Ditadura dos cabelos compridos

Enviado por / FonteDo Escreva Lola Escreva

Outro dia estava vendo um episódio de Walking Dead e me diverti com um personagem da série, que morre logo depois, tadinho, se espantar que Carol (a esposa que apanhava do marido, a mãe que perde a filha) é hétero.

Ele achava que ela era lésbica porque… ela usa cabelo curtinho.
Pois é, até num cenário de fim de mundo, em que zumbis povoam a Terra, as mulheres têm que se submeter a um rígido padrão de beleza!
(Isso me lembra uma leitora revoltada que a personagem de Julianne Moore em Ensaio sobre a Cegueira não usava sutiã. Sabe, ninguém enxerga mais nada, mas é óbvio que a mulherada deve continuar mantendo os seios no lugar!).

Mas isso de que ter cabelo curto é “pouco feminino” é muito recorrente. A L. em quis falar um pouco sobre o tema.

Sou mulher, tenho 19 anos, feminista um tanto fervorosa, e defensora da ideia de que devemos fazer com nossos corpos o que acharmos melhor. Sou baixinha (1,56m), morena e dona de uma cabeleira cacheada farta e volumosa. Ao menos era, até descobrir que eu seria muito mais feliz com os cabelos curtinhos, quase passados à máquina, estilo “Joãozinho”.

Ou melhor dizendo, até me convencer de que podia ser feliz dessa forma. Porque passei muitos anos da minha vida lutando com os meus cabelos, tentando adequá-los ao padrão esperado – liso, sem volume, comprido — e sofrendo com o calor e a falta de praticidade (sou muito calorenta e gosto de não ter de fazer mundos e fundos pra me achar bonita e me sentir confortável comigo mesma), até criar coragem de cortar meus cabelos de vez.

Nossos estereótipos de gênero e aparência são extremamente fortes. Os cabelos compridos são uma das primeiras características associadas à feminilidade. Pense em quantas mulheres você vê nas ruas andando com cabelos bem curtinhos ou raspados, e quantos homens com cabelos longos, trançados, presos num coque etc. Provavelmente não muitxs! Fico tentando entender porque isso acontece.

Pensei nas barreiras que impus a mim mesma quando ficava tentada a cortar meu cabelo, e logo desistia. Primeiro vinha o medo de deixar meu rosto tão evidente -– afinal, o que mais dizem por aí é que cabelos longos afinam o rosto, e que rostos mais finos são mais bonitos. Depois, tinha medo de nunca mais um homem se aproximar de mim (!), pois estamos rodeadxs de imagens que nos dizem que cabelos longos são mais sensuais e femininos. Além de cabelos curtos serem considerados coisa de lésbica.

Embora eu seja bissexual e esse rótulo não me incomode de fato, o que incomodava era saber que todos me julgariam assim simplesmente por não ter 20cm a mais de fios na cabeça! Já conhecia a história de uma garota que cortou o cabelo e todos acharam que ela havia “virado” lésbica. Cheguei até a perguntar para meu namorado o que ele acharia do meu novo corte, e fomos juntos ao cabeleireiro. No começo houve algum estranhamento (afinal, era uma grande mudança), mas logo ele já nem ligava. Não afetou em nada nosso relacionamento, e hoje quem briga com os cabelos é ele, que se esforça para deixar as madeixas crescerem.
O que não entendo é de onde vem essa ideia maluca de que cabelos longos são exclusividade e necessidade feminina e heterossexual. Vejo essa obsessão como uma espécie de ditadura — como é a do cabelo liso.

Vejo por aí inúmeras mulheres se desdobrando para manter um cabelo longo, vivendo com presilhas, prendedores, chuquinhas, alisamentos, hidratações, progressivas, e até aquela caneta bic sem tampa na hora do aperto.

Vivemos num país tropical, convivemos com temperaturas altas durante grande parte do ano, e exigir que todas tenham uma grande cabeleira o tempo todo me parece até um tipo de tortura! Respeito todas as mulheres que se sentem bem dessa forma. A questão não é que deveríamos todas ir ao salão e pedir pela máquina zero. Mas que tenhamos o direito de escolher como queremos parecer, sem sermos julgadas a todo instante.

Se você tem vontade, mas não tem coragem, liberte-se! Veja como seu rosto é lindo, como é bom sentir o vento batendo na sua nuca naqueles dias escaldantes de verão. Como é acordar sem começar o dia brigando com si mesma, com a escova, a chapinha e o secador.
E, se você também tiver medo de não ser mais atraente para os homens, pense: será que alguém que me julga pelo tamanho do meu cabelo merece ser meu companheiro? Ou é capaz de gostar de alguém pelo que essa pessoa é de verdade, e não pela aparência?

 

 

+ sobre o tema

Consciência negra e cidadania

A democracia exige em uma de suas faces o...

Halle Bailey comemora fim das gravações de ‘Pequena Sereia’

Em uma imagem no Instagram anunciando o fim das...

Consciência Negra e a luta de Quilombos pelo reconhecimento

Jornal GGN - Desde o reconhecimento do governo de comunidades...

Cais do Valongo é tombado pelo estado

Sítio arqueológico já era patrimônio cultural, histórico e da...

para lembrar

5 exposições em SP para conhecer as condições, potências e demandas da população negra

Alguns dos principais museus e espaços culturais da capital...

Estilista Negro

POR MUITO pouco -quatro meses de atraso na mensalidade-...

Em novo livro, ator e escritor Lázaro Ramos fala sobre a conexão do afeto

Lázaro Ramos não sabia ao certo para quem estava...

Maior festival de cultura negra do mundo, Afropunk desembarca em SP

Show ‘black to the future’ já tem data para...
spot_imgspot_img

Clara Moneke: ‘Enquanto mulher negra, a gente está o tempo todo querendo se provar’

Há um ano, Clara Moneke ainda estava se acostumando a ser reconhecida nas ruas, após sua estreia em novelas como a espevitada Kate de "Vai na...

Podcast brasileiro apresenta rap da capital da Guiné Equatorial, local que enfrenta 45 anos de ditadura

Imagina fazer rap de crítica social em uma ditadura, em que o mesmo presidente governa há 45 anos? Esse mesmo presidente censura e repreende...

Mulheres sambistas lançam livro-disco infantil com protagonista negra

Uma menina de 4 anos, chamada de Flor de Maria, que vive aventuras mágicas embaixo da mesa da roda de samba, e descobre um...
-+=