Filosofia: para que serve?

No dia 26/04, Bolsonaro tornou pública, por mensagem no Twitter, a opinião de que não considera a Filosofia útil para a sociedade. Mas para que serve a Filosofia?

Por Marcos Martins via Facebook 

 Marcos Martins (Reprodução/Facebook)

Discutir a utilidade da filosofia é recorrente a quem é da área, pois se depara a todo momento com esse tipo de indagação. E as respostas, normalmente, começam com uma nova pergunta: o que se entende por utilidade?

A considerar como útil o que serve para alguma coisa, algumas coisas mais importantes da vida são inúteis. Pense na amizade: a riqueza desse tipo de relação reside no fato de que ela não serve para nada, porque se servir para alguma coisa, deixou de ser amizade porquanto se tornou algo útil. E aquele que me é útil pode ser qualquer coisa, menos meu amigo de verdade. Então, só é amizade verdadeira quando é inútil.

Todavia, não parece ser esse o espírito da fala do Presidente. Supõe-se que o que ele pretendeu dizer é que a Filosofia não é útil porque não tem aplicabilidade prática imediata, ou seja, ela não passa pelo crivo do pragmatismo. Sendo assim, não merece ser financiada por recursos públicos e os cursos de Filosofia, então, devem ser fechados ou não contarem mais com o dinheiro do contribuinte.

Considerando esse entendimento da Filosofia, é preciso dizer que, realmente, ela não tem aplicabilidade prática porque não é ciência aplicada. A propósito, filosofia não é ciência. Embora ambas tenham identidades, pois são racionais (baseadas na razão e não na fé, por exemplo), radicais (vão à raiz dos problemas) e rigorosas (têm métodos bem definidos), as ciências produzem conhecimento sobre objetos específicos (História: tempo; Física: movimento; Química: transformação das substâncias), enquanto a filosofia não tem um objeto, porque é uma reflexão global sobre os problemas humanos e, inclusive, investe-se da condição de consciência crítica das ciências.

Se Filosofia não é ciência, menos ainda é ciência aplicada. Se é que se pode diferenciar as ciências entre puras (básicas) ou aplicadas, as primeiras procuram compreender os “porquês” dos fenômenos e as outras detém-se em resolver problemas, em responder “como” fazer algo. As ciências aplicadas, sobretudo, desenvolvem-se como um processo de produção do conhecimento, que visa a gerar algo como um produto, um equipamento, um instrumento qualquer, enfim, tecnologias (aplicação do conhecimento no cotidiano). A filosofia, diversamente, se processa como reflexão, de modo que seu produto é reflexivo e, assim, se identifica com a formação humana.

E para que serve a referida “formação humana”? Para formar pessoas críticas (que não se deixam levar pelas aparências das coisas) e com senso ético (consciência da própria ação), aptas à civilidade e não à barbárie. Na educação escolar, a Filosofia procura ensinar o sujeito a expressar-se, a pensar-se e a pensar sobre os problemas da existência no mundo, com racionalidade, radicalidade, rigorosidade e amplitude. Observe que a Constituição põe como finalidade da educação nacional três objetivos básicos: “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205). As ciências, puras e aplicadas, não são suficientes para alcançar esses objetivos, porque eles dependem de processos reflexivos e, assim, a Filosofia se torna necessária na educação básica e no ensino superior.

Além disso, a Filosofia também é a consciência das ciências. As grandes revoluções científicas (e também as sociopolíticas e religiosas) da humanidade foram precedidas, estimuladas e consolidadas por reflexões filosóficas. As teorias científicas encontram fundamento na filosofia, bem como são questionadas, em larga medida, com argumentos filosóficos. Isso sem contar a contribuição da Filosofia para algumas áreas específicas, por exemplo: a) Direito: impossível exercitá-lo e mesmo formar pessoas para essa área, cujo objeto é o bem, sem a Filosofia; b) Economia: ampara-se em teorias cujo fundamento se encontra na Filosofia; c) Administração: como formar gestores sem as teorias da administração, que se sustentam em discussões e proposições filosóficas?
Em relação à fala de Bolsonaro sobre Filosofia, cabe lhe responder que seria producente gastar menos tempo no Twitter e mais na leitura filosófica… bem como na gestão do País.

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins
Graduado em Filosofia, docente da UFSCar campus Sorocaba e pesquisador do CNPq (marcosfranciscomartins@gmail.com)

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