A renovação da Lei de Cotas, aprovada pela Câmara dos Deputados na semana passada, estabeleceu a inclusão da população quilombola entre os beneficiados na reserva de vagas em universidades e institutos federais de ensino do país.
O texto, que segue para discussão no Senado, prevê que as novas regras sejam mantidas até 2033, com avaliação a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento.
Outras mudanças foram a redução da renda familiar per capita dos candidatos à cota para 1 salário mínimo; a ampliação das políticas afirmativas para a pós-graduação; e a alteração no mecanismo de ingresso, permitindo que as notas sejam computadas na ampla concorrência primeiro e, caso não sejam atingidas, possam ser usadas nas reservas de vagas.
Para o pesquisador e sociólogo Luiz Augusto Campos, as novidades aprimoram a proposta e ampliam seu alcance.
“A correção de problemas pontuais [junto com a renovação] torna a lei de cotas mais inclusiva”, diz Campos, que é coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Segundo ele, foram mudanças positivas que refletem as análises feitas com base nos estudos de funcionamento do programa, iniciado em 2012. “Essa foi a primeira política de grande alcance a reconhecer a discriminação existente. Ela introduziu no Brasil o conceito de políticas afirmativas”, diz.
O pesquisador afirma que a inclusão dos quilombolas é bem-vinda por trazer o reconhecimento em relação a essa comunidade. É o que também aponta José Ramos, coordenador da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos).
“Com essa lei, se garante e facilita o acesso de nossos jovens. Isso traz esse olhar, esse fortalecimento para as nossas comunidades”, diz Ramos. “A gente já esperava esse posicionamento do governo, tínhamos uma noção do que poderia acontecer mesmo.”
A atualização da lei traz um novo critério para o preenchimento das cotas. Primeiro, os candidatos cotistas vão concorrer às vagas da ampla concorrência.
Se a nota não for suficiente para ingressar por meio desta modalidade, vão concorrer às vagas destinadas aos seus subgrupos (pretos, pardos, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e alunos da escola pública). Com isso, os cotistas terão mais de um caminho para entrar no curso universitário.
A inclusão também se aplica à pós-graduação. Pelo projeto de lei, as instituições deverão promover ações afirmativas para esses grupos também nesta etapa do ensino superior, mas o texto não especifica qual política deve ser adotada, dando autonomia às entidades.
De acordo com o Ministério da Igualdade Racial, até dezembro de 2021, mais da metade dos programas de pós-graduação das universidades públicas tinha algum tipo de ação afirmativa no processo seletivo.
O coordenador da Conaq defende ser necessário trabalhar com jovens de origem quilombola a importância de se ocupar esses espaços na educação.
“Nosso papel era orientar, conscientizar sobre a forma como ele está inserido, a forma dele participar e a importância de participar da prova do Enem. Foi uma batalha bem referendada para esses jovens.”
PESQUISADOR DEFENDE COTAS PARA PESSOAS TRANS
Embora a aprovação da lei tenha sido fundamental para não promover retrocessos e para resolver a insegurança jurídica sobre o tema, o sociólogo Campos ressalta duas questões que considera que ainda podem ser aperfeiçoadas.
“Sou a favor da inclusão das pessoas trans no grupo de beneficiados. Outra coisa é em relação aos negros que ascendem socialmente. Eles não estão livres da discriminação racial. Deveriam ter um percentual pequeno nas cotas [também].”
Atualmente, a lei prevê esse direito a estudantes negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda da escola pública.
O projeto de lei nº 5384/20 segue para avaliação do Senado. A lei 12.711/12, que criou o sistema de cotas, já previa uma reavaliação da política depois de dez anos de sua implantação, mas isso não ocorreu em 2022.
“Hoje, de fato tem uma lei que garante especificamente essas cotas, ninguém pode mexer. Essa é uma parte muito fundamental da luta e uma conquista para nós”, afirma Ramos, da Conaq.