Kimpa Vita: A profetisa da unidade

FONTEDW, por Carla Fernandes, rl
Imagem retirada do site DW

Nascimento: Kimpa Vita nasceu por volta de 1684, no Monte Kibangu, no reino do Congo, hoje parte do território angolano. Diz-se que Kimpa Vita se voltou para a vida espiritual após dois casamentos fracassados. No entanto, há também quem diga que ela começou a ter visões desde muito cedo. Descendente de uma família nobre, Kimpa Vita foi treinada como “naganga marinda”, ou seja, uma pessoa capaz de se comunicar com os antepassados. Era uma espécie de intermediária entre a vida e a morte.

Reconhecida por: ter mostrado o seu potencial para unificar o reino do Congo, embora por pouco tempo. Também é lembrada por ter sido a fundadora do movimento Antonianista.

Em que consistia o movimento criado por Kimpa Vita? 

O Antonianismo era um movimento religioso de natureza sincrética: misturava elementos do cristianismo com práticas religiosas africanas. Kimpa Vita dizia ser uma reencarnação de Santo António de Pádua e que tinha sido enviada para criar uma nova igreja no Congo. Afirmava também que Jesus era negro e que tinha nascido no Congo. Mais tarde, houve outros movimentos religiosos no cristianismo africano, como o Quimbanda e o Tocoismo. A igreja Kimbanguista, fundada nos anos 20, é por vezes considerada a sucessora do Antonianismo.

Morte: Em 1706, e sob as ordens de Pedro IV, Kimpa Vita foi queimada viva, acusada de heresia. Os capuchinhos, liderados pelo frade Bernardo de Gallo, aconselharam que fosse morta.

Controvérsia: Kimpa Vita ficou grávida de um dos seus companheiros. Acabaria por ser capturada pelas tropas do rei D. Pedro quando estava num esconderijo, a cuidar do seu bebé. Até hoje, não se sabe o que aconteceu ao seu filho. A maior parte da informação sobre Kimpa Vita vem dos registos do frade Bernardo de Gallo, o monge capuchinho que incentivou a sua morte. De acordo com os monges, a criança foi poupada. No entanto, e segundo a tradição oral, o bebé de Kimpa Vita foi queimado com ela em 1706.

Kimpa Vita dizia ser uma reencarnação de Santo António de Pádua e que tinha sido enviada para criar uma nova igreja no Congo (Imagem retirada do site DW)

Kimpa Vita, também conhecida como Dona Beatriz, foi educada segundo a religião católica e, ao mesmo tempo, treinada para ser médium espiritual. Já adulta, Kimpa Vita adoeceu gravemente. Quando já estava recuperada, anunciou que tinha morrido e era agora uma reencarnação do Santo António de Pádua e que tinha voltado para unificar o Congo, dividido pelas sucessivas guerras civis.

No seu auge, o reino do Congo estendia-se do noroeste de Angola ao centro sul da região do Gabão. Era um território fundamentalmente cristão, no qual a igreja tinha muito poder.

No século XVII, o reino do Congo encontrava-se em declínio, longe da glória dos séculos anteriores, quando era o estado mais rico e poderoso da África Central. Este retrocesso é explicado pelo desaparecimento do Rei António I, morto pelos portugueses em 1665. Como consequência, a capital do reino, Mbanza Congo, foi abandonada e começaram as divisões entre os nobres que queriam suceder a António I.

União do povo do Congo

É neste cenário que surge Kimpa Vita. Uma profeta que, segundo pregava, tinha como missão unificar o reino do Congo. “A grande importância da jovem Beatriz Kimpa Vita é que ela consegue reunir o povo do Congo ao fim de três décadas, quase quatro décadas, de guerra civil intensa”, afirma o historiador angolano Alberto Oliveira.

Dona Beatriz Kimpa Vita anunciou que Santo António de Pádua a tinha incumbido de criar um catolicismo congolês, afirmou que Jesus era negro e que tinha sido ali,em Mbanza Congo, que a família divina tinha nascido.

Ricardo Vita, observador angolano e crítico da história pan-africana, conta que “Kimpa Vita foi a verdadeira fundadora da religião nacional dos Bakongo. Já era uma sacerdotisa do culto de madimba que são os curadores do mal antes de receber a mensagem dos seus antepassados, através de Santo António de Pádua, que mandava unificar o Reino do Congo que sofria de divisões internas desde a batalha de Mbwila de 1665”.

Kimpa Vita criou também novas versões das orações “Avé Maria” e “Salvé Rainha”. Mas esta era uma versão que não agradava a todos, principalmente à Igreja Católica.

“O Cristianismo africanizado existiu antes de Kimpa Vita no Reino do Congo. Por exemplo, há pinturas rupestres que datam do tempo de Dom Afonso I que mostram um Cristo negro. Portanto, quando a Kimpa Vita revelou ter visto Santo António de Pádua negro isso só espantou os missionários e os brancos, não os Bakongo. Pelo contrário, ajudou a dar crédito à sua missão que conduziu com brio em menos de dois anos, porque prometia uma salvação coletiva”, afirma Ricardo Vita.

Kimpa Vita foi queimada viva, em 1706, acusada de bruxaria e heresia (Imagem retirada do site DW)

Kimpa Vita angariou muitos seguidores para o movimento que fundou, que ficou conhecido como “Antonianismo”, e conseguiu reconstruir e repovoar a capital do reino, Mbanza Congo. Mas também fez muitos inimigos, especialmente dentro da igreja católica.

Inimigos

Grupos que estavam apenas à espera da primeira oportunidade para a destronar. Essa oportunidade chegou quando Kimpa Vita, que pregava sobre as virtudes da castidade, engravidou de um dos seus companheiros. Percebendo que o seu estatuto de profetisa estava em perigo, Kimpa Vita fugiu para dar à luz em segredo. No entanto, Dom Pedro IV mandou as suas tropas atrás dela e encontraram-na a amamentar o bebé. Foi levada aos monges capuchinhos que, sob a liderança do frade Bernardo de Gallo, a condenaram à morte.

Kimpa Vita foi queimada viva, em 1706, acusada de bruxaria e heresia. Nunca se soube o que aconteceu ao seu filho, no entanto, Ricardo Vita afirma que, apesar das afirmações dos missionários presentes no Congo, a tradição oral sustenta também que queimaram o filho da Kimpa Vita no mesmo dia com ela”.

O parecer científico sobre este artigo foi dado pelos historiadores Lily Mafela, professor Doulaye Konaté e professor Christopher Ogbogbo. O projeto “Raízes Africanas” é financiado pela Fundação Gerda Henkel.

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