Juliano Moreira

Juliano Moreira (Foto: Imagem retirada do site Gazeta do Povo)

O Professor Juliano Moreira nasceu a seis de janeiro de 1872 na Freguesia da Sé, hoje o centro antigo da cidade do Salvador, na Bahia. Seu pai, o português Manoel do Carmo Moreira Junior era inspetor de iluminação pública. Seu trabalho era verificar se os trabalhadores acendiam os lampiões de ferro pelas ruas e calçadas da cidade. Galdina Joaquim do Amaral, sua mãe trabalhava como doméstica na casa do Barão de Itapuã, Adriano Gordilho, renomado médico baiano. São escassos em seus limitados biógrafos os dados relativos à sua infância e meninice.

Desde o seu nascimento foi criado e conviveu sempre com a família do Barão de Itapuã, que se tornou seu padrinho. Fez seus estudos iniciais no Colégio Pedro II e depois se transferiu para o Liceu Provincial, na cidade do Salvador, na Bahia. Em 1886, manifestando extraordinária precocidade, se matriculava na Faculdade de Medicina da Bahia, berço do ensino médico no Brasil. Ainda cursando o quinto ano, em 1890, foi interno da Clínica Dermatológica e Sifiliográfica. Conclui seu curso e logo após sua formatura (1891), apresenta a tese “Sífilis Maligna Precoce” tornando-se depois referência mundial no campo da sifiligrafia. Passa a clinicar, num curto espaço de tempo, junto a Santa da Casa da Misericórdia, sendo médico-adjunto do Hospital Santa Isabel.

Após realizar concurso, em 15 de setembro de 1894, é nomeado preparador de anatomia médico-cirurgica, Mas neste período, sem remuneração, torna-se assistente da cátedra de Clínica Psiquiátrica e de Doenças Nervosas, iniciando-se a partir daí o seu aprendizado sobre as doenças mentais. Nesta fase, em todos os intervalos de suas atividades diárias, aprimorava seus conhecimentos de outros idiomas, tornando-se um dominador na comunicação oral e escrita do francês, inglês, italiano e o alemão. Sempre conhecido desde estudante como trabalhador metódico, adepto das ações em equipe, sempre querendo saber de tudo, com detalhes, comentando e discutindo. Seu destaque no meio acadêmico, na província baiana, o faz liderar a mobilização de professores e colegas, fazendo surgir a Sociedade de Medicina e Cirurgia e, a de Medicina Legal.

Em meados de 1895 descreve o botão endêmico, afirmando sua existência no Brasil. Como bolsista de limitados recursos financeiros, em curta viagem à Europa, freqüenta cursos de doenças mentais dos professores Hitzig, Jolly, Flechsig, Kraf-Ebing, os de clínicas médicas de Leyden e Nothnagel, os de anatomia patológica de Virchow e participa de reuniões e assiste palestras de Raymond, Dejerine, Gille de la Tourette, Brissaud, Garnier, Maurice Fournier e Magnan, na França. Consegue tempo para visitar os manicômios e clinicas psiquiátrica pelos paises onde passava. Neste mesmo ano é o primeiro cientista a descrever a Hidroa Vaciniforme, publicado posteriormente no Britsh Journal of Dermatology. Na clínica do professor Pacheco Mendes, em Salvador, realiza o primeiro exame microscópico no Brasil dos casos de Micetoma, assim como os casos de Goundum.

Desde 1886, com a persistência do médico João Carlos Teixeira Brandão, as Faculdades de Medicina da Bahia e Rio de Janeiro criam o concurso para professor da 12ª seção, que compreendia as doenças nervosas e mental, sendo seu primeiro catedrático Augusto Freire Maia Bittencourt que logo depois veio a falecer, deixando a cadeira sem titular durante alguns anos. Atualizado com o ensino prático e teórico da disciplina, inscreve-se no concurso para preenchimento da vaga deixada por Maia Bittencourt. Ao final de abril de 1896, mesmo enfrentando uma banca examinadora em sua maioria de declarados escravocratas, pode concluir sob calorosos aplausos a apresentação de sua tese oral “Disquinesias Arsenicais”. Logo após na leitura escrita desenvolveu o texto sobre “Meopatias Progressivas”. Todas as provas foram acompanhadas com a presença maciça dos estudantes e outras pessoas que lotaram o salão nobre da faculdade durante a prova prática, de didática e, finalmente, a defesa de tese.

(Foto: Imagem retirada do site Wikipédia)

A presença atuante justificava-se, pois temiam que houvesse algum ato que impossibilitasse o jovem médico Juliano Moreira vencer aquele concurso. Afinal, a escola tinha fama de racista, a banca era conhecida como escravocrata. Fazia poucos anos que a Lei Áurea tinha sido assinada e a primeira Carta do Brasil republicano promulgada em 14 de fevereiro de 1891.
Transcorria o final da manhã de nove de maio e no Terreiro de Jesus fervilhava desde cedo à frente dos portões da Faculdade de Medicina um enorme grupo de estudantes de medicina. Aquele dia estava marcado para finalmente ser divulgado o resultado do concurso para professor. Aberto os portões, os futuros médicos viram afixados no mural o resultado do exame, em que o jovem Juliano tinha recebido quinze notas máximas; era dele a vaga existente. Nem mesmo os escravocratas puderam deixar de reconhecer os seus méritos.

Com apenas vinte e três anos ele superava concorrentes poderosos e se tornava o mais novo professor da Faculdade de Medicina da Bahia. A comemoração do mérito sobre o preconceito fez naquele dia o Pelourinho viver momentos de intensa alegria e comemorações.

Semanas depois, em dezesseis de junho, é nomeado Professor. Em seu discurso de posse dizia: “Há quem se arreceie de que a pigmentação seja nuvem capaz de marear o brilho dessa faculdade. Subir sem outro bordão que não seja a abnegação ao trabalho, eis o que há de mais escabroso. Tentei subir assim, e se méritos tenho em minha vida este é um (…) Só o vício, a subserviência e a ignorância tisnam a pasta humana quando a ela se misturam”. Tempos ainda às vezes presentes.
O Mestre Juliano na sociedade daqueles dias era profundamente minoritário com suas idéias. Havia um dominante consenso que a degeneração do brasileiro era atribuída à mestiçagem de seu povo. Idéias evolucionistas naquele século afirmavam que a raça negra e os fatores climáticos dos trópicos eram os verdadeiros causadores das doenças, incluindo-se as doenças mentais. A psiquiatria estabelecia uma direta relação entre as doenças mentais e a raça. Juliano afirmava que deviam deixar os ridículos preconceitos de cores e castas e realizar um “trabalho de higienização mental dos povos”. Os verdadeiros inimigos das degenerações nervosas seriam a ignorância, o alcoolismo, a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais.
Seus conflitos teóricos com o colega na Escola de Medicina da Bahia, médico legista, Nina Rodrigues foram marcantes. Nina Rodrigues contribuiu profundamente para o entendimento da miscigenação da sociedade brasileira, mas manteve-se amarrado as idéias evolucionistas dominante. Era ele o propagador das idéias dominantes nos meios científicos nacionais e internacionais. A mistura de raças era prejudicial a formação de um país. Considerava a negritude um traço de inferioridade e que a mestiçagem seria a principal causa da loucura.
Desde a conclusão de seu curso Juliano Moreira busca provar que a questão racial não determinava as doenças. Sempre mostrando e defendendo seus pensamentos de forma cortês e educada utilizava a ciência para defender as minorias excluídas. A sua origem mestiça jamais lhe deu a sensação de inferioridade, nem de reações paranóicas. Assegurado financeiramente, mantinha uma vida rotineira, sem nenhuma alteração nos seus hábitos sociais, mas desregrada e intensiva nos estudos e no trabalho, sempre se descuidando de sua saúde.

Mantinha freqüência diária nas dependências do Asylo São João de Deus, onde realizava aulas práticas e até o anoitecer em uma das salas do Solar da Boa Vista ou nas várias enfermarias existentes, discutindo sobre questões médicas com colegas e alunos e sempre colaborando com as revistas nacionais e estrangeiras especializadas. Viaja pelas províncias do norte proferindo palestras e clinicando. Em 1900 participa do Congresso Médico Internacional em Paris. Ano seguinte, mesmo ausente, é eleito Presidente de Honra do IV Congresso Internacional de Assistência aos Alienados em Berlim. Representa a medicina brasileira no Congresso Médico de Lisboa.

Ao final de 1902, precisamente, em 10 de novembro, licencia-se na Faculdade e viaja para ao Rio de Janeiro para participar do ato de embalsamento do cadáver do Professor Manuel Vitorino, médico baiano renomado e Vice Presidente da República (1894-1898) de quem sempre se declarou um admirador e discípulo.

Como disse Alexandre Ramos. Dali em diante aquele “ao Rio” se transformou em “para o Rio”. Não mais voltaria a terra baiana. Dias depois Rodrigues Alves toma posse como Presidente da República e nomeia o baiano José Joaquim Seabra como Ministro do Interior e Justiça. Homem de visão, Rodrigues Alves faz um governo de grandes reformas. Na sua gestão o Barão do Rio Branco faz sua estréia como Ministro das Relações Exteriores. Através do Prefeito Pereira Passos transforma a antiga Capital Federal. O sanitarista Oswaldo Cruz promove uma revolução no país com a obrigatoriedade da vacinação.

Amigos desde os tempos de estudantes, Afrânio Peixoto viajou junto com Juliano, vindo ao Rio pensando em fazer concurso para Professor substituto da seção de Higiene e Medicina Legal na Faculdade local. O tempo que ali passava sempre que possível gozava da intimidade de J.J. Seabra. A roda do destino faz Antonio Dias de Barros, médico conceituado, deixar de ser diretor do Hospital Nacional de Alienados, pois sua nomeação como Professor de Histologia da Faculdade do Rio não o permitia acumular cargos no governo. Afrânio Peixoto articula e se faz presente.
Em 25 de março de 1903 Juliano Moreira, pouco depois de comemorar seus trinta anos de idade, toma posse no cargo de Diretor do Hospital Nacional de Alienados na capital federal. Muda a história da Saúde Mental no Brasil.

O decênio inicial daquele século sinaliza um acelerado processo de modernização do Estado nacional. Ações de saneamento e urbanização e intervenções na saúde pública foram marcantes. O projeto de desenvolvimento da psiquiatria nacional insere-se neste momento, criando o clima para que Juliano Moreira ocupasse seu espaço de liderança.

Desiste da sala destinada à direção do hospital no segundo andar do majestoso prédio. Faz de uma simples sala, no térreo, seu gabinete que ficava à esquerda da entrada principal do prédio, sempre de portas abertas, o que lhe conferia o seu acesso. Sentado à grande mesa, atendia a todos que o procuravam, sem agenda ou hora marcada. Com paciência e seu tranqüilo sorriso, sentavam-se ao seu lado os colegas médicos, pacientes, amigos, alunos, jornalistas e políticos.

Como característica física tinha a cabeça grande, bem modelada, a fronte ampla, onde dois sulcos verticais traiam a habitual e profunda concentração de seu espírito, projetando nas órbitas salientes, que não impediam o aflorar dos grandes olhos brilhantes e quase sempre fixos. A boca bem rasgada, emoldurada por bigodes a Kaiser, nos primeiros tempos, e depois encurtados, se tornava expressiva pelo freqüente sorriso que a animava. Ao erguer-se para saudar, mostrava seu porte airoso. A altura, a gesticulação sóbria e a indumentária correta compunham um conjunto que impunha simpatia ao interlocutor. Sua palavra era simples. Tinha modulações afetuosas, num registro grave. Ouvia mais do que falava e nisso revelava a aptidão inata do verdadeiro Psiquiatra. (Lopes, 1964).

Até então a psiquiatria brasileira se mantivera subsidiária exclusiva da escola francesa, apenas copiando, sem considerar as diversidades culturais existentes. Com Juliano Moreira, a Psiquiatria se ampliou, universalizando-se, e procurando ganhar uma forma nacional.

Determinado e com tenacidade, vai buscando recursos do governo. Mobiliza muitos profissionais capacitados. Começa a promover reformas materiais e éticas. Retira as grades das janelas das enfermarias e abole os coletes e camisas de força. Recupera e constrói pavilhões. Cria o Pavilhão Seabra, um amplo prédio com equipamentos trazidos da Europa, para fazer funcionar oficinas de ferreiro, bombeiro, mecânica elétrica, carpintaria, marcenaria, tipografia e encadernação, sapataria, colchoaria, vassouraria e pintura, atividades que contribuíam para recuperação dos assistidos e alguma renda particular. O grande salão no pavimento superior passa a ter diariamente alguém dedilhando o piano, levando as sonatas e sinfonias invadirem os corredores e chegarem aos ouvidos dos pacientes. Torna o hospital um grande centro cultural reunindo professores, cientistas e trabalhadores. Implanta oficinas artísticas antecipando-se as terapias ocupacionais desenvolvidas depois pela magnífica psiquiatra alagoana Nise da Silveira. À vontade e a determinação com seu trabalho o faz mudar-se do bairro de São Cristóvão para ir morar numa casa dentro do hospital.

Após desencadear as ações de transformação interna, toma a iniciativa de enviar ao Ministro J.J. Seabra uma exposição de motivos solicitando as necessárias reformas não somente dentro da Instituição, mas que se estendia a assistência aos alienados no país. Em 22 de dezembro de 1903, com o Decreto nº. 1132, o Presidente Rodrigues Alves sanciona a resolução do Congresso Nacional e aprova a Lei Federal da Assistência a Alienados. Logo depois, em 1º de fevereiro de 1904 é decretado o Regulamento da Assistência a Alienados no Distrito Federal.

A vida agitada e o permanente interesse pelo trabalho o fazem continuar mantendo-se totalmente descuidado com sua vida pessoal. agravando o estado de doença. obrigando-o a licenciar-se e ser obrigado a buscar novos climas, viajando para Europa. Retornando ao final de 1904 é agradavelmente surpreendido pelos trabalhos realizados por Sá Ferreira e depois Afrânio Peixoto, seus substitutos na direção do hospital, mantendo os serviços de remodelação e encontrando um de seus sonhos realizado, a biblioteca, com os primeiros quatrocentos volumes encadernados, freqüentada também pelos pacientes e a implantação da Escola de Enfermagem. Junto com Afrânio Peixoto e outros colegas funda os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins (1905). Instala a seção de laboratório, dando início às primeiras punções lombares e aos primeiros exames citológicos de líquido cefalo-raquiano (1906).

Retorna a Lisboa durante duas semanas e representa o Brasil no Congresso de Medicina de Portugal, criando uma amizade com o Professor Júlio Xavier de Matosm fundador do ensino oficial de Psiquiatria em Portugal. Mas a amizade duradoura construída em suas passagens pelas terras lusitanas foi com Julio Dantas, médico que defendeu sua tese com o título “Pintores e Poetas Rilhafoles”, inspirado nas manifestações artísticas dos pacientes em hospitais psiquiátricos portugueses.

(Foto: Imagem retirada do site Wikipédia)

Em 1907 na cidade de Milão no Congresso de Assistência a Alienados é eleito Presidente Honorário e indicado pela maioria dos congressistas para ser o orador na sessão de encerramento. Passa a fazer parte do Instituto Internacional para o Estudo da Etiologia e Profilaxia das Doenças Mentais.
Segue logo depois para Amsterdã, onde participa de outro Congresso Internacional. Mesmo ausente ao Congresso Neuropsiquiátrico de Viena (1908) é lembrado para compor o Comitê organizador do futuro Congresso. Representa no ano seguinte o Brasil no Comitê Internacional contra a Epilepsia naquela cidade. Logo depois, na Inglaterra, participa da Assembléia Geral da Royal-Medical Psychological Association de Londres, presidida por Bevar Lewis, onde foi eleito um dos quinze membros correspondentes no mundo. Segue logo depois para Budapeste e, como membro organizador, realiza o Congresso Internacional de Medicina para tratar da influência da arteriosclerose na produção de doenças nervosas e mentais. Em Amsterdã torna-se membro do Comitê Internacional de redação da Folia Neurológica, órgão para estudos de biologia do sistema nervoso, com textos publicados na Alemanha.

A Revista Psychiatrische, Neurologische Wochenschrift (nº. 27 de 03 de outubro de 1910) publica a galeria dos proeminentes psiquiatras em todo o mundo. Das Américas, somente Juliano Moreira. O seu relacionamento particular com Rivadávia Correia, nomeado Ministro do Interior e Justiça pelo Mal. Hermes da Fonseca favorece a realização do projeto de criação da Colônia de Mulheres em Engenho de Dentro, bairro suburbano no Rio de Janeiro.

Mobiliza junto com Austregésilo, Gustavo Riedel, Mário Pinheiro, Ernani Lopes e outros médicos a criação dos Arquivos Brasileiros de Medicina que anos depois passou a se denominar de Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria, órgão da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal. Até 1911 é um período em que realiza uma série de viagens à Europa dando-lhe a oportunidade de freqüentar diversos cursos de especialização em doenças mentais junto a renomados cientistas – Emil Kraepelin, Mangnan, Kraffit-Ebing, Flechsing entre outros.

Mas, ao lado destas viagens de estudos já é obrigado a procurar com freqüências especialistas e clínicas para consultas sobre sua doença. Acentuando-se as crises, obtém uma nova licença e viaja para a Europa em busca de melhor tratamento e posteriormente interna-se num sanatório na cidade do Cairo, onde conhece Augusta Peick, enfermeira alemã, de Hamburgo, com quem se casa. Desde 1913 passa a representar o Brasil no Comitê Internacional da Liga Internacional contra a Epilepsia. Naquele período foi realizado o Congresso Jubilar da Société de Médecine Mentale da Bélgica, em que foi aclamado juntamente com Dupré, Lepine (franceses) e Mott (inglês) membros honorários daquela Sociedade.

Em 1918 foi designado membro organizador do Congresso Internacional de Medicina, realizado em Budapeste para tratar da questão das doenças mentais e nervosas produzidas pela arteriosclerose. Participou da conferência Internacional para o estudo da Lepra na Noruega, recebendo do sábio leprólogo Hansen a incumbência de tratar da questão das doenças mentais nos leprosos, sendo posteriormente publicados seus estudos no Zeitschrift fur Psychiatrie, na Alemanha. Mobiliza apoio governamental e implanta, em 1921, o primeiro Manicômio Judiciário no continente americano.Já em 1922 foi eleito membro correspondente da Liga de Higiene Mental de Paris e do Comitê Internacional de Redação da Folia Neurológica, importante órgão de Amsterdã para estudos de biologia do sistema nervoso.

O Prof.Juliano Moreira presidiu os Congressos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal de 1906 a 1922. Foi Presidente de Honra da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina. Junto ao Ministério da Justiça foi membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal; do Conselho Nacional de Menores e do Conselho dos Patrimônios. Foi membro na direção do Conselho do Monte Médico, que era uma associação previdenciária que reunia médicos, farmacêuticos e dentistas na capital federal. Reconhecido pelo seu caráter, aliado ao fruto de seu incansável trabalho e espírito associativista, foi eleito membro de diversas organizações, tais como: -Antropologische Gesellschaft de Munich; -Société de Médicine de Paris; -Société de Pathologie Exotique; -Sociéte Clinique de France; -Medico-Legal Society de Nova York; -Sociedade de Neurologia de Buenos Aires; -Sociedade de Psychiatria de Buenos Aires; -Société Clinique de Medicine Mentale; -Société Medico-Psychologique de Paris; -Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; -Academia de Letras da Bahia; -Instituto Brasileiro de Ciências; -Liga de Defesa Nacional; -Liga de Higiene Mental; -American Academic of Political and Social Science.

Pela sua condição étnica, por sua nacionalidade, por sua formação médica, iniciada na Bahia e continuada nos grandes centros europeus, teve sempre grande interesse pelos aspectos culturais da psiquiatria, chamada na época de patologia comparada e atualmente de transcultural. Interessado e assíduo nos espetáculos das companhias líricas, apreciava os filmes de desenhos e era freqüentador dos espetáculos teatrais e circenses, sendo conhecido como grande admirador do famoso palhaço Benjamin Oliveira. Combatia o uso dos termos pejorativos de “maluco” e “doido”. Repetia sempre que as maiorias dos doentes mentais estava fora dos hospitais e sanatórios especializados. “-Ai fora”. (Passos, 1975).

Mantendo sua postura de combate aos preconceitos e discriminação, torna-se um defensor combativo da imigração sino-japonesa, que para muitos naqueles primeiros decênios do século consideravam um verdadeiro “perigo amarelo”. Sua posição rapidamente é reconhecida. Universidades japonesas o convidam para visitar o país e a pronunciar conferências. Em julho de 1928, em companhia de sua esposa Augusta Moreira, começa uma longa viagem, visitando Tóquio, Kioto, Sendai, Hokaído, Osaka e Funoko. Em solenidade no anfiteatro do Diário Nishi-Nishi recebe a insígnia da “Ordem do Tesouro Sagrado” entregue pelo Imperador do Japão e destinada aos “consagrados da ciência mundial”

Encerrando sua longa permanência naquele país, segue para a Europa, onde se torna membro honorário da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria de Berlim, da Sociedade Médica de Munich e da Cruz Vermelha Alemã. Em Hamburgo é eleito membro da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria, onde lhe é conferido pela Universidade local a Medalha de Ouro, a mais alta honraria prestada a professor estrangeiro.

Após cinco meses ausente, volta ao trabalho na direção do hospital que em sua ausência foi dirigido por Domingos Niobey. Preside, em 1929, no Rio de Janeiro, a Conferência Internacional de Psiquiatria. Demonstrando disposição e desejoso de realizar novas reformas, sente-se motivado com as possibilidades que se abriria com a chegada do novo governo. Sem dúvida o novo governo chega como resultado de um golpe de Estado que criava a expectativa de modernização do país e da administração pública.

Novembro de 1930: o novo presidente – Getúlio Vargas – dissolve o Congresso Nacional, as câmaras e as assembléias estaduais. Nomeia interventores nos estados, mantém seus compromissos com a as oligarquias dissidentes. Em oito de dezembro de 1930 Juliano Moreira é destituído da direção do hospital e aposentado. Aquele prédio próximo à grandiosa beleza natural do Rio de Janeiro – o Pão de Açúcar – foi durante 28 anos o palco em que o Mestre Juliano Moreira representou o papel central da psiquiatria brasileira. Sem ele, aquele monumento arquitetônico encerrou seu ciclo psiquiátrico, renascendo tempos depois como um “Palácio Universitário” impulsionado por um novo baiano – Pedro Calmon.

Após descer as escadas do palácio de seus sonhos – o Hospital Nacional de Alienados – foi morar num hotel em Santa Teresa. Mantinha suas visitas a alguns de seus pacientes particulares no Sanatório Botafogo ou as sessões da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina. A sessão de 19 de outubro de 1931 foi a última sessão a que compareceu. Retornou em 17 de novembro de 1932 para assistir a sessão solene de comemoração da Sociedade que fundara ainda jovem.

Recolheu-se a sua vida interior, sem motivação para estudar e ler. Enfim, o tuberculoso crônico poupava-se ao máximo para sobreviver, sob a vigilância germânica de Dona Augusta, sua inseparável companheira. Viaja para Belo Horizonte em busca de melhoramentos para o seu estado de saúde. A doença foi avançando. Miguel Couto, seu médico, decide encaminhá-lo para a Serra de Petrópolis. Hospeda-se na residência de Hermelindo Lopes Rodrigues, um dos seus maiores discípulos.

No dia 2 de maio de 1933, precisamente às cinco horas e quarenta minutos deixava o nosso convívio num sanatório em Correias, no interior do Rio de Janeiro. Ao lado de Dona Augusta Moreira assistiram ao seu último alento os seus colegas e discípulos Lopes Rodrigues e Gustavo Riedel. Após ser embalsamado ,foi ser velado na capela do Hospital na Praia Vermelha. No dia quatro, às dez horas, um grande cortejo atravessa as ruas de Botafogo em direção ao cemitério São João Batista. Naquela manhã cinzenta de maio, quem passasse próximo ao cemitério não saberia que se extinguira um grande espírito. Um homem que dedicara toda sua vida ao seu país, aos seus semelhantes e aos excluídos, especialmente aos doentes mentais. Deixava muito mais do que uma lembrança. Construíra uma obra imorredoura.

“O Brasil (…) não pode avaliar o que perde com o desaparecimento, ontem, do sábio Juliano Moreira. Grande entre os maiores psiquiatras do país, com um renome e uma fama que ultrapassaram as fronteiras brasileiras para fulgurar nos centros científicos mais adiantados do mundo. Juliano Moreira devotou à ciência toda a sua vida e toda a sua dedicação (…) mais tarde, teremos então idéia de quanto perdemos com a sua morte”. (Jornal do Brasil. 3 de maio de 1933).

Juliano Moreira não foi nacionalista, nem teve freguesia intelectual. Ouviu os sons de todos os sinos. Aqui, Silva Lima tropicalista. Ali, Nina Rodrigues, médico legista. Estendeu as mãos a Teixeira Brandão e a Franco da Rocha. Propagou Kraepelin, sem esquecer Pierre Marie, nem Toulouse, Clouston e Morselli. Leu a todos, aprendeu de todos. A todos consagrou, com a citação, a aplicação e a correção. Essa universalidade de espírito dispôs à razão para a tolerância do conhecimento, como a benignidade do coração para a tolerância das relações sociais.

Disciplinava pelo exemplo. Distinguia-se sem afetação e sem humilhar o seu semelhante. Não considerava a vaidade defeito, mas a manifestação de um desvio mental, em proveito de aspirações frustradas (Passos, 1975). Grande homem de ação e de ciência dispensa louvor dos adjetivos. Basta-lhe a escola que criou e manteve os discípulos que suscitou e promoveu. Médico da razão doente foi mestre da razão sadia, grande mestre da razão, o grande Juliano Moreira. (Piccinini, 2005).

Um Brasileiro que teve tudo para ser mais um anônimo excluído. Nordestino, pobre, tuberculoso. Todas as condições desfavoráveis no percurso de sua vida. Mas com determinação, tenacidade, inteligência, carisma e fundamentalmente ético, transformou sua história. O Mestre baiano Juliano Moreira. O magnífico sonhador da cura da alienação mental. Um mito nacional. Um Sábio Brasileiro.


Fontes Consultadas
Este texto foi produzido partindo-se de consultas e uma livre adaptação nas fontes abaixo relacionadas:
-ACADEMIA BRASILEIRA DE CIENCIAS. Disponível em: <www.amelia.moro@abc.org.br>.Acesso em: 08 nov. 2005.
-ARQUIVO DO MANICÔMIO JUDICIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, v.2, p.34, 1931.
-CARRILHO, Heitor. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, v.4, n.1-2, p.1-20, 1993.
-COLARES, J.V. Retrato de Juliano. In: CONFERÊNCIA COMEMORATIVA DOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DE JULIANO MOREIRA, 1973, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: Academia Nacional de Medicina, 1973. (mimeografado).
-GALERIA de notáveis. Ofício de doutor. Correio da Bahia. Salvador, 29 jul. 2001. Suplemento Correio Repórter, p.6.
-HOSPITAL NACIONAL DOS ALIENADOS. História da assistência aos doentes mentais no Brasil. In: VASCONCELOS, Maria de Fátima Viana de. [S.l.: s.d.], [19-?].
-LOPES, José Leme. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v.13, n.1, p. 3-19, 1964.
-PAIM, I. O Hospital psiquiátrico: as origens, as transformações e seu destino. Rio de Janeiro, v.25, p.147-158.

Foto em destaque: Reprodução/ Gazeta do povo

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