Leci Brandão: a sambista que comprou a briga da merenda em SP

Foto: Alesp

História de vida levou deputada a construir seu mandato em torno de demandas das minorias

Por Giorgia Cavicchioli, do R7

Acordar cedo, limpar salas de aula, lavar banheiros e ir estudar no final da tarde. Quando criança, a agora deputada Leci Brandão (PCdoB) precisava ajudar a família. De dona Lecy a jovem não tinha herdado só o nome — diferente apenas pela grafia—, mas a necessidade quase existencial de não ficar parada. Para conseguir sustentar os filhos, a mãe da deputada pediu para morar em um fundo de escola no Rio de Janeiro em troca de seus trabalhos como zeladora.

— Eram 15 salas pra varrer. Tinha dia que eu varria até meia noite para entregar limpa no dia seguinte. Por isso, até hoje, eu tenho uma habilidade muito grande de varrer, de limpar.

Além de tudo isso, para “ganhar um extra”, a mãe de Leci também começou a fazer almoço para as professoras da escola. Como dona Lecy “tem uma mão muito boa para cozinha”, até funcionários de um banco da região começaram a comer no local. Com essa relação direta com estudantes, professores e a escola, não é de se estranhar que a deputada esteja hoje defendendo a investigação da máfia da merenda no Estado de São Paulo.

Segundo a denúncia do Ministério Público, licitações para merendas de escolas estaduais foram fraudadas para beneficiar a Coaf, cooperativa de agricultores que fornecia alimentos e sucos. Como a deputada diz que qualquer problema que mexe com sua emoção, ela “está dentro”, Leci é uma das pessoas, dentro da Casa, que está defendendo a averiguação dos crimes.

— Eu não posso dar as costas e deixar de reconhecer a confiança que as pessoas me deram. A minha vida sempre teve a presença dessas questões. Porque eu canto pelos pobres e para os pobres. Eu tenho uma história que vem lá da base. Eu nunca morei no morro, mas eu fui morar em fundo de escola pública. Por isso que eu apoio essa coisa de sem teto. Porque eu sei o que é você não ter casa.

Membro da Comissão de Educação e Cultura na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), Leci defende questões sociais e os direitos de estudantes e professores desde os tempos de cantora. Em 1992, ela fez a música Cara Pintada, em homenagem à juventude que pedia a saída do então presidente Fernando Collor. Em 1995, ao ver uma reportagem em que um professor que protestava por melhores salários foi chutado no rosto por um policial, ela escreveu a música Anjo da Guarda.

— Eu nunca sonhei em ser política, mas já era engajada politicamente. A gente já tava ligada no negócio. Eu não toco absolutamente nenhum instrumento, mas [o processo de criação] é uma coisa intuitiva. Eu tenho plena certeza que é uma coisa espiritual.

Como todo artista orgulhoso de seu trabalho, durante a entrevista ao R7, Leci canta trechos das músicas enquanto fala sobre elas, explica o que as frases significam e como o público reage cantando as canções: “Por isso aceite e respeite o meu professor. Batam palmas pra ele. Tchá Tchá Tchá”.

— A música virou um hino. Eu não posso tirar a música do repertório. Eu me lembro que quando fiz o folder da primeira campanha e as pautas que eu ia discutir aqui eram tudo o que eu cantei. Eu fiz uma avaliação das coisas que eu defendia enquanto artista e eu trouxe tudo isso para o mandato. O povo de São Paulo enxergou essa coerência.

Única deputada negra na Alesp, Leci faz questão de destacar a importância da representatividade das minorias dentro da Casa. Por isso, uma de suas resoluções foi a criação do prêmio Theodosina Ribeiro, que reconhece ações de mulheres que influenciam positivamente outras mulheres. A medalha leva o nome da primeira mulher negra na Assembleia.

— Eu sou a segunda mulher negra na história. É um fato histórico que São Paulo deu pra mim.

A deputada diz que humildade, simplicidade e respeito “são a cara do mandato”. As três palavras estão coladas na porta de seu gabinete e suas ações durante os seus dois mandatos mostram isso. Questões como tráfico de mulheres, trabalho escravo, agressão contra a mulher, discriminação racial, direitos LGBT e melhorias nas escolas são algumas das pautas levantadas pelos projetos de lei dela.

A história de vida de Leci também mostra os motivos que a fizeram levar questões das chamadas “minorias” para o seu mandato. Quando terminou os estudos, por exemplo, ela conta que “achava que com o diploma arrumaria emprego facilmente”, mas isso não aconteceu.

— Foi bem diferente a questão. Porque aquele “precisa-se de moça de boa aparência” significava “não pode ser negra”. Só que eu não sacava isso.

Leci só conseguiu o seu primeiro emprego com a ajuda de uma amiga com melhores condições financeiras e que também foi quem emprestou o vestido usado pela deputada no programa de Flávio Cavalcante, onde ela ia mostrar seu trabalho como artista. Para se sustentar, ela foi de telefonista à operária de fábrica.

A fase mais difícil para Leci foi o trabalho como operária. O serviço era tão pesado que ela ficou com as mãos cheias de calo e precisava trabalhar durante a madrugada para ganhar mais. Com mais solidariedade e graças ao seu trabalho como artista e o reconhecimento que recebeu, ela foi fazer um serviço burocrático na Faculdade Gama Filho.

Como o Brasil vivia, na época, um regime militar e a faculdade era de um ministro do regime, Leci foi orientada a não expor seus trabalhos musicais dentro da entidade. Porém, ela diz que, na época, “nem sabia direito o que estava acontecendo” no período. Questões políticas nunca foram assunto dentro de sua casa e o assunto era evitado por si só.

Porém, em 2009, a política bateu à porta de Leci como nunca antes. A convite do também artista e político Netinho de Paula e do deputado Orlando Silva, ela entrou para a vida pública. A princípio, ela disse que não queria, pois “faz política cantando”. Porém, depois de ser bastante requisitada pelos movimentos sociais, ela resolveu aceitar a proposta.

— Sempre fiz parte do primeiro de maio, festa de sindicato, Diretas Já, campanha de demarcação de terra, contra fome, movimento negro. Eu sempre participei das grandes encrencas.

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