Impressões da entrevista com o presidente Lula

O professor Dennis de Oliveira – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No Blog Quilombo, Dennis de Oliveira reflete sobre as questões do combate ao racismo, genocídio da população negra e o papel das organizações chamadas de neopentecostais na periferia

Por Dennis de Oliveira, da Revista Fórum

O professor Dennis de Oliveira – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na minha carreira de jornalista – que não foi grande, pois me dediquei mais à vida acadêmica – a entrevista que fiz junto com os colegas Renato Rovai e Adriana Delorenzo, na última quarta-feira (11, foi uma das mais importantes. Primeiro, porque Lula é, de fato, a maior liderança popular da história recente do Brasil e, hoje, simboliza a esperança de mudança; e segundo, porque me incomodava muito o fato de temas que considero importantes pouco serem debatidos nas várias entrevistas feitas com ele.

Um dos temas que considero central na agenda política brasileira é o combate ao racismo. Por uma razão muito simples: não se constrói nenhuma democracia de fato se não se levar em consideração 54% da população brasileira.

Países com percentuais muito menores de negros e negras dão mais destaque à agenda antirracista do que o Brasil. Em junho, estive em Nova Iorque, participando de um evento na Fordham University. E, em uma das manhãs, vi no New York Times uma reportagem (na verdade, era já a terceira de uma série) que tratava da falta de diversidade étnico-racial nas escolas secundárias de excelência públicas da cidade.

A reportagem mostrava que a mudança dos sistemas de seleção para essas escolas reduziu drasticamente a presença de negros e hispânicos no seu corpo discente, a ponto de uma das unidades no bairro negro-latino do Bronx ter a maioria absoluta dos alunos de origem asiática. E a reportagem do diário nova-iorquino cobrava providências do poder municipal quanto a isso. Repito: foi uma série de reportagens de páginas inteiras, em várias edições, deste que é um dos jornais mais prestigiados do mundo.

Evidentemente que isso pressiona o universo político a se posicionar quanto ao tema. Favorável ou contrário, a agenda das políticas de ação afirmativa e da diversidade é presente no debate político nos EUA mais do que no Brasil. Mesmo no campo da esquerda.

A primeira pergunta que fiz ao presidente Lula foi referente ao genocídio da população negra, em especial os assassinatos de jovens negros nas periferias. Mencionei o caso de Paraisópolis, o pacote do Moro… Mas, também, o fato de que a violência cresceu durante os governos do PT, mesmo com o avanço nas políticas públicas de ação afirmativa. E, objetivamente, perguntei ao presidente Lula a sua posição quanto à Proposta de Emenda Constitucional 51/2013, de autoria do senador Lindbergh Farias, do PT, que desmilitariza as polícias. E também perguntei ao presidente quanto à necessidade de se mudar a atual política de guerra às drogas.

Lula não deu uma resposta direta. Admitiu que o problema do racismo é fundamental, que tem origens históricas e estruturais e que é necessário um enfrentamento ideológico, já que ele está arraigado na cabeça das pessoas. Citou a importância da Lei 10639/03 (que torna obrigatório o ensino de História da África). Vi que anotou no papel o número da PEC que mencionei. Sinal não só de que ele deve ir buscar informações sobre isso, mas também que não deve fazer parte das agendas das discussões políticas que ele mantém com a direção do seu partido. Em outras palavras, não está entre as prioridades partidárias, apesar de ser uma proposta apresentada por um parlamentar do PT.

Outra questão importante que interpelei o presidente foi quanto ao papel das organizações chamadas de neopentecostais na periferia. O presidente Lula reconheceu o papel deletério dessas organizações, lembrando a campanha de 1989, em que um jornal da Igreja Universal o chamou de “demônio”.

Entretanto, é fato – e pontuei isso – que a Igreja Universal apoiou também Lula e Dilma. Há uma edição desse mesmo jornal da Igreja Universal, em 2010, que tem uma matéria intitulada Dez Razões para votar em Dilma. Fica a pergunta: até que ponto essa aliança pontual não gerou um certo comodismo nas bases da esquerda quanto ao avanço dessas organizações na periferia, que agora são um dos principais elos de sustentação da extrema direita?

E, finalmente, fiquei com a impressão de que um dos principais objetivos que o presidente Lula enxerga nas próximas eleições municipais é aproveitá-las para defender ele e o PT dos ataques que têm sofrido da grande mídia, da Lava Jato e da extrema direita de um modo geral. Por isso, a preocupação de que o PT lance pré-candidatos em todas as cidades importantes, ainda que se discuta alianças a posteriori.

A construção de uma frente progressista ou uma frente democrática mais ampla para resistir ao avanço do fascismo fica subordinada a isso. Quando se critica uma tendência hegemônica do PT, talvez esteja nesse tipo de avaliação. Em uma conjuntura de avanço sobre os direitos dos trabalhadores, aos direitos civis e democráticos e destruição do Estado Nacional, será que a defesa do PT é o centro? Fica a questão para refletir.

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