A Guerra da Balaiada

FONTE Texto em literatura de cordel: Magno José Cruz, Do Ebooksbrasil.org
A Guerra da Balaiada no Período Colonial (Foto: Imagem retirada do site Cultura Livre)

A GUERRA DA BALAIADA – a epopéia dos guerreiros balaios na versão dos oprimidos.

A BALAIADA E OS QUILOMBOLAS

No Maranhão, no período da escravidão, também existiram grandes quilombos como o de Palmares. Os maiores foram o Quilombo Lagoa Amarela, no município de Chapadinha, e o Quilombo de Limoeiro, no município de Turiaçu. Os quilombolas participaram de movimentos de dimensões que ultrapassam a defesa do quilombo. O principal desses movimentos foi a Guerra da Balaiada, ocorrida no Maranhão entre 1838 e 1841.

A apresentação que se faz aqui dos fatos está baseada na consulta a historiadores contemporâneos e cronistas da época. É evidente que a interpretação desses fatos pode ser diferente, de acordo com o ponto de vista de quem interprete. Inclusive levando em consideração que os registros documentais que nos chegam aos dias de hoje foram feitos pêlos vencedores, os quais evidentemente procuram detratar os seus inimigos.

A Guerra da Balaiada, como ficou conhecida, se iniciou por questões políticas entre partidos, mas acabou por ser assumida por vaqueiros e homens sem posses em geral que lutavam contra o recrutamento forçado para as forças militares e contra os desmandos de chefes políticos locais e, finalmente, por quilombolas, que sustentaram o combate até o fim, conforme apontam diversos historiadores.

Portanto, há 160 anos, no dia 13 de dezembro de 1838, começou a Guerra da Balaiada. Foi uma das maiores e mais significativas rebeliões populares já registradas em terras do Maranhão e com forte repercussão em todo o país.

Trecho da Cartilha Projeto Vida de Negro: 10 Anos de Luta pela Regularização e Titulação das Terras de Preto no Maranhão.

A EPOPÉIA DOS GUERREIROS BALAIOS NA VERSÃO DOS OPRIMIDOS

Dá licença rapazeada
Que eu aqui vou relatar
(Prestem muita atenção!)

Prá depois poder contar

Pois aconteceu no Maranhão

No Piauí e Ceará 

Foi em mil e oitocentos
No ano de trinta e oito
Quando explodiu a Balaiada
Com muitos cabras afoitos
Pra agarrar a burguesada
E (ó) cortar-lhe o pescoço

Unindo valentes vaqueiros

Raimundo Gomes Vieira
Na Vila da Manga chegou
Assaltando a cadeia
À toda nação brasileira
Um manifesto gritou

Exigia a revogação
Da dita Lei dos Prefeitos
Aos revoltosos anistia
Justiça aos prisioneiros
E para a tropa garantia
De pagamento em dinheiro

Reivindicava liberdade
Criticava o preconceito
Queria total expulsão
Dos lusitanos solteiros
Transformava em ação
O blá-blá politiqueiro

Brigavam “bentevis” e “cabanos”
Na política do Maranhão
Briga de jornal (lero-lero)
Vejam a comparação:
Briga de Sarney e Castelo
Pra enganar Zé Povão

A Província naquela época
Tinha problemas sociais
Sofriam caboclos e negros
Com os preconceitos raciais
Fome, “pega”, desemprego
Tudo consta nos anais

Manuel Francisco dos Anjos
De “Balaio” apelidado
Era pobre e lavrador
E teve o nome manchado
Então na guerra entrou
Pra se vingar dos soldados

Veterano de outras guerras
O chefe índio Matroá
Aderiu a Balaiada
E como líder foi lutar
Tendo menção destacada
Na luta do libertar

A participação das mulheres
É bom senso não esquecer
Escondiam os revoltados
Davam a eles o que comer
Enganando os soldados
Que queriam os prender

Corriam por essas bandas
Revoltas e insurreições
A massa escrava fugia
Para formar quilombações
Em Itapecuru, Codó, Caxias
Turiaçu e Guimarães

É preciso contar direitinho
Para ninguém se enganar
A rebeldia dessa negrada
Lutando para se libertar
Foi antes da Balaiada
Pelo Norte se espalhar


Esses negros organizados
Chamados de quilombolas
Viram na Balaiada
Que era chegada a hora
Da liberdade sonhada
Renascer naquela aurora

Cosme Bento das Chagas
Logo então se destacou
E lá de Lagoa Amarela
Três mil negros libertou
E com tal valentia cega
A Balaiada engrossou

No Quilombo do Lagoa Amarela
A negrada tudo tinha
Caça assada no espeto
Feijão, arroz e farinha
Água fria do Rio Preto
Ervas medicinais e mandinga

Ali Negro Cosme implantou
Uma conceituada escola
Para ensinar ler e escrever
À toda massa quilombola
Quera o líder dizer:
“Façamos nossa história”

“Tutor das Liberdades Bentevis”
Negro Cosme foi chamado
Homem muito inteligente
Procurou ter falidos
Entre toda pobre gente

Negros livres e aquilombados
Até comerciantes pequenos
Vaqueiros e lavradores
Aderiram ao Movimento
A Revolta, meus senhores
Foi do povo desse tempo


A guerra cresceu tanto
Invadindo até Caxias
Implantando a igualdade
Coisa que nunca se via
Foi a riqueza da cidade
Entre os pobres dividida

Os negros felizes cantavam
Sorrisos abertos e francos
“Balaio chegou / Balaio chegou
Cadê branco?
Não há mais branco
Não há mais sinhô”

Na cidade de São Luís
Os “bentevis” amedrontados
Se juntaram aos “cabanos”
Passando pro outro lado
Sem ser por baixo dos panos
Deixaram de ser mascarados

Foi então que o Regente
Providências veio tomar
Chamou Luís Alves de Lima
E lhe pôs de tudo a par
Da guerra de Norte acima
E era para cacetear

Luís virou Presidente
Da Província do Maranhão
Com poder e muita banca
Iniciou a repressão
Jogando pessoas brancas
Contra os negros em ação

O mesmo Luís Alves de Lima
Que negociou com farroupilhas
Tratou os negros guerreiros
Como gentalha maltrapilha
Como assassinos, bandoleiros
Indignos da tal Anistia


Mais de dez mil mortes cruéis
Mulheres, velhos, crianças
Foi o saldo tenebroso
Daquela cruel matança
E o “Pacificador” orgulhoso
Da nefasta aventurança

Na Anistia acreditando
Matroá velho e cansado
Foi morto ao se entregar
Raimundo Gomes, coitado
Foi pelo Duque deportado
E “morreu” no viajar

Mostrando muita bravura
Cosme na luta insistiu
Perseguido por todo lado
Muitas vezes ele “sumiu”
Deixando o Duque danado
Chamando-o de negro vil

No peito-a-peito com
Luís Cosme sempre foi o primeiro
Não perdeu uma pro
Duque Que via nele um feiticeiro
Cheio de manhas e truques
Foi como Zumbi um guerreiro

A caça ao Negro Cosme
Um dia chegou ao fim
No Combate de Calabouço
Na Região do Mearim
Lutando feito um louco
Foi aprisionado enfim…

Da cadeia de Itapecuru
Para a cidade de São Luís
Cosme então foi enviado
E o povo ainda diz
Ele foi o maior do Reinado
Das Liberdades Bentevis


No ano de quarenta e dois
De volta a Itapecuru
Negro Cosme é enforcado
Na antiga Praça da Cruz
Deixando, porém, marcado
A valentia a que fez juz

Partiu o Imperador Bentevi
Como um guerreiro vencedor
Que sonhou libertar seu povo
De todo regime opressor
Ergueu bem alto um sonho novo
Da Nação Quilombola Nagô

Na história que tem nos livros
Escritos pela burguesia
Cosme é o grande bandido
(Ora vejam, quem diria!)
E Luís, racista assumido
É o herói Duque de Caxias

Contei parte da Balaiada
E da bravura daquela gente
Há muito o que contar
Da lição desses valentes
Cosme, Balaio e Matroá
Pois quem luta sempre vence

A luta não terminou
Pois a exploração continua
Vamos ser os novos balaios
E sairmos todos às ruas
Gritando contra os lacaios

 

 

 

NOTAS DO AUTOR

Vila da Manga: localizava-se no hoje município de Nina Rodrigues.

Lagoa Amarela: localizava-se no hoje município de Chapadinha.

Rio Preto: o Quilombo Lagoa Amarela situava-se nas cabeceiras do Rio Preto.

“Pega”: expressão usada para definir o recrutamento forçado para formar tropas militares a fim de combater as rebeliões populares, geralmente de uma província para outra.

“Bentevis”: membros ou simpatizantes do Partido Liberal (oposição ao governo).

“Cabanos”: membros ou simpatizantes do Partido Conservador (governo).

“Tutore Imperador das Liberdades Bentevis”: expressão com a qual Negro Cosme se auto-denominava.

Barão de Caxias e Duque de Caxias: títulos recebidos por Luís Alves de

Lima e Silva após sufocar, de forma cruel e violenta, a Guerra da Balaiada,

que teve como principal centro de concentração e atuação a cidade do

sertão maranhense Caxias.

Farroupilhas: Revoltosos da Guerra dos Farrapos, ocorrida no Rio Grande do Sul entre 1835 a 1845.

NINGUÉM NOS VENCERÁ E A BALAIADA CONTINUA!

 

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A Guerra da Balaiada

A epopéia dos guerreiros balaios na versão dos oprimidos

Coleção Negro Cosme

São Luís/Maranhão

2ª Edição – dezembro de 1998

 

Publicação

Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA)

Colaboradores

Sociedade Maranhense de defesa dos Direitos Humanos – SMDDH

(Projeto Vida de Negro).

Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ)

Apoio

EZE/CESE (BA)

Fundação Ford (RJ)

Oxfam/Recife (PE)

Texto em literatura de cordel: Magno José Cruz

Capa (adaptação): Carlos César França Cruz (Caóca)

Montagem e digitação: Ivan Rodrigues Costa e Raimundo M. Matos Paixão

Diagramação e design da versão digital: Etnia Design

E-book disponível no site www.ccnma.org.br

E-mail: ccnma@ccnma.org.br

Contato

Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA)

Rua dos Guaranis, s/n° – Barés – João Paulo

65040.630 – São Luís/MA

(98) 243-9707 / 249-4938

Foto em destaque: Reprodução/ Cultura Livre 

 

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