O Dia da África nos remete a um dos principais marcadores de nossa nacionalidade, que é a ascendência africana da maioria da população brasileira.
O reconhecimento dessa ascendência em nossa identidade, tão rica e presente em diferentes contribuições civilizatórias à sociedade brasileira, desde o tempo em que trabalho era somente “coisa de preto”, significa demarcar a riqueza da pluralidade que permite ao Brasil ser único em sua diversidade.
Tanto tempo de expropriação do trabalho das pessoas descendentes de povos africanos nos exige focalizar a justiça econômica nessa efeméride, pois a eliminação das desigualdades e do racismo que tornam vulneráveis parcela majoritária da população é elemento indissociável e principal da democracia que queremos.
Assim é que celebramos o evento importante ocorrido sob a liderança do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que propiciou um rico debate sobre equidade e diversidade racial nas experiências do Brasil e da África do Sul no âmbito da economia. Com a presença do presidente do banco, Aloizio Mercadante, e da alta liderança da organização, que participaram durante todo o dia, os debates envolveram pesquisadores, empresários, gestores públicos e a sociedade civil organizada.
Temas candentes, como as cotas nas universidades e a reserva de vagas na administração pública federal e em muitos estados e municípios, foram trazendo um cenário em que iniciativas importantes, algumas delas com resultados significativos, precisam atingir toda a população.
A experiência brasileira no setor bancário foi debatida, salientando o importante marco do acordo coletivo de trabalho, assinado em 2002, no qual havia uma cláusula de promoção da igualdade. Os movimentos sindicais, de mulheres e de negros recorreram ao Ministério Público do Trabalho, evidenciando dados de uma ampla pesquisa que explicitava as desigualdades raciais e de gênero no setor. Por sua vez, o MPT provocou a Febraban a implementar um programa visando promover a equidade racial.
Esse programa e outros desenvolvidos no país guardam similaridades com aspectos do Black Economic Empowerment (BEE), implementado na África do Sul, e têm desafios também semelhantes em períodos de crise econômica, quando tendem a se fragilizar. Há muito a dialogar sobre os diversos programas que vêm sendo implementados no território da economia e do mundo do trabalho, com a certeza de que as soluções envolvem o debate entre os setores público, empresarial, sindical e do movimento negro para o alcance de soluções que alterem efetivamente o quadro das desigualdades.
Medidas governamentais definindo critérios e condicionalidades que assegurem que os recursos possam ser dirigidos efetivamente ao fortalecimento econômico da população negra e ao exercício de seu direito fundamental ao trabalho digno precisam ser instituídas, com definição de metas a serem cumpridas e métricas de monitoramento que acompanhem a mudança do quadro de desigualdades.
Mas uma outra dimensão da celebração, também fundamental, se deu nos preciosos campos da cultura e da memória, concretizada no lançamento da Iniciativa Valongo, localizada na zona portuária do Rio de Janeiro, representando a pedra de toque do evento. Sob a coordenação executiva do BNDES esse Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO recebeu R$ 10 milhões e pretende captar mais investimento para iniciar um longo e amplo processo de reestruturação de toda a região, com vistas à preservação da memória do porto que mais pessoas escravizadas recebeu no mundo, como monumento não só à memória mas ao futuro de um país que só será realmente uma democracia na medida em que consolidar uma sociedade antirracista.