Janeiro branco e as demandas pretas

FONTEPor Cristiane de Souza Reis, enviado para o Portal Geledés
Nadia Snopek/Adobe

A típica frase: “Ano novo, vida nova” nunca foi tão descontextualizada considerando as experiências pandêmicas começadas em 2020. Quiséssemos que ao final da contagem regressiva o vírus fosse exterminado automaticamente ou que uma vacina fosse a primeira dose “tomada” no lugar do gole de espumante. 

Mas é a vida real e falamos de sobrevivência e, para os negros, a pandemia do Covid-19 veio como agravante às diversas lutas desiguais diárias. E por isso, é indispensável, no mês de janeiro ao pensar a saúde mental e emocional das pessoas, dar enfoque mais acentuado à população preta pela somatização aguda de sintomas oriundos das mais diversas carências e ausências de condições sociais e psicológicas negadas e não garantidas a essa população, além do racismo de cada dia.

Fosse simples na prática(re)escrever uma história como propõe o cerne contextual de um novo ano que inicia, para os negros funciona diferente, pois sempre  falta o que de fato os diferencia dos demais indivíduos: oportunidade equitativa nos diversos setores e segmentos sociais.

Negros são pessoas reais, mas que em sua grande maioria, parecem personagens a encenar constantemente um mesmo filme a exemplo de mulheres negras que começam o ano desempregadas ou voltam aos trabalhos subalternos e sem perspectiva de crescimento. Negros que têm sobre os ombros o peso do esgotamento profissional por terem sempre que render mais que brancos e até que a própria força física e mental para provar suas capacidades, acrescido à sua bagagem atos racistas. 

Pais negros endividados, não pelas festas de fim de ano, mas por serem os primeiros na lista dos demitidos. Os que vivem a angústia junto dos filhos que buscam sem sucesso o primeiro emprego ou não consegue  ingressar na faculdade almejada, por não poderem se dedicar em tempo integral aos estudos, em virtude do trabalho, e optam por uma segunda opção quando conseguem ingressar, pois muitos precisam trocar a caneta pela picareta e se entregar ao trabalho braçal como forma de sobrevivência sem outras expectativas. 

E o que dizer dos guerreiros na linha de frente contra o Covid-19 nos serviços essenciais da saúde e outros segmentos que mesmo em meio ao caos não estão isentos do racismo e de preconceitos, além de não terem em muitos casos as garantias necessárias de proteção de suas vidas e estarem esgotados fisicamente, destruídos mental e emocionalmente, precisam suportar o bombardeiro biológico em meio ao caos social.

Esse cenário, com ou sem pandemia, requer investimento estratégico na saúde mental e emocional a partir de um novo olhar frente aos diferentes critérios excludentes e desumanos que diferem os negros. E uma certeza precisa ecoar nas famílias, instituições educacionais, sociais e autoridades em geral, num ato coletivo: o cuidado com a saúde mental e emocional com start na infância e no cuidando de todas as esferas responsáveis pela formação plena e de base especialmente das nossas crianças pretas, pois as experiências que as definem como adultos mental e emocionalmente saudáveis ou totalmente enfermos, tendo como resultado doenças físicas graves e muitas vezes irreversíveis, são gestadas na infância e incidem ao longo de toda sua vida, portanto, investir na base é tudo!

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

-+=
Sair da versão mobile