No início deste mês que chamamos de “Julho das Pretas“, destaco Beatriz Nascimento, um ícone do movimento de mulheres negras, que publicou seu primeiro artigo no dia 25 de julho de 1976, segundo tese de doutorado de Gisele dos Anjos.
Pode ter sido uma coincidência, mas, anos depois, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, ocorrido na República Dominicana, foi instituído o 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Afro, Latina e Caribenha.
No Brasil, o Julho das Pretas foi cunhado em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra.
No artigo “A mulher negra no mercado de trabalho”, publicado em 1976, Beatriz discute as continuidades da “herança escravocrata” no contexto pós-abolição, que limitavam as mulheres negras às atividades mais subalternizadas da sociedade, especialmente o trabalho doméstico.
Em outro texto, escreveu sobre como as opções para a população negra eram limitadas, sendo as “únicas alternativas para a ascensão social: jogador de futebol ou sambista”.
Infelizmente, essa abordagem ainda é muito atual, pois as oportunidades de inserção e ascensão qualificadas ainda são um desafio para as mulheres negras.
As dinâmicas de poder instituídas na sociedade brasileira cristalizaram a representação das mulheres negras como empregadas domésticas, babás, cuidadoras, auxiliares de enfermagem, educadoras em creches, professoras de educação infantil ou mesmo assistentes sociais.
Não é coincidência que as mulheres negras estejam majoritariamente representadas em profissões de cuidado que são, por sua vez, socialmente desvalorizadas e historicamente precarizadas. Mudanças nesse cenário vêm ocorrendo e precisam ser lembradas, mas ainda são pontuais e ocorrem lentamente.
E a transformação desse contexto de desigualdades é um dos temas centrais do Julho das Pretas, período em que ações coletivas de organizações de mulheres negras destacam a incidência política e o protagonismo empreendido pelas mulheres negras em diferentes esferas, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
Essa data, 25 de julho, marca também o Dia de Tereza de Benguela, uma das inúmeras mulheres que lideraram quilombos no nosso país. Tereza liderou o Quilombo de Quariterê, localizado no Vale do Guaporé, no Mato Grosso, entre 1750 e 1777.
Símbolo de contestação e força, ela construiu e comandou um movimento de resistência à escravidão por duas décadas, lutando pela liberdade do seu povo. Dessa forma, além de celebrar a figura de Zumbi dos Palmares, a população também tem a oportunidade de conhecer e aprender com a história de Tereza de Benguela do Quilombo do Quariterê.
É fundamental destacarmos esse protagonismo de mulheres negras, focalizando esse segmento que é majoritário na população brasileira, mas permanece oculto em nossos livros de história.
Nesse sentido, importa enfatizar em nosso Julho das Pretas pessoas como a historiadora Beatriz Nascimento, nordestina de Sergipe, que teve sua carreira acadêmica interrompida em 1995, vítima de um crime de feminicídio quando cursava mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ.
Com produção intelectual variada, Beatriz revelava um interesse particular no tema dos quilombos e nas questões que envolvem a intersecção entre gênero e raça.
Assim é que ela escreveu textos sobre os desafios do mercado de trabalho para as mulheres negras, sobre resistência cultural, feminismo e produziu ensaios sobre o filme “Xica da Silva”, de Cacá Diegues. Ficou inacabado, em seu acervo, “O papel da mulher nos quilombos brasileiros: Resistência e vida”.
Por fim, importa salientar que a luta é para que que o Julho das Pretas possa ajudar o Brasil a se tornar um lugar melhor, mais justo e digno para toda a sua população.
Esta coluna foi escrita em parceria com a historiadora Gisele dos Anjos