Homens gays, precisamos estar atento à nossa masculinidade tóxica

FONTEPor Weslley Carvalho, enviado para o Portal Geledés
Ievgeniia/Adobe

Que a masculinidade tóxica sempre foi um problema todos nós sabemos. O que pessoas poucas sabem é que, assim como os heterossexuais, homens gays também podem ser machistas. Porque mesmo que a gente se aproxime, muitas vezes, muito mais das mulheres do que dos homens, por empatia, identificação ou por nos sentir mais confortáveis e aceitos, o machismo é uma norma na qual somos forjados e instruídos da pior forma, e ele não é seletivo ao ser perpetuar. Afinal, recebemos valores e ideias machistas desde a infância, muito antes da descoberta da nossa sexualidade, e crescemos reproduzindo esses comportamentos depois, inclusive, de descobri-la, posto que orientação sexual não é escudo para não reproduzir determinados comportamentos.

E por mais que a gente tente conhecer e entender as pautas feministas, nossa masculinidade, enquanto construção social, sempre estará presente. Não estamos imunes da masculinidade tóxica, colegas, só porque somos gays, mesmo que isso seja visto como sinônimo de progressismo por rompermos com estruturas tradicionais; podemos, e muito, ter comportamentos, falas e atitudes machistas, como muitos outros homens héteros. E temos, aliás. A começar pela negação do nosso próprio machismo porque “somos gays” ou porque “temos muitas amigas mulheres”, como se a discussão tivesse a ver com isso e não com nossas atitudes no dia a dia. Já ouvi isso, e já ouvi também gente que diz que homens gays não são machistas, apenas sofrem com ele.

O que é absolutamente controverso, pois, embora a homofobia também seja um produto do machismo e gays sejam alvos dele, fazemos todos parte de um sistema que claramente não inclui os gays, mas que formam homens para perpetuarem comportamentos machistas e misóginos. Ou seja, todos os homens, independente de sexualidade. Então sim, somos machistas e sim, também sofremos com ele.

Por mais claro que isso possa parecer para algumas pessoas, só comecei a me dar conta dessas questões depois de entender minha sexualidade e me relacionar com outros caras. Antes disso, apenas reproduzia o grande senso comum que diz que as coisas assim porque são. Entrar para os aplicativos foi uma via de mão dupla: encontrei pessoas parecidas comigo e me dei conta, me relacionando com homens gays de todos os tipos, de comportamentos que, pra mim, só eram reproduzidos por homens héteros. Muitos gays, quando descrevem seu perfil nos aplicativos, colocam que só curtem “homens”, colocando gays que não estão dentro do padrão do machão ou gays afeminados como algo inferior e digno de desprezo, e inferior porque remete ao feminino, que é massacrado. É por isso também que gays afeminados chocam tanto a mente de algumas pessoas conservadoras, porque né, onde já se viu um homem não ser machão? Que absurdo!

Muitos caras, aliás, usam o termo “afeminado” de forma pejorativa, quase sendo uma denominação inferior, feia, minúscula. Cansei de encontrar caras que escreviam, com o maior orgulho dessa vida, no perfil deles: “nada contra afeminados, só não curto. Questão de gosto”. Questão de gosto pode até ser, mas pautada pelo machismo, pela reprodução de um comportamento que despreza o que remete ao feminino, que exalta sempre o macho, “semelhantes”, que esquece completamente a origem do movimento LGBT e o quanto ser afeminado sempre foi uma forma de autoafirmação e resistência.

Claro, o machismo tem os pés na homofobia, porque a primeira coisa que se diz sobre um homem que não está dentro dos estereótipos “reprodutor, protetor, provedor, pegador”, um homem que seja sensível, que se interesse por assuntos que não seja os “de homem”, é que ele é um viadinho, mulherzinha, gay, menos homem, como se ser homem, dentro dessa masculinidade tosca, fosse algo para se ter orgulho. Orgulho eu tenho de ser o que sou, sem medo. Mas já perdi as contas das vezes que ouvi que era uma mariquinha por não ser o que se espera de um homem, por gostar de arte e escrever poesia, por ser sentimental demais e sensível, por não fazer do grupo dos garotos, porque haja força para lidar com caras homofóbicos e orgulhoso das coisas horríveis que dizem. Hoje sinto desprezo por quem acha que gay é xingamento, que existe “homem mulherzinha” por ele ser afeminado, e “homem de verdade”, fruto dessa masculinidade tóxica.

Por mais que eu tenha ideias progressistas, já fui machista várias vezes e sei o quão importante é estar atento às minhas falas, ao que ouço das mulheres, entender que a desconstrução é diária e, principalmente, falar sobre a masculinidade tóxica com outros caras, gays, héteros, bi. Acredito, enquanto idealista que sou, que as coisas acontecem em cadeia: se uma pessoa se dá conta de alguma dessas ideias, ela passa pra outra que passa pra outra e assim vamos desconstruindo.

Nos desconstruindo, sobretudo. Revendo nossos comportamentos, discutindo nossa masculinidade e machismo enquanto homens gays e o quão nocivo ele pode ser. Já ouvi muitos comentários machistas de caras gays depreciando outras mulheres pela roupa como se fosse um toque amigo, falando mal do corpo, do cabelo. Já ouvi de gays que se diziam ultra progressistas comentários machistas sobre mulheres lésbicas, reclamando de suas pautas ou esquecendo das outras siglas do movimento, como se a causa gay fosse a mais importante. Gays que falam de feminismo com desprezo, que chamam feministas de feminazi, quando não se acham o mais feminista de todos os homens só porque tem amigas mulheres. Gays que ditam regras sobre o que é e deve ser mulher, silenciando, interrompendo a fala, tratando com inferioridade suas pautas. Bem típico, aliás.

Mais comum ainda talvez seja os comentários relacionados à sexualidade feminina: o nojo escancarado que alguns sentem de vagina — uma forma de criminalizar o corpo da mulher —, as piadinhas que fazem a respeito da menstruação e da própria genitália. Há aqueles ainda que pensam que no fim das contas TODOS os homens são gays e só não descobriram porque, claro, é impossível sentir desejo por mulheres, como já ouvi.

Desconstruidões até a página dois, já soube de caras gays que passaram a mão sem autorização em mulheres na balada, em amigas, que roubaram beijos não consentidos porque acreditam que, já que não sentem atração, tá tudo bem. Já ouvi gay reclamando de baladas que só “tem” mulher, e gays que ficam intrigados quando algumas amigas pegam o cara que eles estavam a fim como se ele fosse muita areia pro caminhãozinho dela, porque onde já se viu? Comportamentos que são normatizados porque somos gays, e ser gay vem como sinônimo de desconstrução, de autorização para certas atitudes. Quem dera. Se fosse, não existiriam gays conservadores que são contra o casamento gay porque o importante é mesmo o amor, já encontrei gays que, ao se assumirem, fazem questão de lembrar o quanto continuam sendo machos, porque é claro que você deixa de ser homem porque é gay.

Tudo isso tem nome e se chama masculinidade tóxica, que provém do machismo, um comportamento estrutural que faz parte da nossa construção. Somos, sim, reprodutores do machismo, colegas gays. Achar que não somos machistas é quase esquecer fomos e somos criados nessa lógica, que somos homens antes de ser gay e que o machismo vem de nós. Disfarçá-lo só piora, e não podemos negar o quanto o nosso machismo é violento. Masculinidade tóxica diz respeito sobre todos os homens, independente de sexualidade. E é sobre isso que precisamos ficar atentos.

Weslley Carvalho, @weslley.etc – é poeta, blogueiro, militante LGBT, escritor e foi colaborador no site “Inumeráveis”.


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