Itamar Assumpção é celebrado em São Paulo no Dia da Consciência Negra

Célebre músico da vanguarda paulistana ganha homenagem no Centro Cultural da Penha, bairro em que escolheu para viver em São Paulo, e que inclui exposição, orquidário e até uma estátua

FONTECNN, por Alexandre Matias
Exposição abre neste sábado, com show de Renato Gama, e fica até o dia 25 de janeiro (Imagem: Gloria Flugel)

Sábado é Dia da Consciência Negra e entre os muitos eventos que celebrarão esta data há um deles que consagra um dos principais nomes da cultura brasileira com uma exposição que reforça sua importância. O mago paulista Itamar Assumpção (1949-2003) ganha uma ocupação no Centro Cultural da Penha, em São Paulo, que traz para fora da rede, pela primeira vez, o acervo do Mu.Ita, o primeiro museu virtual dedicado a um artista negro brasileiro.

Lançado exatamente há um ano por sua filha, a cantora e compositora Anelis Assumpção, o acerto dá seu primeiro passo rumo à vida offline. A exposição abre neste sábado, com show de Renato Gama, e fica até o dia 25 de janeiro do ano que vem.

“Não é a primeira exposição feita em homenagem ao Itamar”, lembra Anelis, fazendo referência à Ocupação Itamar Assumpção, lançada há quase dez anos no Itaú Cultural, que coincidiu com o lançamento do documentário “Daquele Instante em Diante”, dirigido por Rogério Velloso, e o livro “Cadernos Inéditos”, que reunia anotações do lendário músico que mudou a cara da produção musical paulistana, quando despontou em meio à cena que girava ao redor do teatro Lira Paulistana, no início dos anos 1980.

“Essa exposição que a gente vai fazer no Centro Cultural da Penha é um reflexo direto do museu virtual em relação à identidade visual, acervo e todo o aprendizado que a gente teve até aqui. É uma pequena amostra da exposição de longa duração que tem dentro do museu, que se chama Afrobrasileiro Puro”, continua a filha do homenageado, elencando alguns itens que virão a público, como documentos pessoais, fotos de família, LPs originais, roupas, vídeos, além de um orquidário feito por sua mãe, Elizena Brigo de Assumpção, viúva de Itamar.

“O orquidário Ita é um pequeno convite de imersão ao lado mais pessoal do Itamar”, continua Anelis. “Foi uma ideia que a gente teve para criar essa ambiência, essa relação mais íntima com o Ita e com a simplicidade de sua vida. Quem o conhece sabe de sua adoração por orquídeas, tanto que ele batizou uma de suas bandas de Orquídeas do Brasil. Ele era um grande conhecedor da flor e um botânico autodidata. E os dois, ele e minha mãe, eram muito dedicados ao jardim de casa, tinham muitos momentos de cultivo, eles faziam híbridas, ele polinizava com cotonete pra criar espécies, algumas foram bem sucedidas. E é minha mãe que está montando, feito de coração e com o coração, com amor e com honra.”

Além dos itens do acervo e do orquidário, outra homenagem será a inauguração de uma estátua em homenagem ao artista, um projeto da Secretaria de Cultura de São Paulo para celebrar personalidades negras. Além da estátua de Itamar, que deverá ficar no Centro Cultural da Penha a partir de dezembro (a data da inauguração ainda não foi divulgada), outros grandes nomes da cultura negra brasileira também serão homenageados, como Carolina Maria de Jesus, Adhemar Ferreira da Silva, Madrinha Eunice e Geraldo Filme.

Itamar e Alzira E. cantam durante show na Funarte (Imagem: Vange Milliet)

Anelis explica que a estátua não foi uma iniciativa da família, mas está feliz em ver seu pai ganhando uma homenagem tão sólida. Ela conheceu o escultor, o artista mineiro Leandro Júnior, que contou com dicas da família do artista para materializá-lo como estátua. “Foi muito bonito vê-lo trabalhando, ele precisava de referências estéticas e de postura e forma. Que cabelo? Que época? Que fase? Que Itamar a gente quer eternizar? Pra mim é bem emocionante falar disso porque é quase irreal. É muito grande e importante o Itamar ter sido escolhido para ser um símbolo por sua contribuição para cultura e para a arte, como homem negro e habitante dessa cidade. A gente está bem feliz e a obra é linda demais.”

“Na certa ele iria fazer alguma piada, criar algum trocadilho engenhoso, totem tabu, xabu, qualquer coisa assim”, brinca o guitarrista Luiz Chagas, que tocou em alguns discos clássicos de Itamar e o conheceu bem de perto, sobre o fato do amigo ganhar tal homenagem. “Mas acima de tudo ia sentir orgulho: ele sempre teve orgulho de seu trabalho, de ser reconhecido. Eu particularmente acho que devia haver uma estátua na Penha e outra na praça Benedito Calixto, onde ficava o teatro Lira Paulistana, onde ele se consagrou. Ou dois hologramas, um em cada bairro. Ele vivia reclamando da distância, do tempo que perdia se locomovendo de um para o outro. Queria apertar um botão e estar em Pinheiros, apertar de novo e estar na Penha. Muito moderno, alta tecnologia era o que queria.”

Chagas celebra a homenagem ao amigo. “O Itamar, em vida, sempre teve o reconhecimento por parte de setores culturais, tanto da mídia quanto da indústria, e até mesmo oficiais. Depois que ele se foi isso foi aumentando. Mas nunca foi um reconhecimento de massa, porque ao mesmo tempo em que ele se relacionava com nomes e instituições importantes, ele não aparecia na televisão nem era cogitado para cerimônias, homenagens, sessões formais.”

Também é importante o fato desta homenagem acontecer na Penha, bairro escolhido por Itamar para morar em São Paulo, depois que ele chegou do interior do Paraná, onde foi criado, após nascer na cidade de Tietê, no interior. “A relação do Itamar com a Penha é conhecidíssima, ele escolheu esse bairro para viver na década de 1970 quando se casou com a minha mãe, que já morava no bairro – ele conheceu o bairro graças a ela, se apaixonou e lá ele quis ficar”, lembra Anelis.

“O Brasil precisa conhecê-lo porque seu trabalho é de uma atualidade que se renova a cada audição – é o tal do atemporal”/ Gloria Flugel

A filha elenca os motivos que o fizeram estabelecer-se no bairro. “Embora seja periférico, é um bairro muito residencial, tranquilo, com pouco comércio – hoje em dia não mais, que tem shopping, muito comércio, lojas de pet gigantes -, mas lá atrás, ele precisava dessa referência desacelerada, diferente do clima central da cidade.”

“E quem conhece a Penha sabe que ele tem um astral muito gostoso, bonito e simples – além da pretura do bairro, que hoje tem uma grande comunidade boliviana, mas que, na década de 1970, era um dos bairros com a maior população negra da cidade”, lembra Anelis, que também puxa pela memória uma temporada que o pai fez por três meses no Teatro Martins Pena, que fica no próprio Centro Cultural da Penha. “Foi muito simbólico e importante pra gente buscar esse aparelho de cultura para colocar pela primeira vez essa exposição de forma física. Está tudo escrito, né?”

Chagas segue explicando a importância de seu parceiro de vida para a cultura brasileira. “O Brasil precisa conhecê-lo porque seu trabalho é de uma atualidade que se renova a cada audição – é o tal do atemporal. Não foi à toa que ele chamou a atenção de gente como Jorge Mautner, Walter Franco, Jards Macalé, Luiz Melodia, Hermeto Pascoal, Paulo Moura, Zuza Homem de Mello e José Ramos Tinhorão – figuras a um tempo inflexíveis e generalistas”, lembra o guitarrista.

“Seus discos devem ser ouvidos porque mais do que um produto, ou seja o disco e a canção, o que é louvável no trabalho de Itamar é o seu caráter, o preciosismo musical, o requinte das letras, a ousadia comandando tudo, trazendo do discurso de pé na porta à poesia apaixonada ao pé do ouvido – a emoção em pé de guerra e o coração com o pé na estrada. E, de repente, todo o resto se torna um pé no saco. É só colocar um pé dentro. Um som que pede para ser ouvido”, brinca Luiz.

O museu virtual não teve novidades esse ano, mas Anelis espera que em 2022 amplie ainda mais sua atuação, listando possibilidades como podcasts, novas exposições e um programa educativo para crianças e adolescentes da rede pública. “Estamos abertos a propostas, parcerias e apoios”, conclui Anelis.

Mu.Ita Ocupação Centro Cultural da Penha
11h Abertura da exposição Afrobrasileiro Puro e inauguração do Orquidário ITA
15h Show com Renato Gama, com participação de Anelis Assumpção
Centro Cultural da Penha: Largo do Rosário, 20 – Penha de França, São Paulo
*O show será gratuito e os ingressos serão distribuídos uma hora antes da apresentação, sujeito a lotação da casa. Os protocolos de segurança da Prefeitura de São Paulo e do Governo do Estado de São Paulo em relação à Covid-19 deverão ser rigorosamente seguidos.

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