Lázaro Ramos: ‘A tentativa de silenciar as pessoas ajuda o caos e não um projeto de nação’

'Medida provisória' marca a estreia do ator na direção cinematográfica; filme estreia em 188 salas no Brasil

FONTEo Globo, por Lucas Salgado
Lázaro Ramos (Foto: Napolinario/Divulgação)

Antes mesmo da estreia de hoje, em 188 salas do país, “Medida Provisória”, primeiro longa dirigido por Lázaro Ramos, tem rendido cenas de conflito. O ex-secretário de Cultura Mario Frias rebateu uma declaração em que Taís Araujo, casada com Lázaro e no elenco do filme, exaltava, referindo-se à atualidade, que “A mudança está nas nossas mãos. Não foram quatro anos difíceis. Foram infernais”. Em seu perfil no Instagram, Frias postou: “4 anos infernais para quem? Certos artistas vivem em uma realidade muito paralela…”. Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), criticando a verba pública usada na produção, foram no mesmo tom. Já Lázaro disse que tudo não passa de campanha política e cortina de fumaça para desviar as atenções de temas como a inflação.

Na tela o conflito de “Medida Provisória” é uma adaptação da peça “Namíbia, não!”, de Aldri Anunciação, dirigida por Lázaro Ramos em 2011. Na trama, dois primos ficam confinados no apartamento que dividem após o governo decretar uma medida obrigando que todas as pessoas negras sejam deportadas para a África como uma forma de reparação pelo período de escravidão.

Seu Jorge e Alfred Enoch Foto: Mariana Vianna / Divulgação

Thank you for watching

Na versão para os cinemas, o ator anglo-brasileiro Alfred Enoch e Seu Jorge interpretam os primos Antônio e André. Enquanto a peça trazia só duas pessoas em cena, o longa conta com elenco de 77 atores, em sua maioria negros, incluindo ícones de diferentes gerações como Emicida. Taís interpreta Capitu, companheira de Antônio que também divide o apartamento. Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier e Flávio Bauraqui são outros destaques.

“Namíbia, não!” foi a primeira experiência de Lázaro como diretor teatral, mas ele não tinha interesse em conduzir a versão cinematográfica e chegou a procurar nomes como Sérgio Machado e Joel Zito Araújo para o projeto.

— Fui dirigindo e pensando que passaria o bastão para outra pessoa. Só que essa pessoa não chegou e comecei a me apaixonar pela possibilidade de fazer um filme que falasse do que é você não perceber que uma tragédia está se aproximando. Você ri, faz memes, aí o tempo passa e percebe que a tragédia se instalou — diz Lázaro.

Como aconteceu com “Marighella”, do amigo Wagner Moura, ele viu seu filme sofrer diante de exigências burocráticas da Ancine que atrasaram em meses o lançamento da obra nas telas.

Emicida e Taís Araujo Foto: Mariana Vianna / Divulgação

Cinema de força e afeto

Lázaro conta que se preocupou em oferecer também momentos de humor. Alfred Enoch, conhecido pelo trabalho na saga “Harry Potter” e na série “How to get away with murder”, reforça:

— A trama é pesada, mas traz momentos de afeto, leveza. E a vida é assim. Às vezes, é difícil encontrar a leveza, mas é fundamental, é o que nos dá a vontade de seguir em frente.

Filho de mãe carioca, ele comemora o primeiro trabalho no Brasil e a oportunidade de atuar em português, além da possibilidade de debater temas como racismo e desigualdade “sem deixar de oferecer uma ponta de esperança”.

“Esperança” também é a palavra-chave para Adriana Esteves. A atriz interpreta Isabel, a integrante do governo responsável por garantir a aplicação da medida, surgindo em cena como uma das principais antagonistas. Ela descreve Isabel como uma mulher alienada que segue ordens cegamente.

— Mas é um filme que nos faz acreditar no ser humano e acreditar na luta para afastar coisas que não queremos que aconteça em nossa sociedade — diz Adriana.

Lázaro enfatiza que são várias lutas.

— Vimos como a vida foi tratada no Brasil durante a pandemia. Por isso este é um ano muito decisivo para entendermos o caminho que queremos seguir. Falar, não ser censurado, rebater, é peça fundamental do processo. A tentativa de silenciar as pessoas ajuda o caos e não um projeto de nação.

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