Intelectuais negros pensam a Independência em novo livro do selo Sueli Carneiro

Coletânea conta com a participação de Conceição Evaristo e outros nomes importantes

FONTEPor Djamila Ribeiro, da Folha de S. Paulo
Ilustração de Linoca Souza para texto de Djamila Ribeiro - Linoca Souza

Foi lançado nesta semana o livro “A Resistência Negra ao Projeto de Exclusão Racial – Brasil 200 Anos”. Organizado pelo professor e doutor Hélio Santos, o livro reúne textos de 34 intelectuais negras e negros de diversas regiões do país para refletir sobre os 200 anos da Independência do Brasil.

O livro foi lançado pela editora Jandaíra, no selo Sueli Carneiro, o qual tenho a alegria de coordenar e cujo nome homenageia a grande pensadora negra que também contribui com um texto nessa produção. O selo tem trabalhado nos últimos anos pela publicação de mulheres e homens negros e, com a obra, alcança seu 21º título em três anos de história.

Quando o professor Hélio me ligou no meio deste ano para apresentar sua ideia, o sentimento foi que esse livro já havia acontecido no plano espiritual. Faltava vê-lo materializado na Terra, mas muito trabalho seria necessário. Para que fosse possível, dependeríamos de uma atuação memorável por parte de Lizandra Magon, diretora-executiva da Jandaíra, trabalho este que foi realizado com louvor.

Como dizem, o que é para ser vem com muita força. O projeto contou com o suporte financeiro do Instituto Çarê, que desde 2019 se dedica a preservar e difundir acervos brasileiros relevantes. As pessoas convidadas entregaram textos inéditos a tempo de serem publicados —feito que deve ser creditado à irresistível força gregária do professor Hélio.

Contribuem para este livro intelectuais fundamentais para a compreensão do Brasil, como Conceição Evaristo; Kabengele Munanga; Zélia Amador de Deus; a relatora-geral da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, Edna Roland; os escritores Ana Maria Gonçalves, Cuti e Elisa Lucinda; e colegas brilhantes desta Folha, como Cida Bento e Michael França.

Destacam-se textos de acadêmicas e acadêmicos fundamentais de várias gerações e regiões do país que tratam dos mais variados temas contemporâneos para a população negra, como também leituras críticas sobre o que, de fato, representou o grito de independência no Brasil. Quem gritou independência? E independência para quem?

E o livro, claro, conta ainda com um texto memorável do professor Hélio Santos sobre um novo acordo para a equidade racial no Brasil. Trata-se de um manifesto contundente e pormenorizado por um marco de bem-estar sociorracial.

“Esta coletânea sonha inspirar um novo acordo para a equidade racial; me refiro a um New Deal customizado para o Brasil, país de maioria negra. Trata-se de construir não o Estado do bem-estar social padrão, mas o Estado do bem-estar sociorracial, que é o caminho adequado para nos levar a um patamar civilizatório condizente com o de um país rico, de dimensões continentais”, afirma o professor Hélio Santos em seu texto.

Foi com muita satisfação que pude contribuir com um texto sobre a urgência de democratização das mídias. Desenvolvi meu argumento a partir de uma noção de Osmar Teixeira Gaspar, grande pensador negro que nos deixou na pandemia, mas cujo legado sobre a necessidade de debatermos mídias e concessões está mais atual do que nunca.

No artigo, falo sobre a importância da construção da memória coletiva e do direito de contar essas memórias. Conto sobre como fiquei irritada com a novela “Nos Tempos do Imperador” —pelo que considerei uma afronta ao trazer a romantização dos tempos coloniais nos tempos atuais e também pelo fato de a população negra não ter meios de fazer sua própria novela e contar sua narrativa.

A partir da noção do professor Gaspar em seu livro “Mídias: Concessões e Exclusão”, argumentamos como a população negra brasileira está sendo submetida a uma censura nos meios de comunicação, por ter obstadas diversas formas de representação nas mídias, que são concessões públicas. Nas palavras do próprio professor Gaspar: “A democratização dessas concessões, por outro lado, permitiria aos próprios negros corrigir as intencionais distorções de sua imagem como grupo social.”

Trata-se de uma abordagem gaspariana do debate de democratização das mídias, ultrapassando a discussão sobre um maior equilíbrio nas perspectivas políticas da imprensa. A abordagem gaspariana vai além: posiciona o debate na urgência de a população negra estar representada em todas as esferas da sociedade brasileira, inclusive na posição de falar por si.

E é essa contribuição que deixo neste livro fundamental para pensar a nação nos 200 anos de independência.

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