitários são essenciais para essa conscientização.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Sérgio Magalhães aponta outra iniciativa que não pode ficar para depois: a ampliação do abastecimento de água potável. O urbanista diz que, com as torneiras secas, a prevenção ao novo coronavírus se torna muito mais difícil.

— Neste momento, o mínimo que se pode fazer é disponibilizar água para que as pessoas, pelo menos, consigam lavar as mãos. As máscaras também precisam ser lavadas, caso contrário, perdem a eficácia. Mas tem água para isso? — questiona Magalhães.

Embora ressalte a necessidade de medidas emergenciais, ele ressalta que somente ações de longo prazo podem sanar os problemas de saúde pública nas favelas:

— Os danos da desigualdade são brutais. Somente mediante a universalização do saneamento básico e a ampliação de políticas públicas para construção e financiamento de casas populares em condições dignas de salubridade é que se pode, de fato, dar uma saída para esse problema. E isso é ação de longo prazo. A pandemia é muito grave, mas pode ser que traga consciência para a sociedade como um todo: é preciso olhar com mais humanidade e oferecer condições de vida melhores para essa população.

Em nota, a Secretaria estadual de Saúde informou que está montando tendas nas áreas externas de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) localizadas perto de favelas para agilizar a triagem de pacientes com sintomas da Covid-19.

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