Grande Rio de frente contra a intolerância religiosa

FONTEExtra, por Isabela Aleixo
Comissão de frente da Grande Rio em ensaio técnico na Sapucaí Foto: Eduardo Hollanda/Grande Rio/Divulgação

Com o enredo “Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu” que homenageia a entidade, a comissão de frente da Grande Rio deu um show no ensaio técnico na Sapucaí. O ensaio aconteceu junto com a Mocidade Independente de Padre Miguel, que homenageia Oxóssi com o enredo “Batuque ao caçador”. O evento do ensaio das duas escolas no mesmo dia, 3 de abril, foi chamado pelas agremiações de “Lolamacoomba” em referência ao festival Lolapalooza, que aconteceu dias antes em São Paulo.

Mas, embora tenha levantado o público na Sapucaí no esquenta para o carnaval, a escola sofreu ataques nas redes sociais motivados por intolerância religiosa contra representantes da comissão de frente e se pronunciou. “Repudiamos qualquer manifestação de racismo religioso. Levaremos para a Avenida o grito dos discriminados e excluídos por parte de uma sociedade que ainda teme o que vê no próprio espelho. Viva a pluralidade de crenças e culturas, e as potências nascidas em nossas encruzilhadas”, escreveu a Grande Rio em uma publicação no Instagram.

A comissão de frente da tricolor de Caxias, composta por onze bailarinos e quatro bailarinas, apresenta representações da entidade Exu e também de catadores do lixão de Gramacho. O enredo faz referência também à Estamira, catadora protagonista do documentário de mesmo nome e que no filme se comunicava com Exu por um telefone dizendo “Câmbio, Exu. Fala, Majeté!”. Para criar a coreografia, o casal Beth Bejani e Hélio Bejani mergulharam em uma extensa pesquisa sobre religiosidade e os bailarinos tiveram aulas de dança afro.

— A gente faz comissão de frente há 15 anos, já fizemos muitos enredos de matriz africana e queríamos fugir um pouco do tradicional e colocar a energia e a força de Exu, que é visto por muitos como o “diabo”. Ele não é o diabo. A escola traz a figura de Exu como quem abre caminhos, um orixá de luz. A gente estudou todas essas questões e foi desenvolvendo a movimentação da comissão fugindo do tradicional — explica a coreógrafa Beth Bejani.

O bailarino Aly Moreira, de 32 anos, estuda há anos danças afrobrasileiras. Foi ele quem ensinou os ritmos para os demais bailarinos da comissão de frente. Com um trabalho de pesquisa de dois anos com o enredo, porque o carnaval de 2021 foi cancelado, a comissão chegou a frequentar centros de umbanda e candomblé para levar as referências de Exu para a dança.

— Para nós, pretos, nossos corpos são completamente atravessados pela cultura afro desde que a gente nasce. O samba vem disso, do povo preto, do nosso povo. Desde pequeno a gente é acostumado a ouvir samba, e esse enredo vem para desmitificar essa questão de associar os orixás e religiões de matrizes africanas com algo ruim — diz o bailarino.

Bailarina de comissão de frente há nove anos, Deia Rocha, de 28 anos, sentiu na pele os comentários racistas contra a comissão de frente. Ela se define como espírita umbandista, e chegou a fazer uma publicação denunciando que ridicularizar culto religioso é crime.

– Acho que a principal coisa boa desse enredo é mostrar que Exu é amor, é caminho, e eu espero que as pessoas consigam entender isso. O que a repercussão na internet me fez entender é a não me calar. Eu sou uma mulher preta, já sofro tanto em outros aspectos que no lugar da religiosidade eu nunca tinha me manifestado publicamente, mas entendi que não posso me calar sobre isso. Se eu não estava sofrendo na pele, outras pessoas na religião sofrem há anos e eu não posso ficar quieta. Fiz o barulho que pude nas minhas redes — afirma.

A Grande Rio é a penúltima escola a desfilar no sábado, dia 23 de abril. O enredo foi desenvolvido pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.

-+=
Sair da versão mobile