Laudelina Campos de Melo, a heroína negra que lutou para garantir direitos às domésticas no Brasil

Líder sindical teve uma trajetória que combinou luta por valorização do emprego doméstico, feminismo e ativismo pela igualdade racial.

Por Amauri Terto, do HuffPost Brasil

Nascida em Minas Gerais, Laudelina entrou para a história como a criadora do primeiro sindicato das domésticas do Brasil.

A Proposta de Emenda Constitucional 66/2012, a PEC das Domésticas, foi aprovada em 2013. Por meio dela, a categoria passou a ter uma série de direitos garantidos, incluindo carteira assinada, FGTS, seguro desemprego, férias remuneradas e adicional noturno.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem hoje no Brasil cerca de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos. Desse total, 93% são mulheres. E dessas mulheres, 62% são negras.

A aprovação da emenda foi motivo de comemoração para milhares de trabalhadoras, que passaram a ter condições mais dignas de trabalho. Do outro lado, os empregadores se sentiram ameaçados com que chamaram de “encarecimento do serviço”.

Para além desse embate, importa ressaltar a conquista de direitos de todas as domésticas passa fundamentalmente pela história de uma mulher negra: Laudelina Campos de Melo.

Criadora do sindicato das domésticas de Campinas, em 1936, o primeiro do Brasil, ela teve uma trajetória que combinou, de forma singular, a luta pela valorização do emprego doméstico, o feminismo e ativismo pela igualdade racial.

Laudelina nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 1904. Sua mãe era empregada doméstica e doceira na cidade. Ela perdeu o pai, que era lenhador, aos 12 anos em um acidente de trabalho e teve que abandonar a escola ainda no primário para cuidar dos cinco irmãos menores e ajudar a mãe nos preparos dos doces.

Antes de completar de completar 18 anos, Laudelina teve sua primeira experiência como empregada doméstica. Nesse momento nasceu a indignação com o cotidiano marcado pelo racismo dos patrões, além da exploração e más condições do trabalho doméstico.

Aos 20 anos, Laudelina se mudou para Santos, em São Paulo, onde continuou a trilhar o mesmo caminho da mãe empregada doméstica e deu sequência à jornada de ativismo, passando a integrar o Grupo da Frente Negra, que reunia entidades que lutavam por melhores condições político e culturais para a população negra.

Registro da líder sindical reunida com mulheres domésticas em Campinas.

No litoral de São Paulo, ela conheceu e se casou com Geremias Henrique Campos Mello. O casal se mudou para Campinas, onde tiveram dois filhos, se separaram posteriormente e onde Laudelina aprofundou sua luta em prol das trabalhadoras domésticas.

Laudelina Campos de Melo morreu dia 22 de maio de 1991, em Campinas. Dois anos antes foi criada a ONG Casa Laudelina de Campos Mello, que busca honrar o legado da líder sindical. A entidade promove ações focadas no empoderamento, na autonomia econômica, na produção e troca de conhecimentos e também formação e qualificação profissional de mulheres negras.

Laudelina, uma mulher de lutas e conquistas

Professora Doutora em Psicologia Social na UFBA, Elisabete Pinto é autora de uma premiada tese de doutorado sobre Laudelina de Campos Mello. Numa entrevista para o canal da Casa Laudelina de Campos Mello no YouTube, a acadêmica explica a importância o peso da trajetória da líder sindical na histórias das mulheres negras do Brasil.

“Ela era uma mulher que estava a frente do seu tempo também nisso. Ela conseguia fazer da sua forma a interseccionalidade entre gênero, raça e classe. E já trazia na prática a ideia do que a gente tem hoje. Quando a gente fala em gênero, não estamos falando simplesmente da relação homem e mulher, mas falando de um relação de poder e de uma certa conformação de gênero dada numa certa sociedade, numa certa estrutura. Quando se fala em mulheres empregadas domésticas, mulheres negras e brancas, patroas e empregadas, nós estamos falando de uma relação de gênero – que expressa a desigualdade entre as mulheres. Laudelinda conseguiu perceber isso, algo que muitas feministas conseguiram perceber só depois.”

Um documentário sobre a história de vida da líder sindical foi lançado em 2015. Parceria entre o Museu da Cidade e o Museu da Imagem e do Som (MIS), ambos de Campinas, o filme Laudelina: Lutas e Conquistas combina interpretação da atriz Olívia Araújo (Tempo de Amar), que dá vida à Laudelina, e trechos de uma entrevista com a ativista feita em 1989. Assista no player abaixo:

+ sobre o tema

Sobre cabelos, relacionamentos e outras coisas!

Após uma atividade na minha universidade em celebração ao...

Mãe preta pode ser? Mulheres negras e maternidade

Débora Silva Maria, do Movimento Mães de Maio, há...

Quem vestiu a Globeleza?

Enviado para o Portal Geledés Engana-se os que acham que...

para lembrar

Mortalidade materna de mulheres negras é o dobro da de brancas, mostra estudo da Saúde

Assim como outros indicadores de saúde, a mortalidade materna é...

Presidenta Dilma Rousseff recebe lideranças do Movimento Negro

Educação, saúde, democratização da comunicação e enfrentamento à violência...

Lucia Murat desmente jornal e declara voto em Dilma

A cineasta veio a público desmentir insinuações de que...

Ilê Aiyê promove a Semana da Mãe Preta em homenagem à mulher negra

A Associação Cultural Ilê Aiyê promove a partir da...
spot_imgspot_img

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...

Da’Vine Joy Randolph vence o Oscar de Melhor atriz coadjuvante

Uma das favoritas da noite do 96º Oscar, Da'Vine Joy Randolph se sagrou a Melhor atriz coadjuvante da principal premiação norte-americana do cinema. Destaque...
-+=