Fux volta atrás e admite entidades antirracistas em julgamento de ação contra racismo estrutural

Apresentada pela Coalizão Negra por Direitos, ADPF Vidas Negras começará a ser julgada na quarta (22)

FONTEFolha de São Paulo, por Mônica Bergamo
O ministro Luiz Fux durante sessão do STF, em Brasília - Pedro Ladeira - 7.jun.2023/Folhapress

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux recuou e admitiu que organizações que se dedicam ao enfrentamento do racismo participem como amicus curiae (amigo da corte) da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) Vidas Negras, que começará a ser julgada na quarta (22).

A ação foi apresentada em 2022 pela Coalizão Negra por Direitos, articulação que reúne mais de 250 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista. Ela pede o reconhecimento da existência de um estado de coisas inconstitucional decorrente do racismo estrutural e institucional.

Relator da ADPF, Fux autorizou, na semana passada, o ingresso de entidades como o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e a ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) na qualidade de amicus curiae.

Já organizações como o IDPN (Instituto de Defesa da População Negra), a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, a organização Criola e o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) ficaram de fora. De acordo com o ministro, nenhuma delas tinha “representatividade adequada”, uma das condições necessárias para a participação.

A decisão frustrou aqueles que, diante de outros julgamentos ocorridos no Supremo, contavam com a admissão. Ainda que algumas das solicitantes não tivesse legitimidade processual para se manifestar perante a corte, havia a expectativa de que elas pudessem ser ouvidas por sua relevância social.

A medida também foi mal recebida por alguns dos integrantes das organizações indeferidas, que se viram preteridos por entidades lideradas por pessoas brancas.

Em nova decisão nesta terça-feira (21), o ministro do Supremo acatou um pedido de reconsideração feito pelo IDPN e autorizou o ingresso das entidades e organizações que encampam a luta antirracista em diferentes frentes. Dessa forma, elas poderão apresentar suas contribuições para o debate.

De acordo com Fux, o tema em julgamento exige a “atenuação do rigor na análise do cabimento dos pedidos”. O magistrado ainda destacou que o amicus curiae “democratiza o processo deliberativo desta Suprema Corte, abrindo-o para os aportes da sociedade civil e da comunidade científica”.

Advogada da Coalizão Negra por Direitos, Ágatha de Miranda diz que, considerando que a ADPF pretende debater uma tese que versa sobre racismo, desigualdades raciais e práticas discriminatórias, parecia natural que organizações que nascem a partir desse contexto fossem admitidas como amicus curiae.

“As dinâmicas dos territórios demandam dessas organizações e grupos atuações externas. Mas eles abrem diálogo institucional desde a sua fundação, articulando com universidades, Ministério Público, Defensoria Pública e organizações da sociedade civil”, afirma Miranda, pontuando a importância de o STF receber colaborações não apenas teóricas, mas também práticas, para apreciar o tema.

“Nesse momento, essa decisão do Fux mostra para nós a possibilidade de ampliação da participação social em um processo de retomada democrática”, acrescenta a advogada.

“É a oportunidade que os ministros terão de ouvir sobre a magnitude do racismo no Brasil e quais são os projetos para superar esse quadro de desigualdades tão profundas e persistentes”, completa.

Ao reanalisar os pedidos de ingresso, Fux reconheceu que o IDPN atua nacionalmente e “em casos concretos relevantes” que atingem diretamente a população negra, e que organizações como Criola e o Gajop atuam há décadas em campos como o do combate à violência e à discriminação racial.

“É inegável a contribuição que se pode colher de entidade forjada a partir de movimento social formado direta e especificamente pela população negra”, decidiu o ministro.

“Em suma, todas as entidades requerentes acima referenciadas demonstraram ter atuação direta e destacada em variadas matizes de violações de direitos da população negra, a justificar ingressem na presente ação, efetivamente contribuindo com a ampliação do debate que permeará o julgamento”, afirmou ainda.

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