Futuro da filantropia é a descentralização de recursos

É hora de o investimento social privado e filantrópico revisar métodos

FONTEPerifaConnection, por Raull Santiago, Marcelle Decothé e Gelson Henrique
Perifa Connection/Divulgação

Imagine um mundo onde organizações, movimentos e coletivos que promovam impacto social em seus territórios e campos não disputem entre si recursos para sobreviver.

Esse mundo, distante de nossos olhos e realidades, é a chave de transformação que a Iniciativa Pipa quer se debruçar.

Não é novidade a constatação de que organizações, coletivos e movimentos de base favelada e periférica realizam um trabalho urgente e que têm impacto social, político e econômico direto em suas comunidades e territórios no Brasil.

No entanto, a visibilidade dos desafios que esses grupos têm no acesso ao investimento social privado no país — que opera a partir de desigualdades estruturais de raça, gênero e classe — é algo que nos impulsiona.

Área de exposição dos empreendedores na Expo Favela, que aconteceu no fim de semana da Páscoa em SP – Marcelo Pereira – 18.abr.2022/Secom Prefeitura de São Paulo

A Pipa é uma iniciativa pensada para ajudar a democratizar o acesso ao investimento social privado no Brasil. Queremos ser uma ponte efetiva de conexão entre financiadores e coletivos, movimentos e organizações de base favelada e periférica, produzindo diagnósticos, ferramentas e ações para fazer com que esses recursos cheguem às favelas e às periferias brasileiras.

A Pipa começou a ser construída em 2019, quando quatro ativistas periféricos do Rio de Janeiro, que trabalhavam para organizações, coletivos e movimentos de favela, identificaram a necessidade de incidir sobre esse campo coletivamente.

Nos últimos anos, o Brasil vem enfrentando momentos turbulentos: além de ser um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19, estamos lidando com uma grave crise política e econômica que afeta, sobretudo, as pessoas negras e indígenas, que vivem nas nossas favelas, periferias, nas aldeias, nos quilombos, nos assentamentos e nas regiões ribeirinhas.

Fomos nós, coletivos, organizações e movimentos periféricos do Brasil, que lideramos a linha de frente para garantir que nosso povo tivesse condições mínimas de sobrevivência.

Em 2021, uma pesquisa preliminar conduzida pela Pipa mostrou que 90% das organizações dos coletivos, movimentos e organizações de base favelada e periférica enfrentam barreiras para acessar financiamento e um terço gere menos de R$ 5 mil ao ano.

Esse é um retrato que evidencia a precariedade e o sentido de urgência que perpassam a atuação dos coletivos, movimentos e organizações periféricas, os mesmos que contribuem para que ocorram pequenas revoluções cotidianamente em suas comunidades e territórios.

Dado esse cenário, a Iniciativa Pipa articulou uma carta aberta à filantropia brasileira com assinatura de mais de 30 organizações de todo o Brasil, para evidenciar a urgência de repensar a agenda filantrópica e privada no país, tendo as periferias como eixo central para a transformação da realidade brasileira.

Se fomos nós que garantimos que as favelas e periferias pudessem comer e se proteger durante a pandemia, imaginem o impacto político, econômico e social que conseguiremos construir se recebermos recursos sustentáveis, flexíveis e de longo prazo, para além do momento pandêmico.

Acreditamos que é a hora de o investimento social privado e as organizações filantrópicas revisarem suas metodologias e escopos de atuação, desburocratizando os métodos de financiamento, aprofundando as relações de confiança com coletivos, organizações e movimentos favelados e periféricos e fazendo os recursos chegarem na ponta.

Não foi pouco o que criamos. Não esperamos as condições perfeitas para começar a agir. Mas queremos e podemos mais. Sabemos o que pode ser feito quando o dinheiro chega e fazemos juntos quando isso acontece. Por isso, queremos incentivar e democratizar a distribuição dos recursos, conectando a filantropia às favelas e periferias do Brasil.

É hora de a filantropia reconhecer o papel essencial que os movimentos de favelas e periferias, e organizações lideradas por pessoas negras responsáveis pela transformação desempenham no ecossistema filantrópico maior.

Os investimentos nessas instituições são uma estratégia fundamental para o avanço da justiça racial, social, climática e a defesa da democracia. Portanto, é fundamental que movimentos e organizações de periferia não apenas existam, mas recebam recursos de larga escala capazes de impulsionar a construção de um outro país.

Convidamos você a erguer esta Pipa conosco, buscando reunir esforços para democratizar o futuro do país fomentando nossas próximas gerações!


Raull Santiago

Cria do Complexo do Alemão e um dos 50 profissionais mais criativos do Brasil pela revista Wired (2020). Gestor de projetos sociais do terceiro setor e ativista

Marcelle Decothé

Formada em defesa e gestão estratégica internacional pela UFRJ, mestre em políticas públicas em direitos humanos, educadora popular, pesquisadora de gênero, raça e violência, e co-fundadora do movimento Favelas na Luta

Gelson Henrique

Cria da ZO, ativista dos direitos humanos, cientista social, pesquisador de Juventude Negra e Direito à Cidade e coordenador Executivo da Iniciativa Pipa

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