A Justiça Federal condenou o bispo Edir Macedo e a TV Record ao pagamento de R$ 800 mil por danos morais coletivos devido a declarações consideradas homofóbicas feitas pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus durante um especial de Natal em 2022.
Macedo foi condenado a pagar R$ 500 mil, e a Record, R$ 300 mil. Os valores serão destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Cabe recurso.
Na decisão, a juíza Ana Maria Wickert Theisen, da 10ª Vara Federal de Porto Alegre, considerou que Macedo praticou discurso de ódio ao associar homossexuais a pessoas “más” e “bandidos”. A magistrada destacou que a fala “tem capacidade de desestabilizar a paz social” e “normalizar a violência” contra a população LGBTQIA+.
Procurada, a Record não se manifestou até a conclusão deste texto. Já o bispo por meio da assessoria de imprensa da Igreja Universal, disse que vai recorrer “até as últimas instâncias para que seja restabelecida a justiça”. Afirmou também que a instituição religiosa é contra qualquer tipo de discriminação e que, no programa da véspera de Natal de 2022, a mensagem de Macedo foi de “inclusão e respeito, totalmente fundamentada nas sagradas escrituras”.
Durante o especial, o dono da Record disse: “Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém nasce homossexual, lésbica… ninguém nasce mau”.
“Ao associar os termos homossexual’ e ‘lésbica’ às ideias contidas nos termos ‘mau’, ‘ladrão’, ‘bandido’, a fala do religioso tem capacidade de desestabilizar a paz social, pois atua de forma a justificar e normalizar, no inconsciente coletivo, a violência crescente contra essa população. O recurso estilístico de paralelismo e a repetição do termo ‘ninguém nasce’ torna o discurso insidioso: o locutor não declara explicitamente que o homossexual é mau, ladrão ou bandido, mas constrói essa ideia no entendimento do ouvinte”, diz a magistrada na sentença.
Na ação, a Record afirmou que “não possui qualquer ingerência sobre o programa veiculado, tampouco a qualquer programa idealizado e produzido pela Igreja Universal do Reino de Deus e seus líderes religiosos, já que somente transmite os programas no espaço adquirido, através de contrato”. Afirmou também que o programa é veiculado “ao vivo”, não havendo possibilidade de efetuar cortes.
Para a juíza, porém, “ainda que não seja possível à concessionária prever e evitar o discurso ofensivo
por ela veiculado ‘ao vivo’, é exigível que ela tome conhecimento do conteúdo da programação após a sua veiculação”.
A magistrada afirma que a emissora foi notificada sobre a ação em 20 de janeiro de 2023, cerca de um mês depois da veiculação do programa. “Nesse momento, tornou-se inquestionável a ciência do conteúdo do programa transmitido e, mais que isso, da insatisfação de parcela da população. Mesmo assim, manteve o vídeo acessível ao público em seu site até que a tutela provisória de evidência (da qual foi intimada em 07/12/2023) determinasse sua exclusão.”
No ano passado a Justiça já tinha determinado que a Record tirasse do ar o programa com os comentários homofóbicos.
A ação foi movida pela Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), Ministério Público Federal e pelo grupo Nuances. A União, que também era ré no processo, foi absolvida.
Em nota, os advogados Amanda Souto Baliza, da Aliança Nacional LGBTI+ e da ABRAFH, e Alice Hertzog Resadori e Célio Golin, do grupo Nuances, afirmam que a “discriminação é um mal que assola a sociedade e combatê-la faz parte da essência das instituições”.
“Atuar em uma perspectiva antidiscriminatória no direito faz parte do que move os envolvidos na ação e continuaremos a agir da mesma forma em casos similares no futuro”, reforçam.
A magistrada negou parte dos pedidos dos autores, como a exigência de retratação pública dos réus e a implementação pela Record de campanhas contra discriminação à comunidade LGBTQIA+.
Leia, abaixo, a íntegra da nota encaminhada pela igreja de Edir Macedo:
“A Igreja Universal do Reino de Deus, como um dos principais alvos do preconceito no Brasil, é rigorosamente contra qualquer tipo de discriminação, a qualquer pessoa. E é essa que tem sido a base da mensagem amiga do bispo Edir Macedo ao longo desses 47 anos de existência da Universal.
Assistir à íntegra do vídeo em questão —resguardando o seu real contexto, e sem qualquer juízo de valor—, vai demonstrar exatamente isso: que naquela véspera de Natal de 2022, a mensagem do Bispo foi de inclusão e respeito, totalmente fundamentada nas Sagradas Escrituras, como tem sido todos esses anos (o que está amplamente demonstrado nos autos por meio da degravação de todo o conteúdo).
O bispo Edir Macedo e demais oficiais da Igreja respeitam as pessoas de todas as crenças, raças e orientação sexual, e ensina que todos devem fazer o mesmo. Reforçamos que a Universal sempre foi conhecida como um lugar que acolhe a todos, independentemente de seu passado ou presente, pois essa é a base da fé cristã.
Confiamos que a Justiça brasileira, mais uma vez, revelará onde está a verdade. Desta forma, os advogados do Bispo Edir Macedo recorrerão dessa decisão até as últimas instâncias para que seja restabelecida a justiça.”
com JOELMIR TAVARES, KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI e MANOELLA SMITH