Jovem, talentoso e negro

Aspirações representam um mecanismo complementar para lidar com a pobreza e gerar mobilidade socioeconômica

FONTEFolha de São Paulo, por Michael França
O economista Michael França - Foto: Bruno Santos/Folhapress

O que é talento? Essa palavra, que se popularizou nas últimas décadas, ainda não tem uma definição consensual. Para alguns, talvez os mais arrogantes e egocêntricos, o melhor significado para o termo tende a ser aquilo que eles veem no espelho ou algo parecido.

Outros confundem talento com posição social. Esquecem a influência do dinheiro e de outros fatores nas trajetórias individuais. Ignoram que uma parcela daqueles que nasceram em famílias mais abastadas teve quase toda a sociedade trabalhando para eles, mas, ao mesmo tempo, isso gerou um desincentivo para que avançassem. Muitos se acomodaram e não desenvolveram todo o seu potencial.

Porém, talento é algo diferente. É aquilo que surge de uma combinação bem orquestrada das escolhas, do esforço individual e dos investimentos que cada um recebe da família e da sociedade. Isso faz com que desenvolvamos habilidades distintas, cujos retornos são não só individuais mas também coletivos.

O esforço e as escolhas estão associados às aspirações. Aspirações estas que são moldadas de acordo com nossas experiências e oportunidades. Aqueles que cresceram em ambientes mais estruturados desfrutam de maior liberdade para escolher o que almejar. Muitos destes possuem o privilégio de alcançar determinados objetivos empregando menor esforço.

No caso dos mais desfavorecidos, o cenário é diferente. Eles costumam ter suas pretensões de atingir um futuro promissor subtraídas. Para estes, determinadas trajetórias são tão distantes que muitos nem sequer sonharam com a possibilidade de tentar.

Isso é um problema. Para além da questão de justiça social, também há desdobramentos socioeconômicos relevantes. A marginalização de uma parcela da sociedade influencia diretamente as suas aspirações e, consequentemente, os resultados atingidos.

Estes, quando olham ao seu redor, geralmente, não têm em quem se espelhar. Quando olham para o futuro, independentemente do nível de dedicação, as possibilidades de avanço não geram entusiasmo. Tal fato abala as expectativas e pode acabar gerando uma profecia autorrealizável.

Entretanto, intervenções que afetem as aspirações representam um mecanismo complementar para lidar com a pobreza e gerar mobilidade socioeconômica. Conexões de pessoas de diferentes classes sociais e níveis educacionais, por exemplo, ajudam a melhorar o acesso às redes de contatos e ampliar o conhecimento. Isso afeta as perspectivas sociais não só dos mais pobres como também dos ricos.

As políticas voltadas para democratizar o acesso ao ensino superior representam um modelo nesse sentido. Além de gerar maior integração entre grupos que antes não dialogavam, elas também contribuem para a ascensão social de uma parcela esquecida da sociedade.

Milhares de jovens desfavorecidos ultrapassaram as mais variadas barreiras e estão virando modelos sociais para outros que se encontram em posições de desvantagens socioeconômicas. Além disso, também estão ajudando a quebrar diversos estereótipos enrustidos no nosso tecido social, enquanto pavimentam o caminho para que o progresso de outros seja menos custoso.

O texto é uma homenagem à música “To Be Young, Gifted And Black”, de Nina Simone e Weldon Irvine.

-+=
Sair da versão mobile