A História de Luísa – Tornar-se Negro – Cap. V

A História de Luísa - Tornar-se Negro - Cap. V

A História de Luísa –

Resumo – cap. V – Neusa Santos Sousa: “Tornar-se Negro”

por José Ricardo D’ Almeida

Neste capítulo, a autora transcreve o depoimento de Luísa, “neta de empregadas domésticas e filha de pais de classe média. Luísa é médica recem formada, nascida no Rio de Janeiro” com 23 anos de idade nesta época. Num segundo tópico faz sua análise.

Venho fazendo um resumo comentado e neste capítulo o depoimento de Luísa é mais propriamente um comentário do que um resumo. Penso que a história de Luísa poderia ser a história de muitas mulheres de gerações passadas, presentes e ainda futuras, já que temos uma sociedade altamente desigual e despolitizada com baixa escolaridade, uma cidadania frágil, poucas opções de trabalho para a maioria das jovens negras, onde “tornar-se negro” é uma luta sempre desigual contra o racismo. Muitas Luísas ainda estarão por vir num destino pré determinado pelo racismo.

Luisa poderia ser você, sua mãe, sua avó, bisavó, ou tataravó. Luísa poderia ser Luis pelas condições sociais desiguais que muitas vezes independem do gênero mas que são determinadas (ou sobredeterminadas) pela cor/raça que por força do racismo persistente podem perdurar por muitas gerações futuras.

Nascer escravo no século XIX ou nas condições sociais predominantes no século XX e mesmo após 100 anos depois da escravidão ou neste século XXI ainda sob os padrões de desigualdade faz pouca diferença. É assim que muitas vezes o negro se sente diante do abismo social entre negros e brancos no Brasil. E pensar como poderia ter sido diferente no passado pós escravidão ou ao longo do último século num regime democrático e de crescente respeito aos direitos humanos sempre esteve presente na cabeça de tantos que acreditaram nesses valores. Contudo, se impôs e prevaleceram as condições históricas de extrema desigualdade criadas pela violência física e simbólica, pela persuasão e pela cooptação de uma maioria negra. Um destino assim não é uma fatalidade de um mundo que possui naturalmente uma ordem desigual, mas uma condição criada socialmente com a qual se tem que lidar. Ou sucumbir a ela. Assim me parece a história de Luísa (ou de Luís) ou de qualquer um de nós.

Luísa tentou com o maior esforço encontrar um espaço onde pudesse escrever sua própria história além da fatalidade histórica. História que além de todo esforço e mérito pessoal adquire um sentido mais relevante quando vista numa perspectiva em que seu esforço, conquistas e derrotas são projetados numa dimensão social.

Análise

Nesta tópico do capítulo, Neusa Santos faz a interpretação psicanlítica da “história de Luísa”. Inicia apontando a importância da avó de Luísa, “uma mulher fálica” que assume a função simbólica do Pai, figura que a introduz no mundo das interdições e punições”. “Luísa faz de sua vida o discurso da avó (…) Ela não quer perder o falo, atributo conquistado por identificação com a avó”. Contudo, o modelo projetado por sua avó é frágil, desestruturado, imerso nas falácias do racismo, nos sentimentos auto depreciativos e punitivos. Por isso, “todos os seus relacionamentos afetivos-sexuais são com homens brancos” e os relacionamentos que vai experimentar com homens negros são punitivos. Identificada com o “falo da avó”, na sua busca de um objeto de amor ela “desafia-se na conquista de um parceiro homossexual, passando, inclusive a competir com ele na conquista de outros homossexuais”. Luísa tem uma imagem estereotipada de si, suas conquistas estão baseadas numa auto imagem de “mulata sensual”, “bem malandra, vivida, sacadora”. Fuma, bebe, se assume como mãe solteira, anda com homossexuais. E assim, “fixada numa imagem que a aliena, Luísa se debate num circuito de desvalorização e pseudo valorização (…) A curtição (de ser negra) é ser mais tudo, a mais bonita, a mais intelegente, a mais sensual”.

Os homens que a atraem e a quem seduz também são fracos em suas identificações, são pessoas a quem deprecia para admirar e tornar cúmplice nas suas impotências. Luísa é amante de um homem branco que tem uma maioria de amigos negros. Ela “era curtida como a mulher negra propaganda”. Sua pseudo valorização se expressa na recusa de seu estatuto de mulher que substitui pela sedução intelectual e assim também desafia seus parceiros intelectualizados, ela declara: “seduzir pela cabeça, o que aliás sempre foi o meu esquema”.

Ainda em sua identificação com a avó, diz Neusa Santos, “Luísa acredita que enquanto mulher negra, lhe cabe o lugar de terceira… Considera que a mulher negra é mulher sem companheiro…os homens ficavam com as brancas”. “O Ideal de Ego de Luísa caracteriza -se por uma identificação com o difícil, o nobre, o melhor, o branco”.

Quando criança, Luísa falava sozinha com seus amigos invisíveis, se achava muito feia, diferente, não tinha cabelos lisos, nariz fino, se desprezava, seus amigos eram todos brancos. “Luísa busca atingir seu Ideal de Ego, uma negra-branca, negra diferente, a mais inteligente, a mais bonita, tudo maximizado como aval para penetrar no mundo dos brancos, precisava disso para “se salvar” (…) “O negro com quem poderia vir a dignar-se a viver um relacionamento afetivo-sexual teria que ser como ela”. Assim também se deu com a sua escolha profissional, a carreira mais nobre, a mais difícil, Luísa era médica. Casou-se com Jorge, branco, “absolutizado e mitificado como elemento propiciador de todos os outros bens” (…) Sendo branco Jorge está de acordo com o veredito da avó”.

A identidade de mulher negra de Luísa é ambígua e feita de contradições carregada por reconhecimentos e desconhecimentos que tem origem em sua formação de Ideal de Ego. Imersa num ambiente familiar e social fortemente cercado por conflitos e contradições desenhadas pelo racismo e no qual as identificações com o negro são marcadas com a negação, rejeição e punição. Ainda assim, Luisa tenta assumir o protagonismo de sua história. Para tanto, precisa compreender a dimensão coletiva de sua infelicidade e enxerga no movimento negro uma possibilidade de transformar a História e sua própria história. E aí descobre que junto a outras mulheres e homens negros “pode surgir uma coisa verdadeira – se eu sou esse veneno que eu queria ser, teria que ser porque eu sou Luísa, independente de ser negra”.

Fonte: Facebook

-+=
Sair da versão mobile