No imaginário popular, não é raro que a primeira imagem associada a um filósofo seja a de um homem branco de barbas brancas, com um visual que remete à Grécia Antiga. Embora este conceito já esteja datado há muito tempo, ainda há um longo caminho para que novas visões e narrativas sejam incluídas de vez no cânone da filosofia moderna. É este um dos objetivos da série Brazilian Women Philosophers, ou Filósofas brasileiras, com vídeos curtos que apresentam ao público internacional os principais nomes femininos da filosofia brasileira.
Com curadoria das professoras Carolina Araújo e Carmel Ramos, ambas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o ponto de partida da série foi uma ponte entre o Extending New Narratives in the History of Philosophy, projeto internacional que visa a recontar a história da filosofia em novos padrões de registro, e a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, de produção de conteúdo voltado para discussões de gênero. Quem propôs a associação foi Carolina, envolvida no Extending New Narratives desde seu início no Canadá. A série Filósofas brasileiras é produzida em português com legendas em inglês.
“As mulheres vão desaparecendo à medida que a carreira se especializa”, conta Carmel. “Além disso, não se lê mulheres na filosofia, e menos ainda mulheres brasileiras”. Mas conversas e iniciativas para reverter o cenário estão mais frequentes, acrescenta Carolina: “Hoje as mulheres entram na graduação em Filosofia com uma cabeça diferente da que eu entrei”.
Lançados a cada seis semanas, os vídeos têm em média sete minutos e ficam disponíveis gratuitamente no canal no YouTube da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. O critério para seleção foi trazer nomes historicamente importantes por diversos motivos. No primeiro vídeo, lançado em 17 de abril, Djamila Ribeiro apresenta a feminista negra Sueli Carneiro. No segundo episódio, no ar desde 29 de maio, Tessa Lacerda fala sobre a obra e a carreira da filósofa Marilena Chauí. O terceiro vídeo, com Carla Rodrigues apresentando outra feminista negra, Lélia Gonzalez, está previsto para meados de julho.
Conheça as seis mulheres da série ‘Filósofas brasileiras’
- Sueli Carneiro. Nascida em São Paulo em 1950, Sueli Carneiro é uma das principais referências do feminismo negro no Brasil. Doutora em Filosofia pela USP, fundou na década de 1980 o Geledés Instituto da Mulher Negra, organização feminista e antirracista. No primeiro episódio da série Filósofas brasileiras Sueli é apresentada por Djamila Ribeiro (que também será tema de um vídeo). Djamila dá a dica do livro Escritos de uma vida (2018) para conhecer o pensamento de Sueli. Essas duas filósofas feministas negras conversaram sobre suas jornadas acadêmicas e sociais em um dos episódios do podcast Vidas negras, da Rádio Novelo. (Assista ao vídeo sobre Sueli Carneiro no canal da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas.)
- Marilena Chauí. Uma das intelectuais mais importantes do país, Marilena Chauí é professora do Departamento de Filosofia da USP desde 1967 e fundadora do Partido dos Trabalhadores (PT). Ganhou seu primeiro Prêmio Jabuti pelo livro Convite à Filosofia (1994), referência no ensino médio. Marilena é apresentada por Tessa Lacerda, historiadora e professora do Departamento de Filosofia da USP, além de editora-chefe dos Cadernos Espinosanos, revista semestral de filosofia. No vídeo Tessa indica a leitura da coleção Escritos de Marilena Chauí, com seis volumes, cada um sobre tema que permeia a obra da filósofa. (Assista ao episódio sobre Marilena Chauí na série Filósofas brasileiras.)
- Lélia Gonzalez. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Lélia Gonzalez (1935-1994) foi uma das fundadoras, em 1978, do Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia denunciou o silenciamento e o sexismo na luta afro-brasileira e o racismo em discussões feministas. Dois de seus principais títulos são Lugar de Negro (1982), em coautoria com o sociólogo argentino Carlos Hasenbalg, e Festas Populares no Brasil (1987). Lélia é uma das personalidades negras homenageadas pelo rapper Emicida no documentário AmarElo: é tudo para ontem (Netfflix) e, também, é tema de um dos episódios do podcast Vidas negras. Quem apresenta a feminista negra na série Filósofas Brasileiras é Carla Rodrigues, professora de Ética do Departamento de Filosofia da UFRJ e mestre e doutora em Filosofia (PUC-Rio). O vídeo sobre Lélia tem estreia prevista para meados de julho.
- Gilda de Melo e Sousa. Primeira mulher a dar aula na Faculdade de Filosofia da USP, na década de 1940, Gilda de Melo e Sousa (1919–2005) foi ensaísta e crítica de arte. Em um de seus principais trabalhos, O espírito das roupas (1987), Gilda faz uma análise estética, psicológica e sociológica sobre a moda no século 19. Como era um assunto considerado “menor” e “excessivamente feminino”, seu trabalho não teve o reconhecimento merecido enquanto ela era viva. Um dos principais exemplos de mentoria feminina no campo da filosofia, Gilda foi orientadora de Marilena Chauí. Quem a apresenta é Silvana Ramos, professora de Filosofia da USP especializada em Ética e Filosofia Política e coordenadora do Grupo de Estudos de Filosofia Política da USP.
- Beatriz Nascimento. Depois de migrar com a família de Aracaju para o Rio de Janeiro, Beatriz Nascimento (1942-1995) formou-se em História na UFRJ. A pesquisa de Beatriz sobre quilombos brasileiros se alinhava à sua militância e ao seu ativismo antirracista. No início dos anos 1980, a historiadora esteve ao lado de Lélia Gonzalez no Movimento Negro Unificado. Em 1989 escreveu e narrou o documentário Ôrí, dirigido por Raquel Gerber, sobre movimentos negros. Em 1995, morreu assassinada a tiros no Rio. Quem apresenta o vídeo sobre Beatriz é Halina Leal, doutora em Filosofia pela USP e líder do Genera Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Gênero, Raça e Poder.
- Djamila Ribeiro. De família ativista e candomblecista, Djamila Ribeiro é mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), colunista do jornal Folha de S.Paulo e tem mais de 1,1 milhão de seguidores no Instagram. Seu trabalho é um dos mais populares no país quando se fala em ativismo negro. Em junho de 2020, o humorista Paulo Gustavo cedeu sua conta do Instagram para Djamila, buscando ampliar discussões sobre racismo e preconceito. Quem tem medo do feminismo negro? (2018) é um de seus livros fundamentais, unindo textos já publicados em forma de artigos a reflexões antirracistas baseadas em suas próprias experiências como mulher e acadêmica negra. Considerada uma das 100 mulheres mais influentes do mundo pela BBC, Djamila será apresentada por Yara Frateschi, professora de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).