Gwendolyn é amor

Primeira escritora negra de descendência afro-americana a receber o Pulitzer, sua voz serena e firme ainda reverbera passados 20 anos de sua morte

FONTEPor João Wady Cury, do O Estado de S.Paulo
Primeira escritora negra de descendência afro-americana a receber o Pulitzer, sua voz serena e firme ainda reverbera passados 20 anos de sua morte (Foto: Poetry Foundation)

É preciso falar de amor, agora que o Dia dos Namorados passou, e com ele palavras vãs, centenas de reapresentações de …E O Vento Levou e Casablanca em apenas 48 horas, filas infindáveis nas portas dos restaurantes. Longe dessa praga jeca, a libertação acontece por meio da voz de Gwendolyn Brooks, porque junho é seu mês. Primeira escritora negra de descendência afro-americana a receber o Pulitzer (Annie Allen, Harper, 1949), sua voz serena e firme ainda reverbera passados 20 anos de sua morte, como no trecho que lê de Kitchenette Building (youtu.be/7yQ7hOjX9v0).

Para Gwendolyn Brooks, sua definição na lata é coisa simples: poesia é vida destilada. E não se tratava somente do Pulitzer, até porque ao longo da vida teve outros 70 prêmios e láureas em suas estantes, tornando-se uma das poetas mais homenageadas durante sua existência, da referência em poesia negra na Biblioteca do Congresso norte-americano a receber duas vezes seguidas o Guggenheim Fellow in Poetry. Para celebrar sua memória a Poetry Foundation criou uma animação de seu poema We Real Cool, um hino de beleza e força no imaginário dos Estados Unidos, principalmente hoje sob os jovens (youtu.be/0USvSvhue70). Na mesma instituição está disponível uma série de poemas em seu formato original, por escrito (bit.ly/2Su81mh).

Mais do que papel

A obra de Brooks extrapolou o papel. Sua voz poética acabou sendo adotada ao longo dos anos por rappers e músicos eruditos, jazz e rock, artistas de várias áreas, das visuais ao teatro, sempre usada como referência em suas obras e filosofias de vida. Não importa a geração, pode ser a dos anos 1960 às de hoje, nos subúrbios e grandes shows. Sim, porque Brooks era mais que poesia, suas palavras ultrapassavam o senso comum e tocavam as comunidades negras e pobres da sua Chicago e dos Estados Unidos como um todo, dando a elas consciência de grupo, dignidade e, mais do que tudo, compreensão de suas condições diante de uma sociedade branca e opressora. Tão opressora que, certa vez, precisou dizer a seu editor que escrever poemas era o que a salvava da vida de obrigações domésticas a que fora restrita por um período. Há duas entrevistas muito relevantes que podem ser vistas na internet: uma na própria Biblioteca do Congresso, onde trabalhou (youtu.be/UVZ6KTLN7O8), e outra na Lincoln Academy (youtu.be/lsZJZPm7pt0). 

Com tudo o que significa a joia rara de Gwendolyn Brooks, a poeta passou boa parte de sua vida ensinando jovens no ofício da escrita, sendo mentora de várias turmas de alunos no que definiu meigamente: “Escrever é uma agonia deliciosa”. Isso possivelmente já justifica o fato de que seu nome tenha batizado uma dezena de escolas nos Estados Unidos. O mais surpreendente, porém, em seus mais de 100 anos de existência Gwendolyn Brooks nunca foi publicada no Brasil. Durma com essa.

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