Genocídio por Sueli Carneiro

(Foto: Marcus Steinmayer)

O relator especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU para a Alimentação, Jean Ziegler “botou a mão em cumbuca”, ao declarar que há uma guerra social no país, que a fome no Brasil é genocídio e que Brasil e Africa do Sul são os campeões das desigualdades no mundo.  Paulo Sérgio Pinheiro, secretário da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, considerou que: “o uso do termo guerra social é inadequado, mas o emprego do termo genocídio é mais do que isso, é inaceitável.”A reação do secretário me fez voltar aos dicionários, para rever o significado do termo genocídio.

Por Sueli Carneiro

No dicionário de Antônio Houaiss consta ser genocídio, o “extermínio deliberado, parcial ou total de uma comunidade, grupo , racial, religioso”; (…) e sua “submissão a condições insuportáveis de vida”. Em sendo assim, do que então Jean Ziegler poderia estar falando ?

Há uma pista. Diz ele, que apresentará a ONU “um relatório no qual criticará os latifúndios brasileiros e o racismo que, põe os negros daqui num patamar de 20% abaixo da linha da pobreza.”

Bem, poder ser que na compreensão do relator, há um segmento humano no Brasil que ele considera seja negro que aparece super-representado nos índices de pobreza e miséria do país o que configuraria, para ele, racismo. É por isso então, que ele utiliza o termo genocídio. Agora eu entendi!

Ah!, mas o relator especial deveria conhecer melhor as nossas ambiguidades culturais. É de bom tom estar suficientemente informado sobre as indiossincrasias do país que se vai visitar para não cometer indelicadezas e sobretudo, para não se expor a retaliações.

Sr. Ziegler, o nosso glossário “politicamente correto”, diz em primeiro lugar que, no Brasil, racismo se chama desigualdades raciais.

Segundo: qualquer aproximação que se faça entre Brasil e África do Sul deve ser no sentido de mostrar que ao contrário da África do Sul no Brasil, felizmente, nunca tivemos um apartheid racial, portanto, fora desse contexto, a associação entre os dois países seria atribuir, indevidamente, ao nosso, uma problemática que lhe é estranha, posto que em verdade, o que temos aqui, é um apartheid social.

Terceiro: apesar de nos vangloriarmos, nas situações convenientes, de ter em nosso país, a segunda população negra do mundo (os diplomatas e empresários africanos adoram ouvir isso e nós adoramos agradá-los), na verdade nem sabemos quem é negro no Brasil, posto que somos um país mestiço, sendo essa uma de nossas dificuldades para implementar políticas de ação afirmativa para corrigir as desigualdades raciais, que são meras reminiscências da escravidão.

O mesmo ocorre com os pobres, não sabemos como alcançá-los. Alguns de nossos especialistas em políticas públicas dizem que se os recursos destinados a pobreza fossem jogados de helicóptero os pobres teriam mais chances de pegá-los do que através das formas usuais.

Mas há também quem diga por aqui que pobreza tem cor e ela é negra. Deve ser por isso que não conseguimos erradicar a pobreza. Se não sabemos quem é negro e se negro é pobre como vamos atingí-los ?

Quarto: a “desigualdade” é um problema estrutural ou seja, é um componente intrínseco de nossa composição social e como tal não pode ser alterada sem que produza dessaranjos significativos nesta composição daí porque, as mudanças no Brasil precisam ser sempre lentas, graduais e seguras. Esse é o nosso jeito de fazer as coisas, e para realizá-las, dessa maneira, leva tempo. Por isso as “desigualdades raciais” permanecem quase que inalteradas a perto de um século.

Por fim sr. Ziegler tenha em mente, na preparação de seu relatório que no Brasil há desigualdades raciais, o que necessariamente não é indicativo de racismo, o que por conseguinte não lhe autoriza a falar em genocídio.

P.S.: o filósofo Macaco Simão (apesar do nome ele é um homem sério) está preparando um novo dicionário que tenho certeza lhe será de grande valia em sua próxima visita ao Brasil.

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