Fórum preconceito racismo

O evento será transmitido em tempo real pelo portal da UNICAMP

29 e 30 de Outubro de 2015

No Unicamp 

Sobre o evento

Vivemos em uma sociedade permeada por problemas essencialmente coletivos, de ordem política, econômica, cultural, social. Problemas geradores de desigualdades que, por sua vez, contribuem para a manutenção dos problemas.

Uma sociedade que se constitui fundada na igualdade no plano do discurso e na desigualdade de fato.

Desigualdades principalmente por etnia, inserção social, gênero. Desigualdades escamoteadas por preconceitos, que cumprem a perversa função ideológica de justificar e legitimar a exclusão da maioria absoluta das pessoas e isentar de responsabilidades todos os demais, assim como as instâncias de poder.

Ideologia que se infiltra na vida cotidiana e constroi e cristaliza uma concepção reducionista de sujeito e de mundo, fazendo crer que se pode ter acesso ao todo conhecendo apenas uma de suas partes, transformando uma característica – geralmente menos relevante – na própria essência do sujeito, em sua totalidade.

Reducionismo, determinismo genético e preconceitos articulam-se para tentar fazer desaparecer as barreiras artificialmente impostas ao desenvolvimento da maioria das pessoas, inclusive denominando-as minorias para fortalecer a hierarquia a ser introjetada.

Assim, um homem de pele de cor negra é tornado apenas e irremediavelmente UM NEGRO. Desaparece todo o contexto, sua história de vida, suas emoções e sofrimentos, suas potencialidades, suas utopias, seus desejos, desaparece tudo, para restar apenas UM NEGRO. Uma pessoa reduzida à tonalidade de sua epiderme, a porção mais superficial e limítrofe de seu corpo, que mede no máximo 1 a 2 míseros milímetros de espessura.

“A diferenciação ‘racial’ na espécie humana tem, na verdade, apenas a profundidade da pele.”
Lewontin, Rose e Kamin. Not in our genes,1984

Essa articulação ideológica entre reducionismo, determinismo genético e preconceito costuma se apresentar como se fora cientificamente embasada, por meio de arautos que apregoam a inferioridade – especialmente intelectual – das pessoas que têm a pele de cor negra, das pessoas que são do sexo feminino, das pessoas que ainda são crianças ou adolescentes, das pessoas que moram no nordeste, das pessoas que…

Às vezes, olhar para o passado pode ajudar a limpar as lentes embaçadas por nossas defesas.

Em 1851, o Dr. Samuel Cartwright, respeitado médico estadunidense, professor de medicina na Universidade de Louisianna, descreveu uma nova doença mental: drapetomania (drapeto + mania) que provoca vontade incontrolável de correr para longe, sem motivo e sem destino; segundo ele, essa doença afetava “somente pessoas negras e era muito comum nas Américas”. O autor havia visitado o Brasil em suas andanças pelo mundo onde havia negros (leia-se: pessoas de pele de cor negra escravizadas), coletando material para suas descrições de doenças que afetariam essas pessoas, apresentadas em seu livro “Diseases and Peculiarities of the Negro Race” (Doenças e Peculiaridades da Raça Negra). Essa é uma das expressões mais precoces, no campo da medicina moderna, da medicalização das diferenças e das desigualdades.

O racismo está alicerçado no terreno da intolerância com “o diferente”, afrontando o fato de que “o diferente” não existe; existem “diferenças” entre dois seres. Marcar alguém como “diferente” revela muito de quem marca, como alguém incapaz de se perceber na alteridade e de reconhecer o outro como uma pessoa igual a si. Essa intolerância constitui um dos elementos fundantes do fascismo.

Porém, o racismo leva a intolerância a um grau extremo, de negação da condição humana de uma pessoa cuja pele seja de cor negra.

O racismo nunca sumiu; apenas, pode ter se tornado mais envergonhado. Porém, nos últimos tempos vem recrudescendo, mostrando todo o ódio que o alimenta.

A vida cotidiana vem sendo perpassada por atitudes e ações microfascistas de toda ordem e os atos racistas se inscrevem nesse contexto, nele se alimentando e retroalimentando-o. Hoje. vivenciamos a sensação de ter sido destampado o pote de ódio.

As pessoas com pele de cor negra sempre sofreram e continuam sofrendo discriminações e agressões, em todos os campos. Saúde, justiça, educação, mundo do trabalho, nas ruas, e agora também nas redes sociais. Entretanto, é certo que algumas a sofrem ainda mais, como as mulheres com pele de cor negra.

Se as manifestações da cultura africana sempre foram discriminadas, proibidas e até perseguidas pela polícia – caso da capoeira e das religiões africanas, um racismo despudorado surge acoplado à intolerância religiosa, com agressões violentas, muitas vezes letais, contra religiões de matriz africana e seus seguidores.

Na segunda metade do século 20, a genética derrubou de vez toda tentativa de alicerçar o racismo em terreno científico; esse avanço pode ser sintetizado na frase de Richard Lewontin (geneticista evolucionista), Steven Rose (neurobiólogo) e Leon J. Kamin (psicólogo), em seu livro “Not in our genes”, publicado em 1984:

“Qualquer uso de categorias raciais deve tomar suas justificações de outra fonte que não a biologia.”

A revista Nature, um dos mais prestigiados periódicos científicos, em sua edição de 01 de janeiro de 1987, publicou o artigo “Mitochondrial DNA and human evolution”, de Rebecca Cann, Mark Stoneking e Allan Wilson, da University of California, que revolucionou a genética evolucionista e, podemos dizer que foi um “presente” de ano novo para os que lutam contra toda forma de racismo, discriminação e opressão. Os pesquisadores comprovaram que todos os seres humanos descendem de uma única linhagem materna e que todos nós somos filhos de uma única mulher, batizada como Eva Mitocondrial, pelos cientistas Rebecca Cann, Mark Stoneking e Allan Wilson que a encontraram, e que viveu há aproximadamente 200.000 anos na África. Eva Mitocondrial, de quem todos descendemos, era africana.

Mas isso já era sabido por Manoel Quirino, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, que travou uma luta ferrenha contra Nina Rodrigues, o temido catedrático de Medicina Legal da instituição. Manoel inspirou a composição de Pedro Archanjo, personagem do livro “Tenda dos milagres”, de Jorge Amado.

Um século depois de Manoel Quirino, a ciência prova que ele e Pedro Archanjo tinham razão: somos todos africanos, em maior ou menor intensidade genética, mas todos africanos. Somos todos mestiços, todos temos sangue negro, branco, indígena, em proporções diferentes, mas sempre todos mestiços!

Somos todos diferentes um do outro, somos, cada um de nós, sujeitos singulares – constituídos coletivamente sim ¬-, mas únicos e diferentes entre todos. As diferenças não são problemas; ao contrário, são o que há de mais rico na humanidade, são as soluções.
Porém, há de distinguir diferenças de desigualdades.

Diferenças devem ser respeitadas, valorizadas, acolhidas, atendidas em suas necessidades e especificidades. Lembremos um ponto fundamental: reconhecer diferenças só é possível entre iguais. Reconhecer diferenças me identifica com “o outro”.

Em contraste, no terreno da desigualdade, não há possibilidade de identificação, pois nele “o outro” é deformado.

As desigualdades devem ser radical e intransigentemente combatidas.

O racismo deve ser radical e intransigentemente combatido.

Este combate é de todos nós .

Programação

29 de Outubro (quinta-feira)
8h30 – 9h00 Credenciamento
9h00 – 9h30 “Navio Negreiro” – Poema de Castro Alves
“Canto das Três Raças”
  • Renato Braz – cantor, violonista e percussionista brasileiro
9h30 – 10h00 Mesa de Abertura
  • Rachel Meneguello – Pró-Reitora de Pós-Graduação – Unicamp
  • Roberto Teixeira Mendes – Diretor Associado da Faculdade de Ciências Médicas – FCM Unicamp
  • Julio Hadler – Coordenador do PENSES – UNICAMP
  • Sinvaldo Firmo – Presidente da Comissão da Verdade da Escravidão de São Paulo da OAB-SP
  • Maria Aparecida Moysés Affonso – FCM e (RE)PENSE/PENSES – UNICAMP
  • Cristiane Gargantini – Núcleo Caminhos da Vida
  • Célia Zenaide da Silva – Coordenadora do GT Relações Raciais – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Subsede de Campinas
  • Rogério Giannini – SINPSI – Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo
  • Rosângela Villar – Despatologiza – Movimento pela Despatologização da Vida
10h00 – 12h00  Conferência – “Este é um país racista que oculta a sua história – Memória e resistência”
  • Roseli de Oliveira – Mestre em Ciências Sociais e Especialista em Saúde Pública – SP
  • Maria Aparecida Moysés – FCM, Repense/UNICAMP e Despatologiza (coordenação)
12h00 – 14h00 Almoço
14h00 – 16h00 Roda de Conversa: “Racismo na justiça, no trabalho, na rua”
  • Maria Sylvia de Oliveira – Geledés – Instituto da Mulher Negra
  • Ramatis Jacino – USP
  • Antonio Cesar Marques da Silva – ONG Se essa rua fosse minha – RJ
  • Rogério Giannini – SINPSI (coordenação)
16h00 – 16h15 Café
16h15 – 17h30 Conferência: “A Capoeira Angola e as lutas antirracistas em contextos interculturais”
  • Rosangela “Janja” Araújo – UFBA
  • Ângela Soligo – FE/UNICAMP (coordenação)
17h30 Roda de Capoeira
  • Mestre Tarzan – Campinas
30 de Outubro (sexta-feira)
9h00 – 10h15 Conferência: “Racismo na academia”
  • José Jorge de Carvalho – UnB; MEC
  • Juliana Garrido – Despatologiza (coordenação)
10h15 – 10h30 Café
10h30 – 12h30 Roda de Conversa: “Racismo na saúde, na educação, nas redes sociais”
  • Jurema Werneck – ONG Criola
  • Rosana Batista Monteiro – UFSCar Sorocaba; ETNS/UFSCar; LEAFRO/UFRRJ
  • Cristiane Damacena Gonçalves de Oliveira – Jornalista e “social media”.
  • Rosângela Villar – Despatologiza (coordenação)
12h30 – 14h30 Almoço
14h30 – 15h45 Conferência – “Racismo e os microfascismos cotidianos”
  • Emerson Merhy – UFRJ
  • Cecília Collares – FE, Repense/UNICAMP e Despatologiza (coordenação)
15h45 – 16h00 Café
16h00 – 17h15 Conferência: ” O racismo e a intolerância religiosa”
  • Cristiane Gargantini – Dirigente Espiritual do Núcleo Caminhos da Vida
  • Maria Aparecida Moysés – FCM, Repense/UNICAMP e Despatologiza (coordenação)
17h15 Cortejo dos orixás
  • Ilú Obá De Min – SP

Durante os dois dias do Fórum, haverá a exibição das fotos do Projeto “Ah branco dá um tempo!”, de Lorena Cirino Santos, estudante da UnB .

 

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