Lenny Blue de Oliveira escreve “Ode à Sueli”, texto lido durante cortejo do Ilu Oba Min

FONTEPor Lenny Blue de Oliveira, enviado ao Portal Geledés
Lenny Blue de Oliveira (Foto: Acervo Pessoal)

AKIKANJU – ODE A SUELI CARNEIRO – MAAT HOTEP

Na sagrada cidade de Cachoeira, as margens do Rio Paraguaçu, casa de Oxum, nasceu a Irmandade Ilu Obá de Min. O arranjo ancestral foi confirmado no cortejo de fé com a sagrada Irmandade da Boa Morte[2]. O caminhar era embalado pela reza silenciosa, quebrada por vezes com canto de fé e devoção e nos impregnamos na egrégora transformadora da Irmandade da Boa Morte exemplo de fé e resistência na missão. Inspiradas na missão nos descobrimos irmãs e como Irmãs hoje marchamos em sua femenagem.

Hoje, (no solo sagrado, como chamamos essa escadaria – eis que aqui perpetuou-se a resistência do povo negro desde o quilombo, com o batismo do MNU – Movimento Negro Unificado); como no ritual Gelede [3], cortejamos em homenagem a poderosa Iyami, [4] movida e forjada no ferro vigoroso de Ogum e na força transformadora de Oxumaré. Dançaremos sua sabedoria ancestral e quiçá nosso canto louve a dimensão de seu caminhar que eternizou a compreensão que alicerça nosso mote contínuo.

O Ilu Oba de Min – mulheres que tocam o tambor para Xangó, há 19 anos vem às ruas marchar com histórias de mulheres negras que como espelhos, nos inspiram. Hoje nossos tambores irão rufar como mantra seus pensamentos sobre [5] epistemicidio, biovida, feminismo negro, movimento negro, movimento de mulheres negras, racialidade, assujeitamento, resistência, Dublin, abaixo o racismo e… sua bravura.  Com a dança, escrevemos no ar seus fundamentos e cravaremos na terra como  palavras de ordem. Nossa femanagem irá ecoar no Universo.

Como ancestrais encarnadas, sob as bênçãos das Deusas que  nos inspiram na idosidade e sob sua referência, vamos descerrar os entraves com canto e dança, porque acreditamos que outro mundo é possível,  e que nós negras e negros temos um projeto de nação, justo, igualitário e democrático e inclusivo. Com aliados de qualquer etnia, cor, raça, que acreditarem em outro projeto de país, que abram mão dos privilégios com ações afirmativas reais em prol de nossa luta.

 “Vamos ocupar todos os espaços nossos por direito! Vamos garantir o direito de sermos livres e donas de nossos corpos, sem nenhuma interferência de fundamentalistas de qualquer natureza. Marchamos pela construção de um novo marco civilizatório que seja antirracista, anticapitalista e que contemple as mulheres negras de forma estrutural. Não há mudança real que não passe por nós, mulheres negras! Vamos fazer valer nossa luta pelo Bem Viver, aclamado por mulheres negras de todo Brasil na Marcha de 2015. Por nós, por todas nós, pelo Bem Viver!” [6]

Siga como cavaleira arguta com” tal como ovelha sábia que amamenta seu rebanho de pé vigiando os caçadores que se aproximam” [7]

Axé Muntu [8]

Foto: Natália Carneiro

Citações

1 – MAAT HOTEP – saudação kemetica Hotep é uma palavra egípcia que significa “estar em paz”, que nos convida a ficar em paz, equilíbrio.

2 – A Irmandade da Boa Morte é uma confraria religiosa afro-católica brasileira. Constituída apenas por mulheres negras mantendo sua tradição com força e beleza, preservando traços característicos das memórias e cultura material e imaterial afro-brasileira. Alusão a celebração, devoção e o culto a Nossa Senhora da Boa Morte, realizada no mês de Agosto em Cachoeira-BA, com laços comuns que remetem aos ritos de morte vida, laços que remetem às Iyabás do Candomblé ligadas à morte e à vida: Nanã e Iansã Iemanjá e Oxum, que têm um ponto semelhante à Morte e à Assunção de Nossa Senhora.

3 – https://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/12022011_19.pdf Vertente iorubana de culto aos ancestrais femininos. Designa o Geledes, Instituto da Mulher Negra, entidade do movimento negro de orientação feminista fundada em São Paulo em 1988, por Sueli Carneiro.

4 – A Sociedade Geledé, integrada por homens e mulheres, cultua as Ìyagbà, também chamadas Iyami, que simboliza aspectos coletivos do poder ancestral feminino, propiciando a expressão de poderes místicos femininos, favorecer a fertilidade e a fecundidade, reiterar normas sociais de conduta e atrair o axé.

5 –  Pensamentos de Sueli Carneiro, contidos na tese: ‘A construção do outro como não-ser como fundamento do ser’ (2005), bem como em diversos livros e +- 150 artigos em publicações.

6 – Manifesto da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo – 07/2018

7 – Provérbio Barolong Zulu

8 – Expressão de saudação criada por Lélia Gonzalez, misturando as línguas ioruba (axé – poder, força, energia, tudo de bom) e kimbundo (muntu – gente). http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/11-textos-dos-autores/1711-griot-guerreiro

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