LGBTfobia nos partidos: violência política, omissão e falta de financiamento

Pesquisa do #VoteLGBT revela ataques e subfinanciamento: candidaturas de pessoas LGBTs+ recebem, em média, apenas 2% do teto de gastos de partidos políticos brasileiros

FONTEPor Vitória Régia da Silva, do Gênero e Número
Foto: GEOVANA BEMBOM/METRÓPOLES

“Eu já sofri ameaças, já tive até um ataque de um adversário, com falas intolerantes e de discriminação. O partido nem para repudiar. Achei que o partido deveria ter feito pelo menos uma nota, uma manifestação, mas o partido não teve lado nessa discussão. Aliás, por omissão, ficaram do lado dele”, conta um vereador cis gay negro, eleito em 2020. Ele foi um dos 30 representantes LGBT+ entrevistados de forma anônima pela pesquisa “A Política LGBT+ Brasileira: entre potências e apagamentos“, feita pela organização  #VoteLGBT,  que busca analisar informações sobre representação política LGBT+ no Brasil.

Esse caso não é único. Entre os representantes pesquisados, 26% relataram ter sofrido violência por parte de pessoas da própria legenda. Além disso, 54% das candidaturas que sofreram violência buscaram ajuda do partido, mas em 56% dos casos, os partidos não fizeram nada, o que revela como a política partidária ainda é omissa nos casos de violência contra a população LGBT+. Quando analisamos as identidades, 49% sofreram ataques por sua orientação sexual; 32% sofreram ataques por serem mulheres e 29% sofreram ataques por sua identidade de gênero. 

“Temos a invisibilização dessas candidaturas e os ataques mais diretos à sua identidade de gênero e a sua sexualidade. As pessoas, principalmente em cidades pequenas, questionam o que pessoas LGBTs+ vão fazer dentro da Câmara. Temos relatos de xingamento, cochichos e assédio sexual de colegas parlamentares. É uma série de violências que essas pessoas sofrem ao longo do processo todo. Das 30 pessoas que a gente entrevistou, três delas passaram fome durante a campanha eleitoral. E ainda assim conseguiram se eleger”, conta Evorah Cardoso, pesquisadora e membro do #VoteLGBT. 

A pesquisa faz parte do mapeamento que a organização #VoteLGBT realiza do Legislativo brasileiro desde 2014. O levantamento identificou 556 candidaturas LGBT+ na campanha eleitoral de 2020. Dessas, 97 foram eleitas. Como não existem dados oficiais sobre candidaturas LGBT+ junto à Justiça Eleitoral, esses levantamentos são feitos por organizações LGBT+ da sociedade civil como Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Aliança Nacional LGBTI+ e #Me Representa. 

“A pesquisa mostra que essas conquistas estão sendo feitas com com a população nas urnas votando e não necessariamente com o apoio dos partidos políticos. Políticos LGBTs+ estão conseguindo essas vitórias a despeito dos partidos e não tanto por causa do partido. Ainda há uma luta muito grande para ser reconhecido no espaço político partidário ou nas casas legislativas durante os mandatos”, disse a pesquisadora. 

LGBT+ no Legislativo

Nas eleições municipais de 2020, houve aumento de candidaturas na comparação com 2018: foram 556, sendo 97 eleitas

“Chegar aqui foi desafiador porque também me deparo com violência, perseguição, tentativas de invasão ao meu gabinete, e também preciso driblar todos os ataques e ameaças que recebo. É um misto de desafio com angústia, porque a gente fica pensando o quão tarde chegamos neste lugar e o quanto temos que construir para de fato fazermos a diferença”, comenta uma vereadora, mulher trans heterossexual negra. 

O mapeamento revelou a presença de candidatos e eleitos LGBT+ em todas as regiões do país. Nas eleições de 2020, as candidaturas LGBT+ foram distribuídas em apenas 5% dos municípios brasileiros e foram eleitas em 1%. Quanto maiores as cidades, maior é a presença de pessoas LGBT+ na política, tanto como candidatas, como eleitas. Mas o cenário ainda é de pioneirismo e de solidão para os eleitos, já que 2 em cada 3 candidaturas eleitas são as únicas representantes declaradamente LGBT+ de suas cidades, segundo a pesquisa. 

Falta de financiamento

“Se a gente quer buscar novos rumos para a política, é necessário também ter novos atores na política, especificamente na pauta LGBT. Nós nunca fomos colocadas na centralidade da construção da política da direita, da esquerda, do centro ou de nenhum outro espectro político. Pelo contrário, as pautas ligadas à comunidade LGBT sempre foram utilizadas como ferramenta de troca”, conta uma mulher trans, lésbica e branca eleita, entrevistada de forma anônima pela pesquisa.

As candidaturas de pessoas LGBTs+ foram, em geral, subfinanciadas nas eleições de 2020. Elas receberam, em média, apenas 2% do teto de gastos de partidos políticos brasileiros. Esse número mostra a realidade em cidades com mais de 500 mil habitantes. Nas menores, os partidos destinam, em média, 6% da verba para essas candidaturas. A Justiça Eleitoral estabelece um teto para gastos nas campanhas para cada município. O teto é determinado pela Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) de acordo com o tipo de candidatura (prefeitos, a vereadores).

“As candidaturas são subfinanciadas e muitas vezes não encontram apoio político das lideranças, dos diretórios partidários, principalmente se estão nas cidades pequenas. Elas acabam encontrando algum apoio político na fora da sua cidades, nas capitais, ou na estrutura partidária quando existem setoriais LGBT+, por exemplo”,  conta a integrante do #VoteLGBT. Segundo levantamento da organização, apenas ⅓ dos partidos tinham setoriais LGBTs+, o que representa 11 dos dos 33 partidos. 

Uma dessas conquistas, cita Cardoso, foi que pelo menos dois partidos políticos  (PSOL e PT) adotaram medidas de distribuição de recursos nas últimas eleições para candidaturas LGBTs+, mesmo sem isso ser uma obrigatoriedade na legislação. Nas eleições de 2020, o PSOL aprovou 15% dos recursos do fundo eleitoral para candidatos indígenas, quilombolas e LGBTs+, mas candidatos apontaram que, na prática, o PSOL contradiz discurso pró-minorias na distribuição da verba eleitoral

“Ao mesmo tempo vemos as dificuldades para implementar essas medidas dentro desses partidos também. Então, por mais que tenham sido adotadas essas resoluções, a aplicação disso na ponta foi complicada. Por exemplo, em uma entrevista com uma pessoa eleita, ela dizia que a Secretaria Nacional do partido que falava: ‘Olha, vai chegar tanto de dinheiro e esse dinheiro é pra vocês. E não deixem que aí no município distribuam isso entre as outras candidaturas, entendeu?’”, destaca Evorah Cardoso. 

A pesquisa também analisa o financiamento médio por linha partidária e evidencia que partidos de esquerda transferiram quase três vezes (71%) mais recursos que partidos de direita (25%) para candidaturas LGBT+. A maior parte do financiamento de arrecadação própria, isto é, quando candidatos têm que colocar dinheiro do próprio bolso, acontece nos partidos de direita (75%) e do centro (43%), o que mostra uma lacuna de investimentos desses partidos nesse tipo de candidatura. São do centro e da direita os cinco partidos que não transferiram recursos para candidaturas LGBT+: PROS, NOVO, Patriota, PRTB e PSL. 

Ainda segundo a pesquisa, a maior parte das candidaturas LGBTs+ (92%) defendem pautas LGBT+ em suas campanhas. E apenas 10% não expuseram declaradamente serem LGBT+, pois entendem que isso diz respeito à vida pessoal. “Na primeira candidatura, eu ainda não tinha assumido  publicamente minha bissexualidade. Na última, eu já estava até morando junto com minha atual companheira, então tive que assumir esse lugar de fala. Então sinto que a gente sofreu muita violência por isso, mas que a demarcação política é muito importante também, até mesmo para as pessoas se sentirem representadas, para as pessoas estarem ali dedicando aquele seu esforço de votar, de ajudar na campanha, por um projeto que acreditam também”, disse um vererador, homem cis bissexual negro, em entrevista à pesquisa. 

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