Julgamento no TSE pode aumentar espaço de mulheres negras na política

A demonstrator takes part in a protest against the shooting of Rio de Janeiro city councillor Marielle Franco one month after her death, in Sao Paulo, Brazil, April 14, 2018. The note reads "Racism". REUTERS/Nacho Doce

Das 66 mulheres no Congresso, apenas 10 se declaram pretas ou pardas.

Por Marcella Fernandes Do Huff post Brasil

NACHO DOCE / REUTERS

“A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda”, afirma a pesquisadora Marjorie Chaves.


“A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda”, afirma a pesquisadora Marjorie Chaves.

Das 66 deputadas e senadoras com mandato federal hoje, apenas 10 se declaram pretas ou pardas, de acordo com dados da Justiça Eleitoral. O cenário, contudo, pode mudar. Uma consulta protocolada na última quinta-feira (14) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pede que metade da cota do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral estabelecida para candidaturas femininas seja destinada a mulheres negras.

Em maio, o TSE determinou que 30% dos recursos do Fundo Eleitoral devem ser gastos em campanhas de mulheres, em resposta a uma consulta da bancada feminina. Em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu no mesmo sentido sobre o Fundo Partidário, com base no percentual de cota de candidaturas por gênero.

De acordo com a Lei das Eleições, pelo menos 30% das candidaturas de cada sigla deve ser de um dos gêneros.

Neste ano, os partidos terão R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral. Já o valor do Fundo Partidário varia. No ano passado, foram repassados R$ 741 milhões às siglas.

A consulta foi protocolada pela ONG Educafro e tem apoio de 16 parlamentares, cujas assinaturas foram coletadas no plenário das Casas. A lista inclui os deputados Benedita da Silva (PT-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Orlando Silva (PCdoB-SP), Jô Moraes (PcdoB-MG), Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF), Bebeto Galvão (PSB-BA), Alessandro Molon (PSB-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ), Jean Willys (PSOL-RJ), Laura Carneiro (DEM-RJ), Zenaide Maia (PR-RN) e Sérgio Reis (PRB-SP) e os senadores Paulo Paim (PT-RS), Regina Sousa (PT-PI) e Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).

De acordo com o documento, o atual funcionamento do sistema eleitoral reforça o racismo estrutural no Brasil. “Quanto mais alto o cargo, menor a participação de negros concorrendo e, por consequência, menor a representatividade nas diversas funções políticas, o que faz questionar realmente qual o nível de legitimidade das escolhas possíveis dentro do quadro ora apresentado”, diz trecho da consulta sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

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Negra e nascida na Favela da Maré, o histórico e os projetos de Marielle são em torno de políticas públicas voltadas para as mulheres, incluindo creches com horários noturnos, aborto seguro e combate à violência sexual.


Mulheres negras na política

Das 53 deputadas federais, Benedita da Silva e Tia Eron (PRB-BA) são as únicas que se declararam negras, de acordo com dados do TSE de 2014. Outras 7 deputadas se declararam pardas naquele mesmo ano: Jô Moraes, Alice Portugal (PCdoB-BA), Janete Capiberibe (PSB-AP), Luana Costa (PSC-MA), Luciana Santos (PCdoB-PE), Professora Marcivânia (PCdoB-AP) e Rejane Dias (PT-PI).

No Senado, Fátima Bezerra (PT-RN) se declarou parda nas eleições de 2014. Não há dados no sistema do TSE sobre as eleições de senadoras em 2010.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unb (Universidade de Brasília), Marjorie Chaves, chama atenção para mecanismos do racismo institucional e para o impacto em direitos de mulheres negras. “Enquanto mulheres negras, alguns espaços ainda nos são negados e a gente não vai ver isso escrito em lugar nenhum. A gente não vai ver isso exposto em lugar nenhum porque isso está na estrutura”, afirmou em audiência pública na Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (13).

A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda.Marjorie Chaves

A pesquisadora citou dados do Mapa da Violência 2018. De acordo com a pesquisa, em 2016, a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que entre as não negras (3,1), uma diferença de 71%. Em relação aos 10 anos da série, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%.

Na audiência também foi lembrado o nome da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ), assassinada em março no Rio de Janeiro. “Ela estava em um lugar outro, que não era comum para nós mulheres negras. Ela era uma fraonta e por isso mesmo que acredito que tentaram calar sua voz”, afirmou Chaves.

Negra e nascida na Favela da Maré, o histórico e os projetos de Marielle são em torno de políticas públicas voltadas para as mulheres, incluindo creches com horários noturnos, aborto seguro e combate à violência sexual.

Outra referência na área, a deputada Benedita da Silva, primeira negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro, em 1982, defendeu novas estratégias de ampliar representatividade e o protagonismo. “A violência política é uma violência que fere a sua liberdade, democracia e soberania. Esse país é nosso e principalmente nosso das mulheres e majoritariamente das mulheres negras”, afirmou.

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