Hoje na História, 23 de maio, a 5 anos morria Abdias Nascimento

FONTEDo Fundo Brasil de Direitos Humanos
Ricardo Stuckert/Agência Brasil

“No decorrer de toda a minha vida, por quase um século, foi assim: praticando (a luta pelos direitos humanos). Eu não sou escritor e nem teórico dos direitos humanos. Não se elaborar teorias; eu sei fazer”, falou Abdias do Nascimento, na comemoração de seu 92º aniversário.

Ícone da luta contra o racismo no Brasil, Abdias dedicou a maior parte de sua vida em prol da igualdade racial. Nascido em 14 de março de 1914, em Franca (SP), sua militância começou cedo quando, em 1930, ingressou na Frente Negra Brasileira, considerada o primeiro movimento brasileiro pelos direitos civis.

“Há um fato da infância que até hoje permanece vivo na minha memória. Havia um garoto preto e órfão, meu colega de escola, mais pobre do que nós éramos. Certa feita, uma vizinha branca se encontrava dando uma surra no menino (nem me lembro por que); isto se passava na rua, defronte de nossa casa. Minha mãe, sempre tão doce e calma, encheu-se de fúria inesperada, correu em defesa do moleque. Esta cena marcou o começo da minha consciência sobre a realidade da situação do negro no Brasil”[1].

Dramaturgo, poeta e pintor, é autor de obras como Sortilégio, Dramas para Negros e Prólogo para Brancos, O Negro Revoltado e o Genocídio do Negro Brasileiro, relatando em seus livros as realidades quilombolas, levantando temas como o pensamento dos povos africanos, combate ao racismo, democracia racial e o valor dos orixás nas religiões de matriz africana. Criou, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), responsável pela formação da primeira geração de atores/atrizes negros/negras, além de contribuir para a criação da literatura dramática afro-brasileira. Ainda à frente do TEN, em 1950, organizou o 1º Congresso Negro Brasileiro e editou o jornal Quilombo.

Para Abdias, o fim do racismo no país passava pela mobilização da sociedade civil e também pela esfera política. Promoveu inúmeras ações nesta linha, e articulou a luta brasileira pela igualdade racial com movimentos de libertação na África e com movimentos pelos direitos civis e humanos nos Estados Unidos.

Assim como outros militantes de direitos humanos, foi perseguido durante o regime militar e exilado por 13 anos, vivendo nos Estados Unidos e na Nigéria. Abdias retornou ao Brasil em 1978, quando participou de atos públicos e das reuniões para a fundação do Movimento Negro Unificado contra o Racismo e a Discriminação Racial. Três anos depois, fundou o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros). Após o fim do Regime Militar, se dedicou à carreira política, atuando como deputado federal, senador e secretário da Defesa e Promoção das Populações Afro-brasileiras do governo do estado do Rio de Janeiro. Durante o seu mandato de deputado federal (1983-86) propôs o primeiro projeto de lei de políticas públicas afirmativas do Brasil.

“Ação afirmativa ou compensatória, é um instrumento, ou conjunto de instrumentos, utilizado para promover a igualdade de oportunidades no emprego, na educação, no acesso à moradia e no mundo dos negócios. Por meio deles, o Estado, a universidade e as empresas podem não apenas remediar a discriminação passada e presente, mas também prevenir a discriminação futura, num esforço para se chegar a uma sociedade inclusiva, aberta à participação igualitária de todos os cidadãos”, explicou em discurso no Senado em 13 de maio de 1998.

Acreditava que o combate ao racismo e a inclusão dos afrodescendentes na sociedade brasileira eram determinantes para que os direitos humanos pudessem se realizar, para ele “promover os direitos humanos no Brasil significa dar prioridade à efetiva inclusão social dos afrodescendentes, pois o sistema de discriminação racial no Brasil, mais eficaz que o apartheid sul-africano, construiu um racismo que setores poderosos insistem em negar e ignorar solenemente, impedindo a busca de efetivas soluções”.

Com uma trajetória marcada pelo ativismo, Abdias teve como resultado de suas iniciativas importantes desdobramentos na defesa e na inclusão dos direitos dos afrodescendentes brasileiros, como a criminalização do racismo e os processos de demarcação das terras de quilombos.

Em 2005, Abdias do Nascimento, Margarida Genevois, Rose Marie Muraro e Dom Pedro Casaldáliga instituíram o Fundo Brasil de Direitos Humanos.  Em 2006, em São Paulo criou o dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de Novembro. No mesmo ano, recebeu do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador, a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro. Em 2010, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Abdias do Nascimento faleceu em 23 de maio de 2011, aos 97 anos.

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