Lima-da-pérsia é a doce lima do sertão de minha meninice – Fátima Oliveira

Foto: João Godinho

É COMO SE ESTIVESSE NO POMAR DA CASA DA VOVÓ…

Por Fátima Oliveira

Não sei exatamente quando, mas não faz muito tempo, fiquei emocionada ao ver, no sacolão, umas limas amarelinhas. Virei menina no quintal da casa da vovó Maria… Peguei uma e cheirei. Era mesmo lima!

Comprei mais ou menos uma dúzia. Em casa, depois de lavá-las e enxugá-las, fiquei apreciando uma bacia cheia delas. Comecei a descascar a primeira. Resumo da ópera da bacia de lima: comi todas, gomo por gomo, degustando aquela refrescante fruta da infância e da adolescência que não saboreava havia muitos anos.

A lima, hoje vendida com o pomposo nome de lima-da-pérsia, em alguns lugares, conhecida como lima-doce, no sertão onde nasci, era apenas lima, fruta comum em quase todos os quintais – frutificava tanto que os galhos, às vezes, se quebravam. A lima floresce e frutifica durante todo o ano, com mais abundância de maio a setembro. Graça Aranha, nos anos 1960/70, era importante município produtor de lima. Originária da Índia e do sul da Ásia, nem sequer imagino por que era tão apreciada em nossa região. Apenas descobri que o vocábulo “lima é derivado do nome persa (?) ‘Limu’, quando da introdução da fruta na Europa durante as Cruzadas”, e que, na culinária tailandesa, a fruta é uma mascote.

A limeira se parece com a laranjeira, só que cresce menos, pois é um arbusto, e o cheiro das folhas tende ao adocicado; a lima é muito parecida com a laranja, até no tamanho, mas a casca é fina e de cor amarelo-clara; a polpa – doce, suavemente amarga, uma delícia – fica dentro de gomos esbranquiçados, uma pele amarga, daí porque, diferentemente da laranja, para se comer a lima, é necessário abrir os gomos ou então chupá-la, mas não dá para comer o bagaço porque amarga demais!

Os valores medicinais da lima estão suficientemente demonstrados: o suco é auxiliar da digestão, daí dizerem que a fruta previne e trata “doenças do estômago” em geral; é diurético, por tal motivo, “entrou na moda” como “o suco que combate a celulite e emagrece”! Evidentemente, tais propriedades milagrosas carecem de respaldo científico.

Pense num diurético potente: é a lima! Tanto que, no sertão, criança não podia comer a fruta à noite para não fazer xixi na cama! Lembro-me, também, da história de que “lima quente dá dor de barriga”. Por tal motivo, a gente só podia colhê-la para “comer na hora”, pela manhã ou no fim da tarde, mesmo assim, colocando-as delicadamente dentro de um balde de água para esfriá-las.

Além disso, “a cultura popular diz que o chá feito de casca de lima, quando tomado regularmente após as refeições, ajuda a prevenir as palpitações cardíacas”. Ou seja, é um tranquilizante. A sabedoria sertaneja diz que criança muito danada deve chupar lima e tomar um chazinho de casca da fruta de vez em quando para se acalmar. Vovó era incansável em “receitar” lima e chá da casca dela para crianças inquietas e arreliadas.

Meu avô Braulino dizia que “lima tem ciência” e só era boa “pegada com a mão” e chupada debaixo do pé, por ser uma fruta fina: se machucar, fica amargosa. Estava coberto de razão! Tanto que as limas de sacolão nem sempre são docinhas, algumas possuem um sabor de doce-amargo. Não há do que duvidar: são frutas machucadas, muito manuseadas, porque lima colhida e transportada com cuidado é doce, doce, doce…

Comer lima é voltar à minha infância. Cada vez que como a fruta é como se estivesse no pomar da casa da vovó… São recordações de manhãs de brisa aconchegante debaixo do nosso pé de lima, pegando uma por uma no pé.

 

Fonte: O Tempo

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