Influenciadoras negras lutam para ser valorizadas pelas marcas

FONTEPor Yumi Kuwano, do A Tarde
Najara Black ficou conhecida por causa da marca de roupas (Foto: Rafael Martins)

Ao navegar pelo Instagram é possível encontrar muitas pessoas que trabalham produzindo conteúdo digital sobre diversos assuntos. Um nicho que fez muito sucesso nos últimos anos foi o das influenciadoras de moda, beleza e do chamado lifestyle (estilo de vida). Essas mulheres são pagas por marcas para divulgar seus produtos por causa da sua influência e popularidade.

Antes, era muito comum a escolha de um influenciador para divulgar a empresa avaliando apenas o número de seguidores do seu perfil. Atualmente, com as novas métricas da plataforma, que são constantemente atualizadas, isso vem mudando. No entanto, o boom das influenciadoras digitais no Instagram se deu em um mercado dominado por mulheres brancas.

Com o passar do tempo e com a profissionalização dessa prática, os influenciadores começaram a atingir outros públicos e, consequentemente, a plataforma ganhou criadores de conteúdo mais diversos. Mulheres negras conquistaram um local importante e se tornaram reconhecidas também nestes espaços, mas nem tudo é glamour e o preconceito é enfrentado no cotidiano dessas mulheres.

Negra, gorda e da periferia, como ela mesma diz, Najara Black, 36, filha de mãe solteira e nascida em Cruz das Almas, tornou-se conhecida na internet a partir da sua marca de roupas. A estilista criou, em 2005, a NBlack e começou a ser reconhecida por realizar palestras sobre o seu negócio. Há dois anos percebeu que precisava separar a “Najara” da “dona da empresa” e criou o seu perfil pessoal, por causa do interesse de outras marcas em fechar contratos de parcerias e propagandas.

Tensionando estruturas

Atualmente com seis mil seguidores, Najara é uma nanoinfluenciadora – termo dado para perfis com menos de 10 mil seguidores –, mas conta que já fez trabalhos com empresas grandes, como a Google. “Eu acho que as pessoas buscam quem é de verdade. Tem muita gente que não é de verdade nas redes sociais, que não passa o que realmente vive. Acho que as pessoas e as marcas gostam de mim porque sou eu mesma”, analisa.

Com um conteúdo atrelado à moda e ao empreendedorismo, Najara diz ajudar outras mulheres na aceitação do próprio corpo, dando dicas de como se vestir bem. “O meu conteúdo é coerente e eu gero engajamento. Procuro transmitir sempre inspiração e força para outras mulheres que, assim como eu, passaram por questões delicadas ao longo da vida”, conta.

Apesar da pouca idade, Adriany Stefany, 20, já passou por poucas e boas no mundo aparentemente glamuroso dos influenciadores digitais. Para ela, a desvalorização dos negros no mercado de influência é enorme. Na sua experiência, em cerca de 70% dos contratos que fechou com empresas, entre grandes e pequenas marcas, houve uma diferença em relação ao valor pago quando comparado a mulheres brancas que fizeram o mesmo trabalho. E isso ela sabe apenas depois, nos bastidores, ao conversar com as colegas.

“A cada dia que passa fica mais difícil ser criadora de conteúdo negra, porque a gente tem que trabalhar o triplo para ter o mesmo reconhecimento, tratamento e pagamento. Tem que ser três vezes melhor para chegar ao patamar de uma blogueira branca”, observa.

Ela conta que já soube de casos de colegas brancas que recebiam uma proposta de contrato de R$ 30 mil, enquanto as negras recebiam a mesma proposta por R$ 5 mil. “É como se seu trabalho não valesse aquilo tudo, sabe? Sempre me sentia para trás”, diz.

Além do pagamento, a diferença na forma de tratamento sempre foi visível para Adriany. “Vi desde o início a distinção entre mim e outras meninas que tinham os mesmos números e eram brancas. Chegam a falar em beleza exótica para nós. Não somos exóticas, somos normais, como qualquer outra”, desabafa.

Proporcionalidade

Formada em letras, Joanna Guerra, 36, é seguida por 31 mil pessoas e no seu perfil aborda principalmente cuidados com o cabelo e com o corpo, com foco na saúde mental. Em seu meio, ela diz que o racismo se manifesta em diversos momentos:

“Você encontra representatividade, mas não encontra proporcionalidade”, analisa, sobre os diversos eventos e campanhas de que participou, em que, de 10 influenciadoras, apenas uma era negra.

Para ela, trabalhar exatamente com o mesmo conteúdo e qualidade que influenciadoras brancas também não é o suficiente para ter sucesso e reconhecimento. “A questão é: duas blogueiras, uma negra e outra não, que se dedicam da mesma forma, para qual delas surgirá mais oportunidades?”, questiona.

Ela também atribui isso à falta de posicionamento das criadoras de conteúdo na internet: “Vemos muitas negras que não se posicionam, que não se colocam em relação à cor da pele”. Nas suas redes, o assunto se faz presente nas indicações de filmes e livros, em datas históricas e ao repercutir episódios noticiados de racismo.

“Como o racismo é estrutural, é mais fácil você ter sucesso sendo uma pessoa branca, assim como em todas as esferas da sociedade, mesmo produzindo um conteúdo que é mais do mesmo, que não dialoga com a realidade e mostra um estilo de vida inalcançável”, diz Joanna, sobre o tipo de criadores de conteúdo que têm uma maior adesão tanto do público quanto das marcas.

Cota

Najara também já passou por alguns problemas durante sua carreira: “Nós somos a cota. Sempre colocam uma para não dizer que é uma empresa racista”. Em um dos seus trabalhos com publicidade, a agência contratada ofereceu um valor muito baixo e foi questionada por ela e pelas colegas.

Apenas pela pressão, a agência aumentou o valor do pagamento, mas a influenciadora afirma saber que, mesmo assim, ainda foi abaixo do valor de mercado. “Isso é algo que acontece muito. Em uma campanha feita por uma mulher negra, com certeza ela vai receber bem menos do que uma pessoa branca”, reforça.

Ela se indigna ao dizer que ainda precisa bater na tecla que é competente e que deve ser valorizada pelo seu trabalho: “Só cheguei aonde estou por causa do meu trabalho e quero ser respeitada por isso”.

Nesse sentido, agências e assessorias vêm auxiliando nesse processo de valorização e negociação dos contratos. “É importante porque elas negociam de forma justa e nós precisamos de alguém que entenda os dois lados, o que nós passamos até chegar aqui e quanto vale o nosso trabalho”, observa Najara.

Assim surgiu As Min(as). Criada por Dayane Oliveira e Letícia Sotero, a agência baiana de marketing de influência se dedica a cuidar e gerenciar carreiras apenas de influenciadores negros. O objetivo é conectar marcas com criadores de conteúdos negros ou periféricos para dar mais visibilidade a essas pessoas, também como uma forma de combate ao racismo.

Dayane conta que a motivação para a abertura da empresa foi a falta de representatividade no mercado de Salvador percebida pelas sócias. “Nossa agência trabalha em uma perspectiva de educar os influenciadores, de posicioná-los no mercado e fazer essa conexão com as marcas”, explica.

De acordo com ela, o papel da agência é fazer com que a população se sinta representada na mídia e na comunicação, por isso a empresa, criada há quatro meses, busca potencializar a inclusão, a diversidade e a visibilidade da comunidade negra.

Ataques

Além de lidar com o preconceito das empresas, Najara ainda recebe alguns comentários preconceituosos, que, além de racistas, são machistas. “Não acontece de forma escancarada, mas velada. Recebo algumas mensagens com comentários maldosos no Instagram”, comenta.

Stefany também sofre com os ‘haters’. De acordo com ela, é comum pessoas utilizarem perfis falsos para atacá-la nas redes sociais: “Apesar de me indignar com isso, hoje eu não respondo, não faço nada. Quando vejo algo assim, leio e apago”.

Ela explica ainda que dentro dos próprios grupos de influenciadoras negras há distinção e competição de qual delas é melhor para as propagandas.

As negras de pele mais clara costumam ser as preferidas: “Eu reconheço meus privilégios com a minha cor e o meu cabelo, eu tenho a pele mais clara, o cabelo bem definido e sei que isso me favorece”.

Stefany começou na internet como youtuber, em 2016, quando não existia muita referência sobre cabelos cacheados e crespos. No início, ela não tinha intenção de fazer sucesso e que isso se tornasse uma profissão. Atualmente, tem 126 mil seguidores e reconhece que mulheres negras que produzem conteúdo sobre cabelo cacheado são mais valorizadas.

Para Joanna, assuntos relacionados ao cabelo e maquiagem para pele negra sempre estão em alta, por uma questão de representatividade e identificação.

“Eu acho que tem a ver com a retomada do traço identitário, do cabelo natural e sem química. São meninas iguais a você, falando sobre coisas que você vive. Antes a gente não via essa representação, agora existe”, explica.

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