Governo fala em reparação e verdade a indígenas e negros em campanha na ONU

FONTEUOL, por Jamil Chade
Protesto de indígenas contra o marco temporal, em Brasília, em 2021 - Imagem: Pedro Ladeira - 24.ago.21/Folhapress

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva sinaliza sobre a necessidade de ampliar o debate sobre verdade, justiça e reparação também à população negra e indígenas, e não apenas às vítimas da ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985.

A indicação faz parte de um documento preparado pelo governo e que serve como parte de sua campanha eleitoral para conseguir voltar a ter um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU a partir de 2024.

O documento, obtido pelo UOL, mostra como o governo de Luiz Inácio Lula da Silva apresentou aos demais países compromissos voluntários para sinalizar uma mudança em temas como combate ao racismo, democracia, situação da mulher e tantos outros aspectos relacionados aos direitos humanos.

O governo ainda promete receber relatores estrangeiros para examinar a situação do país, assim como acelerar o processo de ratificação de tratados internacionais ainda pendentes.

Mas um dos compromissos assumidos se refere ao tema de memória, verdade e justiça. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil negou que um golpe de estado tenha ocorrido no país em 1964, o que chocou os relatores da ONU.

Agora, o governo promete que “inspirado em experiências internacionais exitosas”, irá “fortalecer políticas domésticas e mecanismos institucionais dedicados à garantia do direito humano à memória, à verdade, à justiça e à reparação, assim como a garantias de não repetição”.

O governo também sinaliza que vai apoiar o mandato do relator especial da ONU sobre o tema e organizar possível visita ao Brasil. Outra indicação do país é de que irá apoiar e propor iniciativas, resoluções e eventos dedicados à promoção do direito humano à memória, à verdade, à justiça, à reparação e a garantias de não repetição, no âmbito da ONU, da OEA e do Mercosul.

Mas, ao contrário do que vinha adotando como postura durante anos, o governo Lula agora fala em ampliar o conceito.

No documento, as autoridades indicam que irão:

Apoiar a ampliação da agenda relacionada ao direito humano à memória, à verdade, à justiça e à reparação, com vistas a incorporar as dimensões racial e de gênero, assim como a relativa à situação de pessoas no campo e dos povos indígenas.

Em outro trecho do documento, o governo indica que a luta por memória, verdade e justiça não está relacionada apenas a “violações ocorridas durante o regime militar, mas também ao triste capítulo da escravidão e de suas consequências”.

Eleição e busca por votos

A eleição ocorre a partir de setembro e o Brasil terá de obter votos na Assembleia Geral da ONU. Não deve haver uma surpresa e o governo poderá ocupar o cargo até 2026. Mas, ainda assim, Brasília decidiu apresentar o que seriam novos compromissos para sinalizar o engajamento do país na agenda internacional.

“Nossa candidatura ao Conselho de Direitos Humanos reflete a absoluta centralidade dos direitos humanos em nossa inserção no mundo, como um país democrático e plural, alicerçado na garantia de dignidade e direitos para todas e todos”, diz o documento.

O governo, que busca seu sexto mandato, defende que o sistema internacional de direitos humanos seja fortalecido através da efetiva promoção e proteção de todos os direitos humanos, para todas e todos, sem discriminação, e com base nos princípios da “universalidade, da indivisibilidade, da imparcialidade, da objetividade e da não seletividade, assim como do diálogo construtivo e da cooperação internacional”.

Ou seja, o governo deixa claro que é contra o uso da pauta de direitos humanos como instrumento político para pressionar governos estrangeiros.

De acordo com o documento, o compromisso do Brasil com a democracia, o estado de direito, os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável é “inabalável”.

Mas alerta que “os recentes ataques à democracia verificados em diferentes partes do mundo representam um alerta e reforçam nosso compromisso de fortalecer os valores democráticos e de promover a dignidade para as gerações presentes e futuras”.

Numa longa lista de compromissos que o governo anuncia que assumirá, o documento explicita medidas concretas em diferentes áreas. Eis alguns dos principais temas e ações:

Defesa da democracia

  • Em contexto de crescentes ameaças à democracia no país e no mundo, combater todas as formas de violência associadas a discursos de ódio e ao extremismo e promover ambiente propício para o pleno exercício da liberdade de expressão.
  • Continuar a apresentar, apoiar e copatrocinar projetos de resolução relativos aos direitos civis e políticos, tais como o direito à privacidade na era digital, os direitos humanos na Internet, o respeito às liberdades de expressão e de opinião e a proteção de jornalistas, entre outros.
  • Promover iniciativas que estimulem uma maior participação de pessoas negras, mulheres, indígenas, LGBTQIA+ e demais populações marginalizadas em funções e processos decisórios.
  • Apoiar iniciativas e resoluções de prevenção e combate à tortura no âmbito de foros e mecanismos internacionais de direitos humanos.
  • Avançar na proteção on-line dos mesmos direitos protegidos off-line.
  • Avançar na constituição de mecanismos de combate à violência política, motivada por fatores relacionados ao gênero e à raça, contra populações historicamente excluídas de espaços de poder.
  • Promover ações de prevenção e enfrentamento à disseminação de fake news e a violações dos direitos humanos perpetradas por meio de robôs e de ferramentas de inteligência artificial.
  • Apoiar iniciativas e resoluções dedicadas à promoção da igualdade de gênero, em particular na garantia de equiparação salarial e de fortalecimento da participação ativa de mulheres em todas as instâncias de poder e de tomada de decisão, bem como na renovação do mandato da relatora especial.
  • Promover, defender e apoiar políticas que contemplem, de maneira coordenada, o enfrentamento de toda forma de discriminação baseada em raça e gênero, visando, com isso, melhorar as condições de vida e a inserção de meninas e mulheres negras no Brasil e no mundo.
  • Promover e proteger os direitos das mulheres, inclusive por meio de ações relacionadas à promoção do direito à saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos.
  • Buscar aumentar a participação feminina em delegações brasileiras, assim como em todas as instâncias do CDH e da ONU.


Direitos dos povos indígenas

  • Promover e apoiar iniciativas que fortaleçam as condições necessárias à garantia efetiva de direitos dos povos indígenas, inclusive no que respeita a processos de demarcação de terras, de gestão territorial e ambiental e de mecanismos efetivos de consulta e participação, em plena observância dos direitos dos povos indígenas e conforme estabelecido pela Constituição Federal.
  • Apoiar resoluções e iniciativas sobre direitos dos povos indígenas e sobre o mandato do relator especial.
  • Aumentar o engajamento em discussões sobre a participação dos povos indígenas no CDH.
  • Apoiar iniciativas que reconheçam o papel exercido pelos povos indígenas em favor da proteção do meio ambiente e da biodiversidade e no combate à exploração ilegal ou predatória de suas terras.

Igualdade racial e combate ao racismo

  • Priorizar iniciativas de combate ao racismo estrutural e à violência policial, tanto no âmbito doméstico, quanto internacional.
  • Propor e apoiar iniciativas, resoluções e eventos dedicados ao combate a todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas correlatas de intolerância no âmbito do CDH.
  • Participar ativamente da negociação da Declaração das Nações Unidas para a Promoção e o Pleno Respeito dos Direitos Humanos dos Afrodescendentes.

Direitos das pessoas LGBTQIA+

  • Apoiar e promover iniciativas no plano internacional de proteção e promoção dos direitos da população LGBTQIA+, em linha com prioridades nacionais nessa matéria.
  • Aderir ao Grupo de Amigos sobre orientação sexual e identidade de gênero (SOGI, na sigla em inglês), em Genebra, assim como à iniciativa “Equal Rights Coalition”.
  • Propor e apoiar iniciativas no âmbito do grupo de países coautores da resolução sobre o combate à violência e à discriminação baseadas na orientação sexual e na identidade de gênero, inclusive no que diz respeito à renovação do mandato do perito independente, assim como em iniciativas similares, constituídas junto a outros órgãos da ONU e da OEA.
  • Apoiar as atividades do Perito Independente sobre o tema e promover possível visita ao Brasil.

Ação na ONU

  • Priorizar iniciativas de cooperação, assistência técnica e diálogo entre países no CDH, com base nos princípios fundadores do órgão.
  • Favorecer o monitoramento não seletivo de situações de países, com base na cooperação internacional, na construção de capacidades nacionais e no diálogo construtivo com o país concernido.
  • Apoiar e propor iniciativas no âmbito do grupo de países coautores da resolução sobre cooperação técnica em direitos humanos, integrado pelo Brasil.
  • Privilegiar enfoque preventivo e cooperativo no CDH, favorecendo o diálogo e a cooperação internacional, a assistência técnica e a criação de capacidades, em lugar da instrumentalização, da polarização e da seletividade.


Combate ao trabalho escravo

  • Desenvolver o 3o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (III PNETE), com recorte de gênero e raça.
  • Fortalecer a implementação do Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo.
  • Contribuir para o debate sobre estratégias de enfrentamento e erradicação do trabalho escravo doméstico.


Tratados internacionais de direitos humanos

  • Avançar o processo de ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos objeto de recomendações aceitas pelo Brasil no âmbito da RPU, inclusive do Protocolo Opcional ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e de convenções da OIT.
  • Acelerar os procedimentos internos com vistas a ratificar o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, também conhecido como Acordo de Escazú, assinado pelo país em 2018.
  • Envidar esforços para também avançar o processo de ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos, inclusive da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância e da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias.

Combate à tortura

  • Elaborar e zelar pela efetiva implantação do II Pacto Federativo para a Prevenção e o Combate à Tortura.
  • Elaborar e fomentar a criação e a instauração de mecanismos e comitês estaduais de prevenção e combate à tortura.
  • Aperfeiçoar a legislação existente nos estados que implementaram os comitês e mecanismos estaduais, nos termos do Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura e a Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
  • Apoiar o aperfeiçoamento dos órgãos e mecanismos internacionais dedicados à prevenção e ao combate à tortura.
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