Texto de Ava Vidal. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘Intersectional feminism’. What the hell is it? (And why you should care) no site do jornal inglês The Telegraph em 15/01/2014.
Atualmente, dizem que o movimento feminista corre o risco de perder fôlego, a menos que reconheça que nem toda feminista é branca, classe média, cisgênera e sem deficiências. Ava Vidal dá pistas sobre a intersecionalidade, que tem sido a palavra polêmica e controversa do momento.
Intersecionalidade é um termo cunhado pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw em 1989. O conceito já existia, mas ela deu um nome a ele. A definição segundo seu livro é:
A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia.
Em outras palavras, certos grupos de mulheres têm que lidar com múltiplas facetas na vida, que possuem diferentes camadas. Não há um tipo de feminismo tamanho único. Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida cotidiana.
Mesmo com o conceito de intersecionalidade rondando o femininsmo há décadas, parece que ele só foi incluído no debate majoritário no ano passado ou alguns anos atrás. E, ainda assim, muitas pessoas estão confusas com o seu significado ou o que ele representa.
Não ajuda em nada que, nos últimos meses, as mensagens difundidas sobre o feminismo intersecional tenham sido um pouco confusas. No último programa “Hora da Mulher de 2013” da BBC Radio 4, a feminista negra Reni Eddo-Lodge foi convidada para debater como foi o ano do feminismo. Ela começou a falar sobre intersecionalidade e racismo estrutural, mas foi seguida por Caroline Criado Perez, que escolheu aquele momento para falar sobre insultos que ela havia recebido na internet vindos de pessoas que a atacaram sob o pretexto, segundo ela afirmou, da intersecionalidade.
Eu preciso avisar que Eddo-Lodge não foi responsável por nenhum dos insultos que ela recebeu, mas a conversa descarrilou e a oportunidade que ela teve de falar sobre o assunto para uma grande audiência, num programa popular de rádio, foi perdida.
Caroline Criado Perez, posteriormente, se desculpou.
Independentemente disso, o que realmente importa aqui é: as pessoas estão interessadas em saber o que é intersecionalidade e como isso as afeta? Estou ansiosa para redirecionar essa conversa de volta ao tema da intersecionalidade no feminismo e o que isso realmente significa.
Para mim, o conceito é muito simples. Como feminista negra, eu não desculpo Chris Brown por agredir fisicamente sua (então) namorada Rihanna, mas sou contra que alguém o descreva como um ‘preto s****o’ , do mesmo modo que uma mulher branca fez comigo. Isso não significa que eu apoio a violência doméstica, como ela, então, me acusou de fazer. Isso significa que eu, como a maioria das mulheres negras, não suporto o racismo.
A principal coisa que a ‘intersecionalidade’ está tentando fazer, eu diria, é evidenciar que o feminismo, que é excessivamente branco, classe média, cisgênero e capacitista, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas facetas e camadas presentes em suas vidas.
Roqayah Chamseddine é uma feminista e escritora que explica isso melhor, dizendo: “O feminismo branco é extremamente reticente e se recusa a reconhecer os obstáculos que as mulheres não-brancas enfrentam sistematicamente, já que elas não são visíveis. Nossas vozes precisam ser ampliadas porque o feminismo branco nos trata como um troféu e usurpa nossas vozes.”
Então, até que o movimento feminista majoritário comece a ouvir os diferentes grupos de mulheres dentro dele, ele vai continuar a estagnar e não será capaz de seguir em frente. O único resultado disso é que o movimento torna-se fragmentado e continuará a ser menos eficaz.
Racismo no feminismo
Sempre que o tema do racismo é levantado no feminismo, não é diferente de quando esse tema é proposto em qualquer outro espaço de debate. Os discursos banais habituais são usados e a acusação de “dividir o movimento” é muitas vezes atirada ao redor.
A frase “verifique seus privilégios” que geralmente acompanha muitas discussões sobre intersecionalidade, é um exemplo. No Twitter, no início de janeiro, houve uma hashtag iniciada por uma feminista branca: #ReivindicandoIntersecionalidadeEm2014; que levou muitas feministas negras a questionarem como ela pretendia recuperar algo que nunca tinha sido dela em primeiro lugar.
Mas isso prova que o conceito realmente tornou-se popular, agora que há o risco de ser apropriado.
Há a crença equivocada de que o único “privilégio” que você pode ter se refere à cor da pele. Este não é o caso. Você pode ser privilegiado por causa de sua classe social, formação educacional, religiosa, ou pelo fato de que você tem capacidades mentais e físicas ou é cisgênero. Um monte de mulheres negras podem e têm privilégios também.
Um usuário do Twitter disse: “O fato de que um importante conceito feminista foi… empurrado para dentro das discussões majoritárias irrita as feministas brancas que se recusam a reconhecer que elas se beneficiam de um sistema patriarcal, supremacista, heteronormativo e branco.”
Veja esta citação da famosa feminista negra e mulherista Alice Walker, que disse: “Parte do problema com as feministas ocidentais, eu acho, é que elas se comparam com seus irmãos e seus pais. E isso é um problema real.”
Eu lembro de uma discussão que tive com uma senhora muçulmana que me disse: “Eu odeio o feminismo. Não há necessidade para isso existir e eu não quero ter que carregar caixas pesadas só porque vocês, mulheres, querem lutar para serem iguais aos homens.”
O quê?! Eu tive que enumerar algumas coisas para ela. Primeiro de tudo, o feminismo não é sobre ter o direito de carregar caixas pesadas. E, como uma mulher negra que mede 1,80m de altura, posso assegurar-lhe que ser vista como fraca fisicamente não foi um problema que eu tive que enfrentar na minha vida adulta. Na verdade, nas poucas ocasiões em que pedi ajuda a homens por causa de um objeto pesado, eles riram de mim e disseram coisas como: “Vamos lá, amor! Não finja que você não consegue lidar com isso. Uma moça robusta como você!”
Enquanto conversávamos, ficou evidente que o problema dela era com o feminismo majoritário. Ou seja, o feminismo que é esmagadoramente branco, classe média, cisgênero e capacitista. Quando vozes são marginalizadas dentro de um movimento, até o ponto em que há mulheres que nem sequer pensam que o feminismo é para elas, o único resultado disso é que o movimento está enfraquecido e cada vez menos eficaz. Por exemplo, tenho ouvido as feministas tradicionais que estão tentando proibir o véu apesar da resistência de mulheres muçulmanas, afirmam que elas não sabem o se passa em suas próprias mentes, e querer usar o véu é o resultado óbvio dessa doutrinação.
Então, o que podemos aprender com tudo isso? Como vimos, em discussões acaloradas numa rádio no final do ano passado, é fácil nos atolarmos em palavras e em discussões no estilo ele-disse-ela-disse, o que isso significa e o que aquilo significa.
Intersecionalidade ainda é um termo relativamente novo para as massas — mas, sua mensagem é algo com o qual certamente qualquer feminista pode estabelecer uma relação ao começar a ouvir e incluir diferentes grupos de mulheres, suas múltiplas facetas e experiências de vida nos debates em geral e respeitá-las.
Autora
Ava Vidal é uma divertida comediante britânica de stand-up. Desde que foi uma das finalistas do BBC New Comedy Awards sua presença na televisão é constante. Ava se tornou mãe aos 18 anos e passou cinco anos trabalhando como guarda de prisão em Pentonville. Ela escreve de maneira prazerosa sobre cultura toda semana no site Wonder Women. Twitter: @thetwerkinggirl.
Foto: Jezebel
Fonte: Blogueiras Feministas