Longe do centro

(Foto: Lucíola Pompeu)

Nunca fui a queridinha da professora, ou da turma. Nunca fui eleita para representar um grupo, ou outra pessoa. Muito menos fui discípula predileta de um mestre, ou de um guru. Nos poucos concursos literários dos quais participei, figurei em premiações coletivas, ou levei o segundo lugar. No amontoado das minhas tralhas, não há medalhas, placas, troféus. 

Por Fernanda Pompeu no Yahoo 

Na minha vivência de roteirista, só tive trabalho em produtoras com modestos recursos financeiros. Na televisão, roteirizei para a TV Cultura de São Paulo – famosa por ter prestígio e pouca audiência. Também para a TV Jovem Pan – esta teve existência mais breve do que a de uma borboleta. 

Não quero dar uma de Poliana- personagem de ficção que sempre enxerga o lado bom das coisas -, mas hoje percebo que viver longe da Vênus Platinada, das grandes produtoras, das importantes editoras me ofereceu a chance de experimentar minha escrita com máxima liberdade. Longe dos holofotes, você escolhe para aonde ir. 

Outro dia, assistindo no YouTube a uma entrevista feita pela Casa de Cinema de Porto Alegre com o jornalista Janio de Freitas, compreendi melhor que a oportunidade, de repente, nos aguarda na sombra, no escanteio, no segundo escalão, no térreo das corporações. 

Janio de Freitas foi um dos autores, em 1956, da famosa Reforma gráfica e conteudística do Jornal do Brasil – fundado em1891, encerrado em 2010. Um pouco antes da Reforma, o jornalista havia sido autoexilado, leia-se rebaixado, para a editoria de Esportes. Segundo ele, uma seçãozinha mínima, a que ninguém dava muita importância.

Pois ele aproveitou a desimportância para fazer experiências criativas. Transformou a ocasião em um laboratório. Por exemplo, mexeu nas disposições e dimensões das fotografias. Brincou com a diagramação dos textos, sempre procurando soluções de leveza e legibilidade. 

Foi nesse laboratório que Janio retirou de vez os fios pretos que separavam as colunas de notícias. Eureka! As páginas se exibiram mais arejadas e bonitas. Logo depois, os jornais do país inteiro incorporariam essa “bossa nova gráfica”. Para sempre.

Dois mais dois igual a quatro? Não necessariamente. Às vezes, precisamos estar no lugar “errado” para conseguir algo “certo”. É uma espécie de aproveitamento pelas bordas. De devorar horizontes por pequenas frestas. Muitas inovações que sacodem o centro vêm das periferias.

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